Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

 

 

 

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28 de novembro de 1988

O que será do Brasil?

Em qualquer grupo humano cujos membros convivem assiduamente entre si, comentam-se de modo íntimo e informal os acontecimentos cotidianos do que resulta com freqüência a formação de neologismos. Estes tornam mais concisa e mais saborosa a expressão de certos conceitos específicos, ou a definição de determinadas situações típicas. E, quando são numerosos, constituem o como que "jargon" do grupo que os engendra.

Tal se dá na TFP. Assim, um neologismo que vem à tona entre nós, quando se tornam mais aceleradas as pulsações da política nacional, é o "fator F".

A expressão designa uma constante de nossa vida pública (como também de nossa vida privada...) por efeito da qual, no próprio auge das crises mais ameaçadoras, e quando tudo ameaça desfazer-se em uma barafunda geral, o próprio remexe-mexe da barafunda começa a ser acionado por um certo fator imperceptível e sutil do temperamento nacional, de tal modo que as coisas, ao invés de desfecharem na explosão, vão amortecendo lentamente os mútuos entrechoques, e os ânimos se aplacam. E, ao termo da barafunda, verifica-se com surpresa que as coisas ficaram "como dantes no quartel d’Abrantes". Ou, se não ficaram exatamente "como dantes", pelo menos a situação nova, resultante da barafunda – se considerada em profundidade – é muito mais parecida com a anterior do que se poderia imaginar.

Em função do atual clímax de agitação sócio-política, não vale a pena mencionar, a título ilustrativo, exemplos muito recentes. Mas, ainda que se considerem fatos antigos, tais exemplos pululam. A Independência separou-nos de Portugal, mas deixou-nos o trono, a dinastia, e o regime de união (à Pombal) entre a Igreja e o Estado, a robusta unidade nacional, bem como a servidão do elemento negro. Tudo isto só veio a cair por volta de sete décadas depois. Quanto à unidade nacional, permanece intacta. Na grande mudança de 1822, quanta coisa ficou, pois. Dos escombros do regime imperial nasce a República. Muita gente supôs que a Monarquia estava morta para todo o sempre. Contudo, por assim dizer nas vésperas do centenário da República, a Constituinte se recorda de que o regime republicano ainda não tem outro apoio para sua "legitimidade democrática" senão a espada do marechal Deodoro.

A incongruência berrante dessa situação chamou a atenção dos constituintes de 1988. E, para embasarem o regime vigente em alicerces mais lógicos e estáveis, convocaram um plebiscito para 1993, no qual o povo possa optar tranqüilamente – pela primeira vez – entre a monarquia constitucional e a república.

Como, da obra da Constituinte de 88, quase só me sinto de acordo com a convocação do plebiscito, aproveito a ocasião para externar aqui meu aplauso caloroso ao que a Magna Assembléia deliberou a esse propósito.

E passo ao fator "F", do "jargon" tefepista. Mal é convocado o plebiscito, que, ao cabo de cem anos de transformação republicana, emerge do fundo da realidade nacional um pulular de pequenos grupos ou movimentos monárquicos, alguns representando velhas fidelidades heróicas, outros jovens aspirações monárquicas, a confluírem uns e outros para a legitimidade imperial, isto é, os príncipes Dom Luís [de Orleans e Bragança] e Dom Bertrand. Em última análise, no subsolo da política brasileira, uma coisa ficara, continuara, sobrevivera, arrochada, porém não morta. E ela agora se vai reerguendo: é o pendor monárquico de tantos de nossos compatriotas.

Ademais, quantos valores básicos do regime monárquico sobreviveram na República Velha: a estrutura senhoril da propriedade rural, o poderio eleitoral dos "coronéis" do campo, tantas vezes filhos e continuadores dos barões do Império, e assim por diante.

Este pendor a ficar não se pode confundir com um conservantismo ideológico, pois é essencialmente temperamental.

Ora, por uma curiosa, por uma trágica contradição da história, precisamente este fator "F" foi, ao meu ver, uma das causas mais profundas da situação em que nos deixou a Constituinte de 88. Isto é, um Brasil desfigurado por uma transformação socialista espantosa, profunda e quase geral.

Do fator "F", ou de algo análogo, quase não se fala hoje, nos comentários políticos. Mas foi precisamente ele que levou, de modo subconsciente, a grande maioria dos componentes das classes às quais cabe a missão natural de preservar o regime da livre iniciativa e da propriedade privada – industriais, comerciantes, agricultores, proprietários de imóveis urbanos, titulares de cargos públicos ou privados altamente remunerados – às inércias profundas, às imprevidências cegas, aos votos dados às apalpadelas nas eleições para a Constituinte. E, depois, às esperanças fátuas, às previsões de um otimismo infantil, as quais prognosticavam vitórias que não viriam. Tudo para desfechar em cambalachos de bastidores, os quais privaram as ditas classes conservadoras, de qualquer eficiência séria na Constituinte. Por fim, contaram elas quase como favores, e até como êxitos, entregas de terreno, de alcance insondável.

Pensei em tudo isso, lendo nos jornais que a nova prefeita de São Paulo, sobrevoando de helicóptero a capital de nosso Estado, julgou de bom alvitre enviar uma mensagem à Federação das Indústrias, cujo vistoso prédio ela divisava no momento. O texto dessa comunicação tinha um significado intencional amável e pacificante. Ei-lo: "Garanto que podem ficar tranqüilos. Não vamos revolucionar a administração municipal. Não estamos propondo uma solução socialista para a cidade. Queremos governar com competência e transparência, e isso interessa ao empresariado" ("Jornal da Tarde", 18/11/88).

Mas essa mensagem tinha também um segundo sentido óbvio, com o qual a missivista não atinou: "Não tenham medo de mim, porque tenho a intenção de ser-lhes boazinha". O que leva o leitor a pensar: "No dia em que ela se zangue, ai da Fiesp".

Qual o prefeito da Monarquia ou da República que imaginara ter cabimento uma tal mensagem dirigida à maior potência econômica do país?

Não pense o leitor que eu vá deduzir daí que Da. Erundina fez um disparate. Ela apenas deixou transparecer uma verdade. É que na presente República, nova em folha, a iniciativa privada é pouco mais do que um camundongo nas mãos do Estado.

E isto porque os proprietários de empresas ou de imóveis rurais ou urbanos, adormecidos pelo fator "F", deixaram que as coisas descambassem para uma situação em que "ficou" nada, ou pouco mais do que nada.

Involuntariamente, o fator "F" se suicidou.

No que dará este Brasil em que nada mais tem possibilidades sérias de ficar?

Nada, não! Fica o Brasil! E é na esperança de que este não se deixe contagiar indefinidamente pelo efeito letal desse suicídio do fator "F", que aqui consigno estas reflexões.

Nota: Os negritos são deste site.


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