Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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11 de abril de 1988 Os que esperam só ser comidos no fim Em meu recente livro "Projeto de Constituição Angustia o País" (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1987, 209 págs.), evidenciei o caráter profundamente a-ideológico e até aprogramático de quase todas as candidaturas que disputaram as preferências do eleitorado, no pleito de 15 de novembro de 1986. Esse caráter privou nossa constituinte de rumos definidos, sejam estes doutrinários ou práticos. E, ipso facto, tirou-lhe a possibilidade de dotar o País de uma Carta Magna coerente, clara, sucinta, que solucione com eficácia os problemas nacionais. E que uma Constituinte privada de princípios e de rumos não pode senão tatear na sinistra sarabanda dos problemas morais, culturais, políticos, sociais e econômicos que nos ameaçam em meio à fuliginosa penumbra do ambiente nacional contemporâneo. Uma Assembléia como esta, eleita sob a ação de preferências pessoais motivadas, em impressionante número de casos, pela mera fisionomia do candidato estampada em vistoso cartaz (ou então pelas capacidades lúdicas de certos candidatos como atores, dançarinos, ou sei lá o que mais), não pode deixar de caminhar como um catacego, sobre o terreno resvaladio dos problemas mal-impostados, debatidos às carreiras, e mal resolvidos. A diversos constituintes não faltam cultura, experiência e até desassombro. Mas do que lhes vale isto se constituem minoria em meio a colegas, não raro simpáticos e bem-intencionados, se estes últimos ignoram tudo o que só a prática política pode dar? Disse Nosso Senhor Jesus Cristo: "Se um cego guia outro cego, ambos caem na cova" (Mt. 15,14)... Daí resultam, em grande parte, as incertezas em que o Brasil se encontra. Aliás, nesta confusão não se encontra apenas a Constituinte mas toda a nação. Para considerar só os problemas econômicos e financeiros, é flagrante – nesta matéria – a ausência de dados vigorosamente documentados, cristalinamente analisados, e sem os quais o "homem da rua" desta democracia cambaleante não pode sequer saber o que quer ou não quer. De onde as notícias nos jornais, sobre as alternativas sucessivamente propostas para a solução desses problemas, darem ao "homem da rua" – a mim, por exemplo, que em matérias econômico-financeiras me tenho na conta de tal – a impressão de que os debates ou os cambalachos efetuados nos altos bastidores de nossa vida pública são meras sessões de prestidigitação. Em outros termos, quando a experiência desgasta várias sugestões apregoadas como "milagrosas", há uma tensão geral. E desta tensão emergem então um, dois, ou três "gênios", com novas soluções tão mirabolantes ou inverossímeis quanto seria tirar um coelho de dentro de uma cartola, ou um ovo de dentro de uma lapiseira. É, por exemplo, o que ocorre com as estatais. Surge, de quando em vez, a versão de que o governo está estudando medidas a respeito da matéria, enunciadas de modo vago, e cuja aplicação é prometida para uma data não menos vaga. Em seguida, um escândalo ou uma crise sobre algum tema muito diverso irrompe no palco da publicidade como surpresa estonteante. Ato contínuo, todos se esquecem das estatais, e estas vão vegetando por mais algum tempo. E isto muito embora seja certo que quase todo mundo lhes deseja a privatização. E todos esperam, entre aflitos e modorrentos, que algum prestidigitador resolva o caso. Tudo isto posto – é fácil ver – o mal não está só no Brasil. Resulta ele de uma tendência avassaladora e rombudamente relativista que afeta a opinião pública de todo o Ocidente. Com efeito, a perspectiva de nova conflagração mundial tornou-se ainda mais sinistra do que as anteriores, em razão dos trágicos progressos que tem feito a arte de matar. Teve isto sobre os homens um efeito catastrófico. Em lugar de ver no debate de idéias um destro e arejado torneio de erudição e de cultura, no qual as partes contendem para encontrar a verdade, o debate cultural ou técnico passou a ser tido, em nossos dias, como fagulha perigosa, da qual podem surgir controvérsias apaixonadas. E destas, por sua vez podem nascer, possivelmente, confrontações internacionais que resultem na temida guerra. Tomado de pânico, o pacifista contemporâneo incondicional apostrofa ecumenicamente os polemistas: "Não vos recordais das intransigências de Hitler, de Mussolini, de Stalin". Nesta visualização, toda controvérsia deve ser abafada. E quando alguém redargue ao pacifista: "e você não se lembra de homens ainda mais culpados pelas guerras, pois foram símbolos da capitulação e do fracasso, como Chamberlain e Daladier?", o pacifista muda de assunto. Porém vê-se que, no fundo, essa dupla do fracasso corresponde ao seu ideal. E que, nem de longe, lhes ocorre a lembrança de homens como Churchill e De Gaulle, que souberam ser polemistas vigorosos mas sem fanatismo. A fórmula mágica do "neochamberlainismo" ou do "neodaladierismo" contemporâneo é o relativismo. Para ele, todas as verdades e todos os erros são relativos. Toda afirmação categórica não é senão respingo de algum fanatismo. A verdade está sempre e unicamente no meio-termo. Isto é, numa acomodação entre todas as opiniões, por mais diversas que sejam, e por mais contraditórias que se apresentem. Quando as certezas morrem, a atividade intelectiva perde sua meta natural. E a modorra se apodera da opinião pública. A modorra dos pacifistas a todo preço, que Churchill assim definia: "Apaziguador é aquele que alimenta um crocodilo, esperando que este o coma por último". Voltemos à Constituinte. Não é esta a psicologia que explica o desmoronamento de nosso tão concessivo Centrão? |