Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

 

5 de novembro de 1986  Bookmark and Share

Os semi-agro-reformistas – esses inocentes úteis

Em meu último artigo, fiz um apelo a meus amigos produtores rurais no sentido de que não se deixem atrair pela manobra ingênua de alguns de seus colegas, os quais imaginam tornar-se simpáticos às hordas dos "sem-terra" e dos "mass media" agro-reformistas afirmando-se, também eles, propugnadores da reforma agrária; mas dizendo mais ou menos à socapa que para eles reforma agrária é tão-só o confisco das terras "ociosas".

Tive ocasião de mostrar que, em qualquer polêmica, essa jogadazinha transparente seria facilmente desmascarável pelas esquerdas, as quais a cobririam então de ridículo. Assim, estas alcançariam alterar aos olhos do público não-rural o perfil moral do fazendeiro. Até aqui geralmente respeitado por sua seriedade e franqueza, como pelo serviço inapreciável que presta ao país, o produtor rural passaria a ser alvo de risota generalizada, em proveito óbvio do agro-reformismo socialista e confiscatório.

Esta manobrinha traria para o instituto da propriedade rural outros inconvenientes ainda mais graves. Pois a "jogadazinha" tentaria estabelecer causa comum entre os produtores rurais que, baseados no princípio da propriedade privada, aproveitam diligentemente as suas terras, e os inimigos da propriedade privada, os quais pleiteiam, hoje, a reforma agrária e a reforma urbana, e já se preparam para pleitear amanhã a reforma da empresa industrial ou comercial.

"Reforma": entenda-se confisco. Confisco: entenda-se extinção do direito de propriedade. Cada uma dessas reformas constitui parte da transformação processiva pela qual a estrema esquerda quer arrastar o Brasil do regime da propriedade individual para o do comunismo estatal, ou para o ultracomunismo autogestionário.

Nessa estranha frente única em que, para destruição de uma parte do sistema da propriedade individual (a propriedade das terras "ociosas"), caminharão juntos tanto o extremismo agro-reformista como os semi-agro-reformistas, qual desses "companheiros de viagem" desempenhará o papel de inocente útil? E qual o de astuto aproveitador?

Pondere-se antes de tudo que a tática comunista usa por sistema coligações com correntes opostas. Chamam isto de tática dos "companheiros de viagem". E no uso de tal tática, não conheço um só caso em que, no frigir dos ovos, os comunistas hajam desempenhado o papel de "inocentes úteis", com prejuízo para si mesmos e vantagem para seus "companheiros de viagem".

É muito de se duvidar que, pela primeira vez, os agro-reformistas moderados brasileiros – os quais aceitam a reforma agrária no tocante às terras ditas ociosas – abram exceção, conseguindo que, em troca, os agro-reformistas intransigentes, tão do gosto e do feitio do PCB e do PC do B, se resignem "per omnia saeculla saeculorum" à manutenção da propriedade privada nas terras produtivas.

Mas, objetar-me-ão os agro-reformistas moderados, por que vê o Sr. tanto inconveniente em que se faça a reforma agrária nos latifúndios ociosos, cujos proprietários os têm só para lucrar com a alta do preço alcançada no decurso dos tempos pela ação de fatores vários, entre os quais não figura o trabalho pessoal do proprietário? Latifúndio ocioso, pertencente a latifundiários também ociosos: não há nisto uma injustiça flagrante? Pode o homem auferir honestamente qualquer lucro ou vantagem que não provenha unicamente do seu trabalho? E, ademais, com prejuízo para o bem comum, já que estas terras improdutivas são gravemente necessárias para a manutenção do sem-terra e o estímulo da produção agropecuária nacional? Não constitui tudo isto um monte de ignomínias superpostas umas às outras, e que o golpe certeiro de uma desapropriação confiscatória pode e deve punir de modo justiceiro? Respondo.

1. Se o Brasil não dispusesse de imensidade de terras devolutas que todos bem sabem, os agro-reformistas moderados, em tese, poderiam ter razão. Pois o crescimento constante da população (sem embargo do divórcio, que mingua sempre a prole, do aborto e coisas congêneres) produzirá, por um processo espontâneo e normal, a ocupação das terras devolutas. Mas, uma vez lotadas estas, a situação poderá exigir, para além do ano dois mil, também o aproveitamento de todas as terras desocupadas ("ociosas"), pertencentes a particulares. Seria este um efeito da função social da propriedade da terra.

Entretanto, ainda em tal caso, me parece indecifrável por que a desapropriação compulsória das terras ociosas haveria de acarretar necessariamente uma desapropriação a preço vil. Pois, sendo tal desapropriação feita em vantagem de todo o corpo social, fico sem compreender que, mesmo na hipótese de que os lucros trazidos por ela para o país fossem grandes, a indenização paga ao proprietário fosse pequena!

2. Na realidade, porém, dado que o Brasil dispõe de uma tal imensidade de terras devolutas, às quais há que somar ainda as terras de que o Poder Público é proprietário, não compreendo como não constitua um sagrado imperativo de justiça satisfazer a necessidade pública de terras para o cultivo, mediante o uso dessas terras, as quais, antes do que outras, são naturalmente aptas a tal fim, pois pertencem ao país, ao público, e existem de pleno direito para a vantagem coletiva da população.

Ora, os agro-reformistas moderados, que em matéria de reforma agrária "viajam no mesmo trem" com os agro-reformistas totais do PCB e PC do B, sustentam que, na presente realidade brasileira, a ação desapropriatória e confiscatória do Poder Público deve recair promiscuamente sobre terras ociosas pertencentes ao Estado e a particulares. O que equivale a dizer que o direito de propriedade, o qual vincula cada terra inaproveitada ao respectivo dono, não deve ser tomado na menor consideração.

Mas, se o agro-reformismo moderado proclama que, nas terras particulares inaproveitadas, o Poder Público tem o direito de agir como se o proprietário fosse inexistente, e nula a propriedade, reconhece ele implicitamente que o Poder Público pode, em caso de vantagem coletiva, declarar inexistentes os direitos destes ou daqueles outros proprietários particulares. Ou até de todos os proprietários. De todo o instituto da propriedade privada, então! E assim fica escancarada a porta para o comunismo.


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