Plinio Corrêa de Oliveira

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

21 de abril de 1986

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Invasões, reforma agrária e temas conexos

Há quem entenda que por reparos às invasões de propriedades agrícolas importa em combater a Reforma Agrária. Sou oposto a esta, como às invasões. Não menos oposto sou a que se confundam duas coisas tão distintas. E, no caso, a confusão é óbvia.

1. Com efeito, a Reforma Agrária (RA) constitui um procedimento legal, por meio do qual a partilha do solo agrícola é decretada e levada a cabo pelo Poder Executivo com base em lei. Se necessário, na última fase, a Polícia Militar é encarregada de expulsar das terras, que até há pouco haviam sido suas, o proprietário eventualmente recalcitrante em as abandonar.

2. Ao contrário da RA, as invasões de terras por grupos de famintos – de autenticidade aliás não demonstrada – constituem procedimento marcadamente ilegal. Elas não são decididas nem postas em ação por órgãos do Poder Público, mas por turbas aglutinadas e impelidas ao ataque por iniciativa de meros particulares. Ao arrepio da lei, essas turbas invadem as terras indicadas por seus mentores.

Como se acaba de ver, em nada disto as invasões têm característica comuns com a RA. Nesta perspectiva são até o contrário dela.

Diante disto, se patenteia quanto é incongruente sustentar que opor-se às invasões importa automaticamente em criar obstáculos à Reforma Agrária.

3. A propósito, pondero que os pareceres dos professores Silvio Rodrigues e Orlando Gomes, sobre o direito à defesa dos proprietários rurais em caso de invasão (os quais a TFP vem difundindo, a pedido de fazendeiros), não cuidam da RA, mas das invasões. Quem afirmasse – como o tem feito, aos uivos, certa imprensa esquerdista – que o combate às invasões importa em obstar a execução da RA, acusaria o governo de escandalosamente fraco. Pois este se reconheceria então impotente para realizar, através dos próprios meios legais já sancionados, a RA por ele proclamada ponto-chave de seu programa. E, para ocultar essa vergonhosa fraqueza, o governo se constituiria então, maquiavelicamente, em cúmplice da desordem e da violência. Pelo contrário, quem trabalhe para que a violência das ocupações não se cometa, alertando para isto a vigilância da iniciativa particular, atua como defensor da ordem, e portanto colabora com o governo no cumprimento da missão mais imediata e essencial deste, a qual é evitar a violência.

4. Definindo para os proprietários de terras quais são seus direitos e deveres em face das invasões, os pareceres em questão não são fatores de discórdia e de luta. Pelo contrário, eles não poderiam ser mais caracteristicamente mantenedores da ordem, nem mais pacifistas. Acusar os referidos pareceres de conduzir à guerra civil é negar a verdade evidente. A guerra civil é ateada por quem prega a prática da violência generalizada, e não por quem obsta a que a mesma invasão violenta se transforme em fato consumado e impune em todo o território nacional.

Quem acusasse uma série de reações de fazendeiros – feitas à mão armada para defender suas terras – de se constituir em guerra civil, tem de pressupor que essas reações fossem causadas por uma série de invasões ilegais. Porém, neste caso, a violência – a guerra civil – não teria começado na reação. Pois toda reação é, por sua natureza, uma ação segunda, ocasionada por uma ação primeira, isto é, o ataque, a invasão. A guerra civil teria sido começada, então, pelos atacantes em série, pelos invasores em série. O que é de clareza cristalina.

5. Tem-se alegado, aqui e acolá, nada apresentarem de ilegal as invasões de terra, porque a realidade socioeconômica contemporânea tornou peremptos os artigos do Código Civil (de 1917) em que se fundam os pareceres dos professores Silvio Rodrigues e Orlando Gomes. Afirmar a hipótese de revogação da lei, com base nessa justificativa, não tem fundamento no Direito pátrio.

Abstração feita do inadequado dessa perempção, importa ainda considerar quanto é fraco o argumento dos que a alegam. Afirma-se, com efeito, em setores da esquerda eclesiástica e política, que o estado de miséria no qual se encontrariam as turbas de invasores, tornaria inclemente e até inumana a aplicação, na presente crise socioeconômica, da legislação aduzida nos pareceres em questão.

A isto cumpre objetar, antes de tudo, que tal estado de miséria das turbas não foi objeto de demonstração científica fundamentada. Afirma bombasticamente a existência dessa miséria a imprensa agro-reformista. Porém afirmar é simples. O que importa é provar. E, quanto a esta prova, os apologistas das invasões nada dizem... Pelo contrário, a propaganda pró-invasões e, mais ainda, o próprio fato concreto das invasões, depõe em sentido contrário.

Explico-me. Note-se antes de tudo que é diferente reconhecer a existência de "manchas de miséria" nestes ou naqueles pontos do mapa do Brasil rural, e identificar como autênticos indigentes os integrantes heteróclitos das colunas invasoras. É destas últimas que trato aqui. E, como foi dito, provas da miséria destas enquanto um todo, até agora não foram apresentadas.

Pelo contrário, no fenômeno das invasões, um fato há que chama a atenção. Os jornais não dão (ou quase não dão) notícias de revoltas de trabalhadores rurais famintos, que imporiam a partilha de terras de fazendeiros gananciosos, os quais lhes estariam a pagar salário insuficiente. Ou então contra fazendeiros desidiosos, que deixassem incultas extensões de terra que os trabalhadores poderiam aproveitar. Quanto a mim, que tenho acompanhado com alguma regularidade o que diz a imprensa sobre as invasões, não tive sob os olhos um só caso destes. Tudo isso leva a concluir que nas relações de trabalho agrícola há, pelo menos em linhas gerais, mútuo contentamento entre empregadores e empregados.

As desordens, as espoliações, os esbulhos, só – ou quase só – procedem de turbas de invasores. Ou seja, de gente que vem de fora da fazenda. E, note-se bem, não li um só caso de trabalhadores manuais que, em presença dos invasores, se tenham solidarizado com estes contra o fazendeiro!

Ora, se fossem tão frequentes e tão negras as "manchas de miséria" na agricultura nacional, por certo os astutos e ágeis provocadores da agitação agrária já teriam tentado aproveitar essas "manchas", para as transformar em bastiões da guerra de classes e da revolução social no interior das próprias fazendas.

Tudo isto leva a crer que os contingentes de miséria vão, na mais pessimista das hipóteses, a pouco mais do que as hordas itinerantes de agro-agitadores.

Essas hordas, por mais que se as imagine numerosas (e também sobre a quantidade de pessoas que as integram não há dados confiáveis), não podem constituir o quantum populacional suficiente para tornar peremptos os dispositivos legais sobre os quais se fundam os pareceres em causa.

6. Ademais, admitindo, argumentandi gratia, até mesmo a autenticidade de todos os "indigentes" que integram essas hordas, a perempção da lei em favor delas só se poderia alegar caso o Brasil não tivesse terras devolutas em que elas pudessem ser localizadas.

Ora, o maior latifúndio improdutivo do globo é o acervo de terras devolutas pertencentes ao Estado brasileiro: cerca de 50% do nosso território-continente. Uma área equivalente ao dobro das áreas territoriais somadas da França, Alemanha Ocidental, Itália, Espanha e Ilhas Britânicas! As colunas de esbulhadores "agro-reformistas" constituem potencial de trabalho insofismavelmente aproveitável para cultivar essas terras. Tais terras clamam, por assim dizer, pelos braços deles. Por que razões confusas, e jamais enunciadas com peremptória clareza, na terra que sobra não são localizados os braços que por sua vez também sobram? Por que utilizar esta força de trabalho excedente como instrumento de depredação da propriedade privada e não de aproveitamento do ubérrimo e ocioso latifúndio estatal? Porventura não tem este, mais ainda do que a propriedade privada, uma função social a cumprir?

7. Tudo isso explica por que, de norte a sul, o Poder Judiciário, sem cogitar sequer dessa suposta perempção, vem aplicando tranquilamente os dispositivos supostamente peremptos do Código Civil.

E chegamos aqui ao fim da argumentação. Se até o Judiciário, na sua majestosa imparcialidade, considera válidos aqueles artigos, quem, no Brasil, tem poderes suficientes para os proclamar peremptos? Essa perempção pode se tornar efetiva pelo mero fato de ser ela proclamada segundo o bel-prazer despótico de uma meia dúzia de particulares, panegiristas das invasões? Então o Brasil teria afundado no caos...

8. Todas essas considerações fazem ver quanto é fácil para o Poder Público resolver o problema da agitação agrária. Não é, porém, reclamando aos berros que o Poder Público tolha à TFP a liberdade de palavra – a qual nem aos comunistas se nega neste País de abertura – que os agro-agitadores devem procurar, para apontá-los ao governo, os caminhos da solução.

No dia em que uma entidade como a TFP, legal e ordeira em tudo quanto faz (do que temos mais de 4.000 certificados de delegados de polícia, prefeitos e outras autoridades municipais), já não pudesse usar de sua liberdade para defender no Brasil a civilização cristã contra o socialismo e o comunismo (dos quais a reforma agrária é uma reivindicação ostensiva, e as invasões um sinuoso e censurável método de alcançar êxitos), a abertura teria deixado de ser. E uma ditadura ideológica vermelha teria começado a instalar-se entre nós...


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