Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

 

27 de fevereiro de 1985  Bookmark and Share

Até isto sucedeu

Na velha Faculdade de Direito do largo São Francisco, em que me diplomei, era moda entre os professores dizer-se eclético. Face aos grandes temas, dava nota de elegante atualidade o mestre que, depois de enumerar as múltiplas correntes de juristas divergentes, acabava também por discrepar de umas e de outras colhendo, em espírito conciliador, elementos nestas ou naquelas, para compor sua posição própria. "Somos ecléticos" – explicava faceiramente o mestre, certo de despertar com isso a benquerença dos alunos mais "no vento".

Entre tais alunos, positivamente jamais estive eu, sempre avesso às soluções cômodas mas incongruentes, contraproducentes ou, por rara exceção, simplesmente anódinas.

Revendo todos os lances desse insucesso do ecletismo otimista – face aos quais fui chamado a tomar atitude ao longo de minha vida – posso dar de mim este testemunho: eclético, jamais o fui, em nenhuma ocasião, de nenhum modo e sob nenhum ponto de vista.

Lembro-o para explicar a surpresa com que, nestes últimos dias, me senti eclético diante de um noticiário publicado pela "Folha de S. Paulo" (17.2.85) sobre divergência entre o organismo de cúpula da CNBB, e altos prelados como o cardeal-arcebispo de São Paulo, d. Paulo Evaristo Arns, d. Karl Joseph Romer, bispo auxiliar do Rio de Janeiro e outros, acerca da eventual convocação de uma Constituinte.

Tal convocação, a CNBB, em nota comunicada oficialmente ao Sr. Tancredo Neves, presidente eleito da República, proclama desejá-la para já. Pelo contrário, o Purpurado de São Paulo apontou nessa convocação um inconveniente grave: ela absorveria nos problemas políticos a atenção geral, adiando a solução dos problemas socioeconômicos, mais urgentes. Assim, tal Constituinte deveria ficar para depois da implantação das reformas socioeconômicas. Reformas que se forem precedidas, segundo os estilos democráticos essenciais ao regime, de longos e acurados debates de opinião pública, para em seguida passarem pela tramitação burocraticamente lenta das Câmaras, e chegarem por fim à sua implantação em todo o País, acabariam por afundar nas névoas de um futuro indefinido, a convocação da Constituinte que a CNBB tão açodamente quer.

Ademais, outro ponto de desacordo emerge. A nota da CNBB fala da aplicação de todo um sistema de votação em que os organismos de quente expressão social haveriam de interferir largamente no pleito eleitoral, disputando faixa política com os partidos. A CNBB parece não ponderar que isto também retarda e portanto adia não pouco a convocação da Constituinte, que ela tanto deseja.

Neste ponto, o Purpurado de São Paulo parece mais coerente. Pois, desejoso também ele da interferência eleitoral dos organismos não partidários, não lhe preocupa entretanto o adiamento da Constituinte, que daí decorre.

Diante de tudo isto, pela primeira vez em minha vida senti-me eclético. E eis-me a cogitar, então, como meus mestres de antanho, de uma solução... intermediária!

Para debater com a autenticidade democrática, que é a alma do regime, temas da magnitude pinacular como as ditas reformas, proponho uma terceira solução.

A participação direta dos corpos sociais na pugna eleitoral – patronais, operários, culturais e outros – ao lado dos partidos políticos, e quiçá com maior força de impacto do que a destes, me parece sumamente simpática.

Depois de um largo, cortês e aprofundado debate sobre essas reformas, por que não haveriam de elaborar as Câmaras (renovadas ou não, pouco importaria) uns dois ou três projetos diferentes sobre cada reforma? Esses projetos haveriam de representar as tendências mais características que se manifestassem nos debates. E entre eles optaria o corpo eleitoral convocado para uma amplíssima consulta plebiscitaria.

Isto simplificaria tudo e, em rigor de lógica, deveria contentar principalmente os mais radicais democratas. Pois pode haver uma solução mais democrática do que essa?

Mas tal contentaria também os mais lúcidos dentre os que se oponham a essas reformas. Pois devem saber que, em nosso querido País, o socialismo e o comunismo têm seus mais fervorosos adeptos, não na massa, porém nos clubes confortáveis de "sapos", nas sacristias dos teólogos da libertação à frei Boff, e nos pequenos cenáculos universitários e jornalísticos ávidos de esquerdismo.

Contentar assim os extremos, a partir de uma posição eclética, que coisa singular em meu extenso curriculum.

O caos contemporâneo é tão completo que até isto sucedeu.


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