Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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31 de maio de 1983 Rombo no quartinho Superpostas umas às outras, guardo no espírito duas impressões absolutamente recentes... e o mais possível diversas. Sem embargo, uma delas, profundamente interessante, nada tem de agradável. Pois torna presente a asfixia ideológica, a saturação nervosa e a instabilidade crônica – aliás muito mais psicológica e moral do que sócio-econômica – de nossos grandes centros. Em termos mais concretos, a de São Paulo nos dias psicopoluídos em que se deram os assaltos de "famintos" a joalherias, a lojas de artigos "elegantes" de médio ou pequeno nível, a casas de material fotográfico etc... e até mesmo a uns poucos estabelecimentos comerciais de víveres. Essa impressão que, como os doze milhões de paulistanos, senti ao vivo durante as jornadas tragi-apalhaçadas dos dias 4 a 8 de abril p.p. reviveu no meu espírito quando, dias atrás, presenciei, no auditório da TFP, a projeção de slides, os quais retratavam alguns lances de guerra psicológica revolucionária mais característicos, que naqueles torvelinhos se podiam discernir. Essa impressão não se desprende apenas da relembrança daqueles acontecimentos tão artificiais e ao mesmo tempo tão perigosos. Sinto algo de parecido quando leio certas tiradas demagógicas (de nível literário uma ou outra vez bastante potável) em que personalidades da esquerda civil do País, ou da esquerda da Igreja, discorrem sobre nossa crise sócio-econômica. É como se eu estivesse num quarto pequeno, obscuro, malcheiroso, sem ventilação e incessantemente percorrido, nas mais variadas direções, por cargas elétricas. O perpétuo parlapatear sobre as carências nas grandes cidades, o desemprego, a apregoada ilusão de que dividindo entre todos uma riqueza – que a própria parlapatagem proclama não bastar para todos – resolveria tudo, os eflúvios incessantes de ódio social que assim se intentam descarregar na população, é esta a realidade que só consigo descrever adequadamente através da metáfora do quartinho malcheiroso. Quantas vezes me tem vindo aos lábios a exclamação aflita e indignada: mas, afinal, o Brasil não se reduz a esta penca de problemas insolúveis, inextricavelmente emaranhados uns nos outros! Onde estão os poderes públicos que não desfazem esta impressão, dando-nos um quadro global do Brasil, o qual contenha a descrição séria e documentada de nossas misérias urbanas e rurais, mas também o quadro complementar indispensável, de nossas inesgotáveis possibilidades? Um quadro que também trace a linha simples e elementar, mediante a qual nossas necessidades sejam atendidas plenamente com a exploração de nossas próprias potencialidades? Desemprego? – É óbvio que existe. Mas em termos. Nas casas particulares, por exemplo, continuam incontáveis possibilidades de trabalho para choferes, cozinheiras, arrumadeiras e lavadeiras, que não se apresentam. Por quê? Mais, incomparavelmente mais do que isso, temos todo o hinterland para explorar. Por que os poderes públicos não encaminham para ele, já, já e já, os famintos mais ou menos autênticos e, além desses, todo o potencial de trabalho que a estagnação industrial ameaça deixar disponíveis... ou que a agricultura, flagelada pela péssima política do governo, poderia aproveitar melhor em outras zonas? Em lugar de resolver assim as coisas amigável e brasileiramente, eis que as esquerdas eclesiástica e civil (até que ponto continua hoje efetiva essa distinção?) continuam a vociferar em favor de medidas legislativas que dividam as carências em lugar de multiplicar a abundância. No marasmo geral, senti pois algo de novo e de vivificante quando li na "Folha de S. Paulo", de 8 de abril p. p., a seção livre publicada pela Associação dos Empresários da Amazônia, na qual, dirigindo-se ao governo federal, aos governos estaduais e ao povo brasileiro, o Sr. Geremia Lunardelli, presidente da entidade, declarava que "uma nação com a extensão territorial do Brasil grande parte da qual ainda inexplorada economicamente, não pode sofrer crises de alimentos ou desemprego". E propunha "como solução imediata, a ampliação das oportunidades de trabalho nessas regiões (inexploradas), a interiorização da mão-de-obra, como forma de promover a integração do desenvolvimento nacional e evitar a concentração de trabalhadores nos grandes centros urbanos”. O comunicado da Associação dos Empresários da Amazônia acrescentava que milhares de projetos agro-industriais, agropecuários e de colonização estão atualmente implantados na região, "necessitando permanentemente de novos contingentes de mão-de-obra" e concluía: a Amazônia "oferece não apenas empregos, mas amplos espaços a serem ocupados por pequenos e médios produtores, com a certeza de riqueza e de progresso. Para o trabalhador e para o País”. Tão rotunda declaração era como se alguém abrisse um rombo no quartinho asfixiante, malcheiroso e frenetizante, em que simbolizei a atmosfera de debates sócio-políticos do momento, e aí penetrassem a luz e o ar despoluído da Amazônia! Eis, afinal – pensei – algo que se parece com o tão desejável traço-de-união entre nossas carências e nossas possibilidades. Inquiri um pouco e me caíram nas mãos dados abundantes, claros, transbordantes, em um exemplar da revista "Legenda" (n. 38, de janeiro/março de 1983) que dedica onze páginas para tratar desse grande tema. A matéria vem encerrada com declarações lúcidas, sérias e corajosas (pois hoje é preciso ter não pouca coragem para se ser lúcido e sério em matéria sócio-econômica) do mesmo Sr. Lunardelli, signatário do comunicado arejante. Mais ainda. Verifiquei que essa matéria, concernente à Amazônia Ocidental e Mato Grosso do Sul, fora precedida, na mesma revista, por outra sobre a Amazônia Oriental. Vou procurá-la, para me arejar ainda mais. O que fazer além disto? Obviamente dar conta disto aos leitores da "Folha de S. Paulo". Não, porém, sem um pequeno resmungo. Quanto poderia fazer a Associação para estancar a demagogia se mobilizasse a TV e a Imprensa para levar ao conhecimento de todo o País quanto publica em "Legenda"! Bem entendido, isso não resolveria tudo. O próprio Sr. Lunardelli acentua, com muito bom senso, que a crise brasileira tem aspectos morais – e implicitamente religiosos, acrescento – que não se resolvem no mero setor econômico. Mas as esquerdas ideológicas não se cansam de repetir generalidades econômicas tendenciosas. Por que não lhes tirar das mãos, por uma divulgação adequada, esse predileto instrumento de subversão? Meu resmungo redunda, pois, em um cordial convite: contem os empresários da Amazônia a todo Brasil quanto fazem, para que a Nação readquira confiança em si mesma. E também para que a ressonância disto no Exterior faça cessar a vergonhosa e caluniosa imagem de que nosso País é uma montoeira de miseráveis que vegetam à beira de recursos inexplorados, sob o mando de alguns plutocratas despóticos e preguiçosos. Imagem essa contra a qual os escritórios de representação das TFPs reagem nos principais países do Ocidente, até onde chega sua ação. |