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Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias |
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Cuidado com os pacatos! Das últimas eleições emergiu o seguinte resultado: em três dos Estados mais importantes do Brasil – São Paulo, Rio e Minas – a esquerda venceu. Além do mais, alcançou ela expressivos progressos em diversos outros Estados. É bem exatamente o contrário do que, para o bem da civilização cristã e do Brasil, eu desejara. Desdenho o procedimento do avestruz que, quando se aproxima o inimigo, mete a cabeça num monte de areia. Deixo pois de lado aspectos importantes das últimas eleições, como o deslocamento – a meu ver certo – entre o resultado eleitoral obtido e as aspirações da grande maioria do Brasil autêntico. Ou então o papel preponderante do esquerdismo da imprensa (4º Poder) e das sacristias (5º Poder) no fabrico desse resultado eleitoral. Ou, por fim, o papel muito singular dos pruridos esquerdistas nos bairros ricos, e das tendências conservadoras nos bairros pobres. Pois o fato palpável, certo, indiscutível, sobre o qual mais diretamente incide nossa atenção, é esse inegável progresso da esquerda. Impõe ele duas perguntas elementares, às quais quero responder frontalmente: para onde o progresso da esquerda conduzirá o Brasil? Em face dele, no que consiste o meu dever, e o de tantos que como eu pensam? Ambas as perguntas comportariam explanações sem fim. Contento-me, pois, em destacar delas um ponto em torno do qual, a meu ver, tudo gira. É ele de índole muito mais temperamental do que ideológica, como, aliás, corresponde ao feitio de nosso povo. Incontáveis são os brasileiros a quem se persuadiu de que a repressão anticomunista de há muito já "limpou o terreno" entre nós, dos poucos subversivos que restam. Qualquer repressão anticomunista se tornou assim supérflua e inoportuna. Ora, essas quimeras, essa mesma maioria sentiu delícias em deixar-se persuadir delas. Pois o brasileiro é cordato, e só gosta de assistir discussões e brigas quando não são "para valer" mesmo. Aí elas o encantam. É a hora da torcida, do "fuxico", da "fofoca", etc. "Esquerdismo" significava, para a grande maioria, democracia, oportunidade para falar ou ouvir arengas bonitas, ou então para participar das "fofocas", dos "fuxicos" e da politicagem. Colocados na opção entre a carranca, a repressão e a luta, de um lado, a literatura, o "fuxico" e a "fofoca" do outro, grande número de brasileiros preferiu as distensivas diversões do livre jogo político. E por aí vai levando o Brasil. * * * O que nos ensina isto? – Que o êxito da esquerda só tem possibilidade de ser durável na medida em que ela o saiba compreender. E, analogamente, o centro e a direita só continuarão a representar um papel marcante na vida brasileira se souberem adaptar-se a tal. Quero ser ainda mais concreto. Se a esquerda for açodada na efetivação das reivindicações "populares" e niveladoras com que subiu ao poder; - se se mostrar abespinhada e ácida ao receber as críticas da oposição; - se for persecutória através do mesquinho casuísmo legislativo, da picuinha administrativa ou da devastação policialesca dos adversários, o Brasil se sentirá frustrado na sua apetência de um regime "bon enfant" de uma vida distendida e despreocupada. Num primeiro momento, distanciar-se-á então da esquerda. Depois ficará ressentido. E, por fim, furioso. A esquerda terá perdido a partida da popularidade. Em outros termos, se os esquerdistas, ora tão influentes no Estado (Poderes 1, 2 e 3), na Publicidade (Poder 4) e na estrutura da Igreja (Poder 5), não compreenderem a presente avidez de distensão do povo brasileiro, deixarão de atrair e afundarão no isolamento. Falarão para multidões silenciosas no começo, e pouco depois agastadas. * * * A História dá inúmeros exemplos de regimes que não se mantiveram porque não souberam entender coisas destas. Soube compreendê-las, por exemplo Luís XVIII o monarca criptoesquerdista, voltairiano e ladino. Por isto morreu tranqüilamente no trono da França em 1824. Sucedeu-lhe Carlos X, seu irmão cavalheiresco, distinto e gentil como um raio de sol, deleitável no trato como um favo de mel. Mas ele era um bom direitista, ao qual faltava (como isto é freqüente entre direitistas....) qualquer sutileza política. Pôs-se ele a governar contra a esquerda com um afinco e uma precipitação que pôs aos berros o setor visado. A bem-amada modorra se foi rarefazendo. A maioria abandonou Carlos X que caiu no vácuo. Substituiu-o – grande "virtuose" em operar distensões – Luís Felipe, o rei burguês, o "rei-guarda-chuva", o qual ficou no trono até que, cansada por fim de pacatez, em 1848 a França o atirou ao chão. * * * O Brasil de hoje quer absolutamente pacatez. Se a esquerda vitoriosa não souber oferecê-la, esvanecer-se-á. Se o centro e a direita não souberem conduzir sua luta num clima de pacatez, terá chegado a vez deles se esvanecerem. Bem concebo que algum leitor exasperado me pergunte: mas, afinal, quem ganha com essa pacatez? – Até aqui não tratei disto. Mostrei que perderá quem não souber ter. Quem ganhará: a direita? o centro? a esquerda? – Quem conhecer as verdadeiras fibras da alma brasileira e souber entrar em diálogo pacato com essas fibras. Seja governo, seja oposição, pouco importa. A influência será de quem saiba fazer isto. Insisto. Se o governo, a Publicidade, a estrutura eclesiástica não souberem manter-se no clima de pacatez, e passarem para a violência física, legal ou publicitária contra a oposição, os pacatos lhes dirão: mas, afinal, qual é a sinceridade, qual a dignidade de vocês, que quando eram oposicionistas reclamavam para si liberdade e respeito, e agora que são governo usam da perseguição e da difamação para quem é hoje oposição? E se os pacatos notarem acrimônia nos de centro e de direita, dir-lhes-ão: está bem provado que é impossível conviver com vocês, porque, nem vencidos, sabem ser de um trato distensivo. E cuidado com os pacatos que se indignam, senhores da esquerda, do centro e da direita. A hora não é para carrancas, mas para as discussões arejadas, polidas, lógicas e inteligentes. Os pacatos toleram tudo, exceto que se lhes perturbe a pacatez. Pois então facilmente se fazem ferozes... |