Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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31 de outubro de 1981 Reforma agrária e guerra psicológica Se – por infortúnio – eu fosse favorável à uma reforma agrária radical, teria pedido ao ministro Abi Ackel bem exatamente o projeto de lei de usucapião rural que, por proposta dele, o presidente Aureliano Chaves acaba de enviar ao Congresso Nacional. Eu teria feito anteceder o projeto com uma mensagem exatamente idêntica à que o precede. E teria pedido aos meios de publicidade do País que fizessem em torno do projeto precisamente o tipo de publicidade que a maior parte deles vem desdobrando em coro. Digo, assim, que o conjunto mensagem-projeto-publicidade constitui uma pequena obra prima de política. Não emprego esta última palavra em seu sentido rampeiro, que é tantas vezes o corrente. Emprego-a, isto sim, no seu sentido mais fino e sutil. É o da política nas mentalidades e nos ambientes, mais do que diretamente nos fatos. A política que manuseia os acontecimentos, para fazer ou desfazer estados de espírito e posições ideológicas, abrir ou fechar veredas, na opinião pública, às grandes transformações nacionais. A política, enfim, que não se preocupa senão em terceira plana com problemas eleitoreiros deste ou daquele indivíduo ou clã. Neste campo se desenrolam os mil maquiavelismos da guerra psicológica. Esta, conduzem-na bem os que tendem para o achatamento de todas as classes sociais e a implantação de uma ordem igualitária integral. E mal, os que querem o contrário. Um dos maquiavelismos da guerra psicológica consiste em que seus verdadeiros dirigentes quase nunca aparecem. E os responsáveis ostensivos por ela sejam não raras vezes inocentes úteis, propensos a atentar apenas para os efeitos imediatos das coisas. Pode-se lhes aplicar a metáfora, inegavelmente espirituosa, lançada pelo movimento da Sorbonne de 1968: quando uma mão lhes mostra a luz, fixam a atenção no dedo. * * * Em que sentido o projeto de usucapião rural foi uma operação de guerra psicológica igualitária? Já antes de 1964 se vinha arrastando no País uma cantilena sobre a necessidade de uma reforma agrária supostamente exigida por populações famintas que "já não aguentavam mais". "Preparai vossas mortalhas, senhores barões da terra", cantava Vinícius de Morais. Os ambientes políticos se mostravam imersos no embaraço, marasmo e confusão. A maior parte das cúpulas rurais os imitavam. A manipulação psicológica estava bem feita para que as esquerdas empurrassem o País, de um momento para outro, pela ladeira da tão almejada reforma. De um modo ou doutro, sobreveio o tufão salvífico das "Marchas da Família", e dentro do marasmo cintilou como uma faísca o livro "Reforma Agrária – Questão de Consciência". A guerra psicológica parou. O drama agro-reformista, que começara a encenar-se, se desfez. Os profetas do cataclismo agrário emudeceram. E suas ameaças se evaporaram. * * * De algum tempo para cá, o coro dos pregoeiros de ameaças começou a repetir os mesmos "slogans", os mesmos exageros e as mesmas pressões da era janguista. Desta vez, apoia a Reforma Agrária um dispositivo episcopal ainda mais compacto. E uma publicidade muito mais ampla e bem treinada. O marasmo invadiu novamente a classe rural. Está tudo pronto para recomeçar. Mas com cuidado. Uma primeira tentativa de ação deu num recente fiasco. No Nordeste, a seca ensejou cenas de violência que poderiam resultar numa explosão. Mas choveu, e a pólvora molhou. O bom povo brasileiro já não simpatizara com a violência, endeusada entretanto pela publicidade. O fiasco ocasionado pelas chuvas tornou-a suspeita – pelo menos – de inautenticidade. Nosso povo lúcido, desconfiou. O show-primeiro pifou. Deixou-se passar algum tempo, e veio a onda dos quebra-quebras e das ocupações. Os que tomam a publicidade como reflexo certo da opinião pública julgaram que o mundo vinha abaixo, a pontapés de eclesiásticos e a golpes de hissope. A tensão entre o episcopado (inconformado) e o governo (defensor da legalidade) chegava ao auge. Subitamente, tudo parou sem se saber como nem por quê. O bom povo continuava a viver e a trabalhar normalmente, sem se meter nas ocupações (evidentemente organizadas), e indiferente aos comícios clérico-comunistas a propósito da alta do custo de vida. Um dado, porém, se transformou. A "esquerda-católica" entrou dentro da ordem legal como uma espada entra na bainha. E neste hiato inesperado o governo toma nas mãos o estandarte da reforma agrária da CNBB e o faz avançar. Felizarda reforma agrária. Fracassados pelos idos de 60 os que brandiam a lei da força, foram lançados à ação, nos últimos anos, os que alegam a lei de Deus. Porém não lograram sensibilizar a grande massa do País. Mas entram agora na liça, em favor da mesma causa, aqueles a quem toca agir em nome da lei do Estado. Mas quanta cautela! O projeto de lei de usucapião rural é tão-só um teste inicial. Tal projeto é muitíssimo mais grave pelo que faz prenunciar, do que pelo que diz. Sua leitura dá a impressão de que, uma vez aprovado, abrirá caminho para uma onda agrária incontenível. É claro que as pessoas assim ameaçadas por ele gostariam de reagir contra a catástrofe. Ou seja, de momento, contra o projeto do governo. Quem procure fazê-lo, ficará pasmo. Pois, à medida que é analisado, o projeto como que se esfarela. E desse modo, quem procura investir contra ele fica mais frustrado a cada passo que avança. A reação se imobiliza assim. E como a publicidade apresenta o projeto como o começo do fim da atual ordem agrária, fica a massa do País com a impressão de uma derrota da propriedade agrícola. Tudo que os fazendeiros perdem com a prescrição quinquenária os prejudica incalculavelmente menos do que essa impressão de que sua derrota não tem remédio. Enquanto isso, os mentores da CNBB já parecem dar por vencida a atual estrutura agrária, e vão preparando a derrubada da propriedade urbana na reunião de Itaici-82. Espero que do seio da classe agrária brote a oposição que denuncie o que está se jogando. De qualquer forma – como vê o leitor – a lei de usucapião rural constitui uma inegável obra-prima de guerra psicológica agro-reformista. Que, entretanto, um grande rugido de contra-ofensiva da classe rural ainda pode frustrar. Virá esse rugido? É de desejar. A tempo? É de esperar... |