Plinio Corrêa de Oliveira

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

 15 de setembro de 1981 Bookmark and Share

 

Ocupações: o caos

O Brasil vai sendo abalado de ponta a ponta pelas ocupações de imóveis rurais e urbanos. – "De ponta a ponta abalados nossos 8 milhões e meio de quilômetros quadrados? Não haverá exagero nesta afirmação, quando as áreas ocupadas não constituem senão nesgas dentro desta globalidade?" É o que perguntará muito leitor.

Respondo. O poder de destruição de um ato contrário à Lei de Deus e à dos homens se mede muito menos pelo número das vítimas, do que pela elevação do preceito transgredido. E pela gravidade da lesão. Ora, no caso concreto das ocupações, está sendo lesado um dos direitos naturais básicos do homem, o de propriedade. Resulta este da própria ordem natural das coisas. E está definido nos mandamentos da Lei de Deus. Além do mais, asseguram-no as leis temporais vigentes.

Afirmando-o, tenho em vista o fato concreto de que destas ou daquelas terras, ou terrenos, estão sendo despojados os legítimos proprietários. Contudo, tais fatos não têm senão um alcance pessoal local. Mas a lesão do direito de propriedade vai sendo levada muito e muito mais longe pelas ocupações. De modo mais ou menos explícito, o que nelas está afirmado é que a propriedade privada não existe mais. Ou seja, que qualquer um está no direito de proclamar-se carente segundo um critério todo subjetivo e arbitrário. E que, a partir disto, pode livremente deitar a mão no que é dos outros.

* * *

Só para argumentar, aceito aqui, sem as matizações nem os conformes indispensáveis, o princípio de que, quando alguém está carente do necessário, e não tem nenhum remédio ao alcance, pode apropriar-se do alheio.

Igualmente só para argumentar, registro a hipótese, flagrantemente contraditória com a realidade, de que neste País com cerca de 60% de terras incultas, e pertencentes ao poder público, o único meio para um brasileiro encontrar espaço, de moradia ou de trabalho consiste em se aboletar na terra dos outros, em vez de fazer o que se fez no mundo desde o início. Isto é, os braços que sobram vão aproveitar as terras que também sobram. Ai do Brasil, se Portugal não tivesse feito assim! E o excesso de braços do Portugal do século 16 ao século 20, em lugar de migrar para a América, África e Ásia, tivesse ficado no próprio país, a dividir e subdividir infinitamente minifúndios. Todo Portugal seria hoje uma imensa e miserável favela!

Retruco a quem me objete que as terras devolutas de nada servem ao trabalhador urbano ou rural que more longe delas: se ele está descontente da megalópoles onde trabalha demais e ganha de menos, e se o salário do trabalhador rural parece-lhe insuficiente, assiste-lhe o direito de requerer do poder público, transporte, financiamento inicial, instrumentos de trabalho e terra, na qual viva do que produzir com as próprias mãos. Se com isto padecerem as indústrias, pior será para o patrão remisso. O êxodo dos carentes seria a mais monumental das greves...

É bem verdade que, para efetivar tal solução, seria necessária a montagem de todo um sistema de aproveitamento de terras, muito incompletamente em vigor. Na realidade, o tema deveria ter ocupado lugar principal nos debates dos partidos políticos, nos órgãos de comunicação social. Porém, não foi o que aconteceu. Se se tivesse feito em favor de um largo povoamento de nosso "hinterland" pelos trabalhadores rurais e urbanos carentes tudo quanto se fez para discutir a questão, aliás importante, da libertação de criminosos políticos e do retorno dos exilados, a atual crise seria bem mais branda, e estaria em vias de solução.

Aliás, sabe-se que há miséria nas favelas. Mas também se sabe que nem todo favelado é um indigente; pelo contrário, vários dentre eles possuem rádio, televisão, geladeira, e acontece que, por vezes, até automóvel. Em que medida o simples fato de alguém ser favelado prova que ele é carente, e que tem o direito de se meter no imóvel do outro?

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A problemática poder-se-ia estender a perder de vista, para fora do espaço deste artigo.

Um ponto é certo. É que dessa carência não se pode deduzir, no caso concreto, a norma de que qualquer pessoa pode ser juiz em própria causa, proclamar-se carente e instalar-se no alheio.

Se admitíssemos essa norma, chegaríamos diretamente ao absurdo. Com efeito, por que o carente tem direito só à terra ou ao terreno? em virtude do mesmo "direito" não poderia ele arrancar a joia da senhora que passa pela rua para vendê-la, tirar a carteira do esposo que a acompanha, "ocupar" o automóvel que deixaram encostado junto à calçada, entrar numa loja qualquer e "ocupar-lhe" a mercadoria, para consumi-la ou, ainda uma vez, para vendê-la? Por que só em matéria de imóveis a ocupação toma ares de proeza, e em matéria de riquezas de outro gênero a ocupação é... "ocupação"?

Nesta perspectiva, por que prender um trombadinha? Não pode também ele alegar que é um carente?

Por aí bem vê o leitor a que caos, a que pandemônio está sendo levado o Brasil. Levado por quem?

Simpatizo de toda a alma com os carentes autênticos. Sei que de nenhum modo podem ser equiparados, por um moralista, aos trombadinhas e congêneres. Compadeço-me da situação deles. E pleiteio em favor deles uma ampla distribuição de terras, às custas do maior latifundiário do País, que é o poder público (União, Estado, Municípios).

Simplesmente não concordo em que a situação deles seja resolvida pela aplicação de um princípio falso que levaria o Brasil e a eles ao pandemônio e ao caos. Lançar o Brasil no caos só pode prejudicar a solução que proponho, a qual, pelo contrário, requer ordem.

* * *

A quem culpo, então, se não o faço aos ocupantes?

A grande responsável pelo fato, isto é, a esquerda dita católica, pilotada, no caso, por aquele de quem é, há cerca de quarenta anos, a grande, fácil e constante companheira de viagem.

Disto dou testemunho. Minha luta contra a infiltração esquerdista na Igreja começou em 1943, quando, na qualidade de presidente da Junta Arquidiocesana da Ação Católica, publiquei o livro "Em Defesa da Ação Católica". Eu o escrevera expressamente para alertar os meios religiosos do País contra o mal que começava a medrar.

De então para cá, minha ação pública tem sido um longo abrir de olhos de todos, ao perigo. Livros de enormes tiragens foram lidos com interesse. Mas se "deixa tudo estar, para ver como é que fica".

E o resultado é este. A esquerda dita católica está liderando as ocupações, seguida pela formiguinha venenosa que é o PC do B.


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