Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

20 de julho de 1981  Bookmark and Share

 

Começa a rajada

No comunicado que se seguiu à reunião plenária de Itaici, em 1980, a CNBB lançou o documento "Igreja e problemas da terra" (IPT), verdadeiro manifesto agro-reformista, o qual ecoou como um ribombo publicitário em todo o País. O documento fazia notória sua má disposição para com as propriedades de tamanho médio ou grande. E proclamava sua veemente opção em favor da pequena propriedade, isto é, da que pode ser integralmente aproveitada pelo trabalho de uma só família sem a cooperação de qualquer assalariado. Indo além, o IPT anunciava para 1981 outro documento da CNBB reivindicando uma reforma urbana, a qual seria a aplicação dos princípios fundiários agro-reformistas – por analogia – ao solo urbano. Para data posterior entrevia-se que ficava uma reforma – também análoga – das empresas industriais e comerciais, a qual figuras altamente representativas da CNBB não têm deixado de preconizar.

Em fevereiro de 1981, a CNBB realizou nova reunião geral. Mas, ao contrário do que era de temer, a entidade, tão buliçosamente reformista no ano anterior, pareceu haver esquecido desta vez o programa agressivo que há um ano tanto estrondo provocara. No comunicado final de Itaici-81, o grande tema abordado foi o das vocações sacerdotais.

Nada mais próprio do que este último tema, para uma reunião de tão alto órgão eclesiástico. Contudo, sendo de notoriedade pública que os Srs. bispos agro-reformistas continuam exatamente nas mesmas posições doutrinárias de 1980, é impossível não sentir algum desconcerto à vista de que em 1981 tenham julgado sem importância nem urgência a cascata de reformas, a qual haviam proclamado indispensável e urgente doze meses atrás.

Como explicar essa contradição? Que poder, que circunstância, que acontecimento sobreveio, bastante forte para determinar, de um ano para outro, tal diversificação de rumos? Não sei. O fato é que, nos meios católicos, a tríplice reforma caiu em seguida numa surpreendente modorra.

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Entrementes, vinha eu elaborando, no silêncio de meu gabinete, o livro "Sou católico: posso ser contra a Reforma Agrária?". Pensado e escrito nas minhas parcas horas de lazer, ao longo de vários meses de reflexão e de estudo, o trabalho se destinou a reivindicar, em face do IPT, meu direito de católico e de brasileiro, de me opor à Reforma Agrária. Não só meu direito, mas o de todos os intelectuais católicos analogamente discordes com o IPT. Mais ainda. Ou seja, o direito de todos os proprietários rurais ou urbanos, grandes ou médios, de (para o seu bem e o do País) conservarem – tanto quanto os pequenos – na santa paz de suas consciências, suas legítimas propriedades. Paralelamente comigo, trabalhava na confecção de uma análise econômica do IPT, para ser publicada no mesmo livro, meu jovem e brilhante amigo, economista Carlos Patrício del Campo.

Ao contrário do que esperávamos de início, a elaboração de nossos estudos foi longa e complexa. Planejado para antes de Itaici-81, só saiu ele a lume em princípios de março de 1981 (Editora Vera Cruz, São Paulo, 358 pp.).

Quando deitamos mão à faina, supúnhamos que muito naturalmente o livro levantasse – quando publicado – celeuma proporcionada ao categórico de sua argumentação e de suas teses, bem como, e principalmente, à amplitude de sua difusão. Insisto quanto à difusão, pois infelizmente ela desempenha, em nossos dias, um papel mais acentuado na história do livro, do que o mérito deste.

Ora, nesses quatro meses de vida, "Sou Católico" vem tendo de Norte a Sul do País difusão digna de nota. Graças ao zelo desinteressado e admirável dos jovens cooperadores da TFP – honro-me em notar, de passagem, que foi na qualidade de presidente do Conselho Nacional da entidade que escrevi meu trabalho – está para se esgotar a segunda edição de "Sou Católico", totalizando 21 mil exemplares. Em se tratando de obra de caráter doutrinário e técnico, e nas condições do mercado brasileiro de livros, o resultado é incomum.

E – aqui entra o ponto – não houve nos arraiais dos agro-reformistas católicos quem lhe opusesse qualquer réplica. Assim, se escoaram placidamente março, abril, maio e junho. Julho já vai alto. E até agora nada.

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Entretanto, nestes últimos trinta dias (isto é, cinco meses depois de Itaici-81 e quatro meses depois do "Sou Católico"), vem se fazendo ouvir uma rajada de declarações reformistas de procedência episcopal. Tomou a dianteira, falando no Rio Grande do Sul, o Sr. D. Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Araguaia. Começou ele por uma áspera censura à própria Igreja: se esta, "nos seus vinte séculos, seguisse o programa das bem-aventuranças, teríamos uma sociedade socializada (...). O ideal cristão equivale ao ideal do socialismo" . Pouco adiante, o prelado foi ainda mais claro quanto a seus pendores e simpatias: "Não canonizo o socialismo soviético ou cubano, mas existem aspectos positivos: Cuba deu lições de saúde e educação para todo seu povo (...). O socialismo da Nicarágua é um bom caminho". E, por fim, depois de contestar que o socialismo seja causador da insuficiência das safras na Rússia, o desinibido prelado afirma: "Nos países socialistas o povo sobrevive melhor e a fome é menor lá do que nos países capitalistas" ("Jornal do Brasil", 17/6/81). O que é propriamente piramidal.

A este disparo publicitário se seguiram outros. O que no próximo artigo veremos.


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