Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

15 de junho de 1981  Bookmark and Share

 

A Rosa e o punho

Não tenciono tratar hoje do socialismo "in genere". Nem provar que, em concreto, o socialismo de Mitterrand é o da Internacional Socialista, materialista e igualitário em sua substância filosófica, como também nas "reformas" sócio-econômicas que promove. Nem vou demonstrar que o socialismo é, por isto mesmo, adverso a tudo quanto as rosas simbolizam. De onde, o socialismo de rosa em punho, de Mitterrand, só se exprimir autenticamente pelo punho, e não pela rosa. Dia virá em que o punho esmagará a rosa.

Meu tema é outro.

* * *

A comparação entre os resultados do 1º e 2º turno da eleição presidencial francesa demonstra que a votação de centro e de direita, com que normalmente deveria contar Giscard, baixou de 1,04%. Ao passo que a votação que se concentrou em Mitterrand, no 2º turno, subiu de 4,96%. O que torna evidente terem votado a favor do candidato das esquerdas muitos eleitores, entretanto não socialistas nem comunistas.

Mas a defecção da direita e do centro não ficou apenas nisto. Toda a campanha eleitoral feita por uma e outro foi desinteressada, sem o "entrain" (empuxe, n.d.c.), sem a "force de frappe" (força de impacto, n.d.c.) indispensáveis para arrastar as multidões. O que do lado social-comunista não faltou. A todos os que se abstiveram, a todos os que foram moles, a todos os trânsfugas, cabe a minha pergunta. Como puderam proceder assim? Num dos povos mais lúcidos e civilizados da Terra, esses eleitores anti-esquerdistas não perceberam o desatinado de sua conduta?

Prossigo. Há cerca de vinte anos, todo centrista, todo direitista que se prezasse, julgaria trair sua causa sufragando um candidato que fosse apresentado pelo Partido Socialista. Máxime se este se apresentasse em escandalosa coalizão com o Partido Comunista. Em 1981, em muitos centristas e direitistas de diversas idades, esse sentimento de pundonor não agiu. E com uma tranquilidade por vezes indolente, e por vezes até sorridente, votaram em Mitterrand. Mais uma vez pergunto: como pôde isto acontecer?

Por fim, uma terceira pergunta. No mundo de hoje nada há de estável. "Definitivo" é uma palavra que parece não corresponder a mais nada, na realidade concreta dos fatos. O pouco que ainda está de pé pode cair a qualquer momento. Mas há homens que, sem negar a evidência disto, afirmam ser definitiva a conquista do terreno pelo socialismo. E por isto, em lugar de fazerem uso das franquias políticas para se organizarem desde já numa oposição ordeira mas briosa, inarredável e fecunda, de modo a deter seu país na rampa do socialismo (que eles mesmos afirmam resvaladia) rumo ao comunismo (que afirmam mortal), não fazem nada disto. Pelo contrário, correm em direção ao socialismo, para estender-lhe a mão e colaborar com ele. Pretexto: a vitória socialista é um fato consumado. Como se hoje houvesse fatos consumados.

O socialismo vai aceitando essas mãos que se lhe estendem do centro e da direita. De outro lado, esse mesmo socialismo vive – ora mais às claras, ora menos – de mãos dadas com o comunismo.

Essa faixa específica de eleitores do centro e da direita, que analiso, sabe que, quando dois inimigos aceitam ser abraçados ao mesmo tempo por um "tertius", implicitamente eles se reconciliam. Nesta convergência de tais centristas e de direitistas com o socialismo, há, implícito, um fato ainda mais desconcertante: é a reconciliação deles com o comunismo. Fato tão desconcertante que, na maior parte, eles não ousam confessá-lo nem aos seus próximos, nem a si mesmos. Para desculpar-se, cada grupelho, cada corpúsculo, cada laivo dentro dessa faixa, alega alguma razãozinha: uma pequena velhacaria de quarteirão, um ressentimentozinho de clã ideológico ou econômico, algum rancorzinho sectário. Cada qual usa, para encobrir-se, seu pequeno pretexto, seu minguado véu. Mas eles não se dão conta de que esses véus a ninguém de bom senso iludem, na França nem no mundo. Pergunto: por que se velam? Por que se escondem até de si mesmos? Imaginam esconder-se do olhar desconcertado de seus antigos companheiros de pensamento e de ação? Do olhar da História? Do olhar supremo de Deus?

Todas essas perguntas não concernem apenas às eleições presidenciais na França. Elas também dizem respeito às eleições legislativas que estão às portas. A conjunção entre os candidatos do centro e da direita parece frouxa. A propaganda deles parece absolutamente carente de força de impacto. Tem-se a impressão de que, diante do "irreversível" da recente vitória socialista, ainda cresceu o número dos centristas e direitistas que, receosos de qualquer luta, só aspiram hoje a vegetar, e a colaborar com o adversário. O resultado das eleições legislativas confirmará esta apreensão? Não sei. Como me alegraria vê-la desmentida ao final da apuração.

Seja como for, o tema que abordei não é apenas francês. Os vegetativos, os medíocres, os poltrões de todos os centros e de todas as direitas do mundo parecem prontos a seguir a grande moda (o grande escândalo) que seus congêneres franceses acabam de lançar.

Vejo-os que já se vão metamorfoseando, no Brasil, para as grandes capitulações. Eles afrouxam, fazem ares despreocupados, tomam atitudes de quem está posto – parodio aqui o episódio de Dona Inês de Castro – num "engano da alma, ledo e cego" ("Lusíadas", canto 3, estância 120). Do tal "engano da alma", acrescentou logo em seguida Camões, "que a fortuna não deixa durar muito". Mas essa família de almas parece pressagiar que Mitterrand lhe assegurará esse benefício – ao contrário do que sucedeu a Dona Inês – por tempo indefinido.

Tais entreguistas, à espera da clemência do vencedor, já sorriem para o símbolo moderno do Partido Socialista: um punho cerrado em que segura uma rosa. Sem perceberem que, quanto menos se lutar contra o socialismo, tanto mais depressa chegará o dia em que esse punho – inimigo, repito, de todas as rosas – esmagará a débil e graciosa flor.

Lembra-se o leitor da Revolução dos Cravos em Portugal?


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