Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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5 de março de 1980

"Para onde vamos?"

Imprensa, rádio, televisão: cada uma dessas palavras foi, a seu tempo, símbolo de atualização vivaz, de informação rápida e sensacional, de intercomunicação dinâmica. Fator decisivo da vida farfalhante, coruscante, trepidante que, pelo menos até o começo da década de 70, dotava a palavra "modernidade" de um encantamento talismânico sobre as massas. Qualquer ambiente marcado por essa tríplice publicidade exercia todos os atrativos do ar fresco, da vida e da saúde. Pelo contrário, os ambientes onde eles faltassem pareciam sombrios, carregados de mofo e de velhice. E como a imprensa, rádio e a TV se tinham estendido por todo o mundo civilizado, este imaginava ter expulso, para todo o sempre, a penumbra, o mofo e a decrepitude.

Não ingressei na confraria dos entusiastas frenéticos do progresso talismânico. Vivi dentro deste, incompatível por convicção e por temperamento. E nisto, como em outras coisas, diferenciei-me a fundo de tantos, tantíssimos dos meus contemporâneos.

Os vanguardeiros, os "arditi" do progresso me tacharam sempre de medieval, epíteto que, por minha vez, sempre aceitei com ufania. Hoje não posso deixar de sorrir vendo que os mais "arditi" dentre esses "arditi" se voltam nostálgicos para a era pré-neolítica, como modelo para o dia de amanhã...

Enquanto o progresso não desfecha assim na pré-história, vai exalando no mundo uma atmosfera carregada de desgastes, de equívocos e de entrechoques. E na década de 70, a penumbra, o mofo, a velhice alcançam inesperados triunfos. Por exemplo, penetraram inesperadamente... na imprensa, no rádio e na televisão.

Essas constatações, essas reflexões, nas quais me alonguei, vieram-me à mente a propósito da próxima visita de João Paulo II ao Brasil.

Há razões para recear que, mofadas e pouco receptivas para as novidades genuínas e saudáveis – que as há também – as ondas internacionais das agências telegráficas, dos rádios e das televisões deem à visita que o Pontífice fará ao Brasil uma cobertura sensivelmente menor do que a objetividade dos fatos está a exigir. Se João Paulo II fosse a Londres ou a Bruxelas, por exemplo, creio que a zoeira publicitária universal seria muito maior. Estou certo de não desmerecer em nada a essas ilustres cidades afirmando que, se tal se der, será por rotina, ranço e mofo. Pois importantes agências noticiosas ainda não se deram toda a conta desta límpida e fundamental verdade: a América Latina é o mundo do século XXI. Neste sentido, merece toda a atenção a volta do Pontífice a esta parte do Novo Mundo – desta vez para encontrar a nação gigante dessa família de nações. Tenho toda a impressão de que de dentro do velho e glorioso Vaticano, o Pontífice, emerso das névoas de sua opressa, distante, mas sempre querida Polônia, vê mais atualizadamente a imensidade de nossa missão no dia de amanhã, do que tantos órgãos reluzentes de uma ilusória e enfatuada atualidade.

Com efeito, João Paulo II mais uma vez vem de encontro a um bloco humano de trezentos milhões de católicos que, desde o México setentrional até a Patagônia, cobre vinte milhões de quilômetros quadrados, amplamente banhados pelos dois maiores mares da Terra. No México ele foi claramente para dizer o que pensa e o que quer. Parece-me sentir que ele volta à América Latina trazendo no olhar penetrante, mas cheio de curiosidade sorridente e de afagos, uma pergunta fundamental. – Que pergunta?

Com a atenção toda circunscrita às fronteiras brasileiras e, dentro destas, aos problemas econômicos que a hipnotizam, a alta direção da CNBB deu ao próximo Congresso Eucarístico o lema "Eucaristia e migrações". Há todos os motivos para recear que o elemento dinâmico de muitos dos discursos que então se pronunciarem será menos Cristo eucarístico, Sol da Igreja e da Cristandade, do que os temas delirantes e as problemáticas artificiais com que os agitadores deformam aos olhos do público nosso problema migratório. É, por exemplo, o que o cartaz melodramático – e insignificante, como tudo o que é exagerado – da Campanha da Fraternidade faz pressentir: um portal fechado, junto ao qual se encontra um casal, desanimado e abatido, com o filho pequeno praticamente nu estirado ao chão. No alto do portal, a inscrição glacialmente egoística: "Não temos vagas". E, em baixo, a pergunta: "Para onde vais?"

Parece-me que, por rara coincidência, dos lábios do Pontífice brotam, dirigida ao Brasil e, no Brasil, a todas as nações irmãs, as mesmas palavras: "Para onde vais?" Sim, para onde caminha, no caos contemporâneo, a Ibero-América, solicitada pelas influências mais díspares, abalada pelos sismos morais e sociais que percorrem o mundo, mas ao mesmo tempo jubilosa com o desabrochar impetuoso de todas as suas jovens energias naturais?

"Para onde vais?": são as palavras, entre esperançosas e aflitas, que tantos pais fazem aos filhos quando os veem dar por si mesmos os primeiros passos nas vias da adolescência. Palavras familiares, despretensiosas, caseiras, que, neste segundo encontro do sucessor de Pedro com o mundo de amanhã, adquirem um sentido formidável. Poucas vezes, em dois mil anos, um Papa terá feito pergunta tão augusta, tão grandiosa, em emergência tão trágica: para onde vais, século XXI?

Saibamos responder ao Pontífice. Para isso não são necessárias tiradas oratórias, nem mensagens freneticamente teledifundidas. Se cada brasileiro trouxer na alma a sua resposta pessoal a esta pergunta, se cada qual meditar e souber responder para onde vamos, tenho esperanças de que João Paulo II saberá notá-la melhor do que no palrar ambíguo ou vácuo de tantos teólogos, filósofos, sociólogos, economistas... e politiqueiros. Saberá lê-los nos olhos escuros, tão afetivos e cheios de luz, do povo brasileiro.

Mas, afinal, para onde vamos? Cada leitor tem bem exata noção disto?


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