Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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8 de fevereiro de 1980

A "Berceuse" de que Revel não falou

Em número trazendo na capa uma fotografia que se diria surrealista do ditador Tito (ou, antes uma fotografia magnificamente realista, patenteando-lhe todo o sinistro da facies, da fisionomia e da mentalidade), "L’Express", o bem conhecido semanário parisiense, publicou há pouco um artigo de Jean-François Revel intitulado "La fin des berceuses", isto é, "O fim das canções de ninar". A matéria, com elegante precisão bem francesa, se distribui em uma introdução, uma explanação em doze pontos numerados, e a conclusão. Mas o título talvez pudesse ser mais preciso. Pois fala de "berceuses" no plural, e só se ocupa de uma, quando houve pelo menos mais uma, de transcendental importância. Uma e outra não adormeceram, aliás, duas crianças quaisquer, mas dois singulares e respeitáveis pacientes: mãe e filho. A mãe com dois mil anos de idade, e o filho com mil e quinhentos. Quanto à mãe, parece decrépita, mas quem a observar com cuidado nela notará sinais de uma vida que durará tanto como o gênero humano. Pelo contrário o pobre filho, embora mais moço só de alguns séculos, quando fala deixa perceber acentuada arteriosclerose cerebral, e quando se move, mostra-se desandadamente parkinsoniano.

O filho é o mundo latino-germânico que resultou das invasões bárbaras no século V. A Santa Igreja Católica Apostólica Romana o gerou para a vida sobrenatural, batizando-o e evangelizando-o . E "ipso facto" o fez nascer para a civilização cristã. A mãe – está dito – é, oh! dor, a mesma Igreja. Por vários aspectos, esta parece tão velha, tão encarquilhada, que vista de alguns ângulos causa até a ilusão de ter morrido há não pouco tempo. Mas, atentamente analisada de outros ângulos, deixa ver, de modo mais inquestionável, estar animada de uma vida inextinguível. Assim, o envelhecimento que de quando em vez ela mostra não é senão um epifenômeno transitório, um episódio macabro que, no fim de cada processo (o qual hoje chegou a um auge literalmente inimaginável), jamais resulta na morte, mas em nova primavera. Primavera tão mais esplêndida quanto mais trágicos tenham sido os hibernais sintomas da senilidade vencida.

O artigo de Revel, já vimos, só se ocupa com o Ocidente, isto é, os Estados da Europa e da América. A Igreja parece ausente de seu campo de observação.

A explicação do título do artigo vem logo no primeiro parágrafo: "Por que fracassou a détente [distensão]? – Porque na mente dos ocidentais ela exprimia a suspensão da agressividade soviética, e na mente dos soviéticos, a suspensão de toda réplica ocidental à agressividade deles". Como se vê, a canção de ninar foi a "détente". E o ninado, o Ocidente.

Faço notar: só ele, não. A Igreja – que não abrange só o Ocidente, mas o mundo inteiro – também sofreu os efeitos adormecedores de lúgubre e análoga nina-nana. Posso afirmá-lo, agora mais do que nunca, pois fui dos poucos – e cada vez mais raros – que o afirmaram com inquebrantável continuidade ao longo dos anos em que o mundo inteiro, ou quase tanto, parecia embalado no sono sinistro. E nos meios católicos postos em galarins nada se tinha por tão obtuso como pensamento e por tão encaipiradamente atrasado e contraproducente como estilo de ação, quanto ser anticomunista.

Neste anoitecer do anticomunismo, puseram-se logo a crocitar as corujas, alegres porque tudo se fazia trevas. E iam emudecendo os galos que cantavam sua inabalável esperança de que a luz voltaria. Já agora, na aurora da guerra fria, as corujas se vão calando, o galinheiro desperta, e aparece alegremente querer falar mais alto do que os galos. Os meios de publicidade vão constatando o fim da "détente", e já ouço o rebuliço festivo de certas vozes anticomunistas até há pouco prudentemente caladas. Oh, como é deleitável ser oportunista...

A "berceuse" soviética destinada à opinião católica foi mera adaptação aos temas religiosos, da mesma "berceuse" cantada sobre os Estados laicizados do Ocidente. Começou a ser cantada sob Pio XI, com o título de "política da mão estendida". O vigoroso pontífice silenciou o cântico da serpente em 1937, com a encíclica "Divini Redemptoris". Mas a maviosa patativa filosófica que foi Jacques Maritain a retomou sob Pio XII. Se bem que se mantivesse, face ao comunismo, na posição irredutível e polêmica de seus antecessores, este pontífice deixou o filósofo cantar. Quando João XXIII ascendeu ao sólio pontifício, o som da "berceuse" se propagou a sempre mais numerosas áreas da Igreja. Veio o Concílio Vaticano II, e mutismo – que escandalizará os séculos vindouros – da augusta assembleia ante o maior adversário que a Igreja teve em toda a sua História indica, à evidência, que a canção de ninar já então ia adormecendo vitoriosamente o orbe católico. Dizendo isto, não vou além do que constatou Paulo VI ao lamentar que a Igreja passava por um misterioso processo de "autodemolição" (alocução de 7-12-68), e que a "fumaça de Satanás" penetrara nela (alocução de 29-6-72). Bem entendido, essas duas afirmações se reportam a uma desolação ainda maior do que a da torrencial infiltração do comunismo nos meios católicos. Pois é preciso ter em conta também a expansão, tão afim, do progressismo. Mas, em última análise, o que é o progressismo senão um disfarce filosófico, teológico e canônico do lobo comunista?

Seria fácil continuar aqui o histórico dos efeitos da nina-nana soviética, pelo menos em nosso País. Porém, para isto, seria preciso publicar nestas páginas todo o meu livro "A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos Silenciosos", ou seja, renunciar a fazer jornalismo sobre a matéria.

Proponho-me coisa muito mais simples. Tomar o catálogo feito por Revel das ilusões com que a canção de ninar dos soviéticos adormeceu o Ocidente e transpô-lo para a temática religiosa e eclesiástica, pondo assim em realce a analogia dos efeitos dessa canção de ninar sobre o mundo católico.

É o que farei no próximo artigo.

A título de ponta de linha no qual emendá-lo ao presente, aqui deixo, devidamente adaptada, a frase de abertura de Revel, acima citada: "Por que a "détente" com os soviéticos conduziu a um insucesso o mundo católico? – Porque, na mentalidade dos católicos, ela exprimia a suspensão da agressividade soviética, e na mentalidade dos soviéticos, a suspensão de toda réplica católica à sua agressividade".

Não seria possível sintetizar com mais realismo o que se passou...


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