Plinio Corrêa de Oliveira

28 de outubro de 1979

Na pizzaria, com os "moderados"

Com um grupo de amigos, ocupei uma mesa, na espaçosa e ruidosa pizzaria. Mal tivera eu tempo para notar, de passagem, que nossa presença causava desagrado nos ocupantes de mesa muito próxima.

Da mesa vizinha, os olhares insistentes de três homens e duas senhoras não deixavam de nos fixar. Um deles, alto, esquálido, moreno, de nariz e braços angulosos, pescoço comprido, mudou algum tanto de posição, de maneira a poder acompanhar nossa conversa.

Proseávamos sobre tudo e sobre nada. A prosa esvoaçava de modo imprevisto e fantasista, em torno de nossos temas habituais.

O homem de nariz e braços angulosos não disfarçava quando nosso esvoaçar o entretinha. Nem quando, pelo contrário, o agastava: o olhar dardejava então – se assim se pode dizer – trevas. A ponta do nariz tomava forma de bico de corvo. Os cotovelos se faziam agressivamente pontudos.

Quem seria ele? Livre-docente de alguma faculdade suburbana? Líder sindical? Repórter de algum jornaleco, ou de um jornalão? Microempresário um pouco intelectualizado? – Não sei.

Em dado momento, ele discerniu que falávamos sobre o emprego de gases tóxicos. E não se conteve. Com o despotismo eriçado que caracteriza certa esquerda dita moderada, e na visível esperança de alvorotar contra nós o largo público do restaurante, perguntou a um dos mais jovens da minha mesa:

- "Até essa vocês têm? São favoráveis ao emprego de gases tóxicos?"

O homem anguloso desejava que meu jovem lhe confirmasse a suspeita. Ele se poria de pé sobre sua mesa (ou sobre a nossa...) e conclamaria dali os cidadãos presentes a nos vaiarem por motivo dessa nossa opinião.

Esse esquerdista, por certo exaltado partidário da liberdade de todas as opiniões... que sejam de esquerda, não me inibia.

Contudo, estava começada de mesa a mesa uma discussão longa e cacete. Para preservar nossa liberdade de esvoaçar com o pensamento em torno de nossas costumeiras cogitações, urgia silenciar o homem anguloso.

Gritar-lhe que era um importuno seria fazer-lhe o jogo. Dir-nos-ia que nosso orgulho era intolerável etc., etc. Seria mais monótono e mais longo do que uma discussão. Seria uma briga... Como fazer?

Tomei ares de mandão, e do fundo da distância que nos separava, fitei-o firme e lhe respondi:

- "Sou mesmo apologista do uso de gases tóxicos. Penso, por exemplo, que quando uma minoria de guerrilheiros foge para altos de montanha e dali cria problemas para as forças regulares, estas têm o direito de se defender, atirando gases tóxicos sobre os sublevados. Oh! Nem todos de uma toxidade letal! Em tudo é preciso ser comedido. Bastará que alguns desses gases sejam mortais. Os outros poderão simplesmente enfermar os guerrilheiros. Com o que ficará dissipada a guerrilha."

No esquerdista moderado, tudo eram pontas: o nariz, as orelhas, o queixo, os cantos da boca, os braços. Exultando, ele me lançou então:

- "O cidadão não me recusará de dar essa declaração por escrito! Pois um homem de caráter não foge de escrever o que diz."

A fim de atiçá-lo ainda mais, fingi que não tinha caráter. E lhe respondi que me recusava a escrever o que dissera. Fiz um pequeno suspense que – suponho – ele aproveitou para calcular se conseguiria saltar à mesa com um pulo só, ou se precisaria utilizar como degrau alguma cadeira. Um frêmito o percorria. Oh! Que noite de glória se prenunciava para ele, dentro da pizzaria!

Continuei num tom amolecido e negligente:

- "Escrever dá muito trabalho, e sinto preguiça. Mas se me arranjarem um gravador (eu via um em mesa próxima) poderei gravar o que acabo de dizer". Em menos de um minuto, o gravador estava à minha disposição.

Pus ao "anguloso" uma única condição para atender seu pedido: era de não ser interrompido. Ele aceitou.

A meus amigos, o lance parecia divertido. Os dele deixavam ver uma curiosidade de feras. Oh! A ferocidade de tantos "moderados", eu já a conhecia bem!

Gravei palavra por palavra o que dissera, acrescentando tão só o seguinte: que essa declaração de minha parte não passava de estratagema para desinteressar de nossa conversa o interlocutor agressivo e importuno. Expliquei que, quando fôramos interrompidos por ele, censurávamos o bombardeio com gases tóxicos que, segundo os jornais, os comunistas do Laos, com apoio do Vietnã (e portanto da Rússia), estavam desfechando contra guerrilheiros anticomunistas da tribo "hmong", nas montanhas daquele país. A notícia acrescentava que nem todas as vítimas morriam, mas várias ficavam estiradas pelo chão.

E passei então a fazer a apologia desses heróis anticomunistas, que continuam a lutar por seu país até mesmo agora, quando tudo parece perdido. Desliguei então o gravador. De mão em mão, meus amigos o passaram para ele.

Deitei então os olhos no "campo inimigo". Todos conversavam entre si sobre outros assuntos. "Ele" continuava voltado para nós. Mas inteiramente absorto no cigarro que fumava. Tudo o que no seu rosto fora ponta, estava amolecido. Estendeu um braço para pegar o gravador e disse simplesmente: - "Tá." Desviou o rosto de nossa mesa. Depois completou a rotação, voltando-nos inteiramente as costas.

A tese genérica – aliás de fato tão odiosa – da legitimidade do extermínio de qualquer adversário por gases tóxicos, havia deixado de indignar aqueles esquerdistas moderados. E' que não era sustentada por direitistas, como haviam desejado, mas por comunistas. Estes não só a sustentavam, mas a punham em prática. E, por isso, os tais "moderados" haviam deixado de a odiar.

Leitor, de quanto contei, só é real o bombardeio com gases tóxicos, perpetrado pelos comunistas contra os valentes laocianos "hmong". O resto, isto é, a pizzaria com seu público, o "anguloso" e sua roda de amigos, minha própria roda, tudo não passa de historieta. De historieta, sim, para fazer notar, de modo simbólico, como é a psicologia do ódio de tantos e tantíssimos "moderados" de esquerda.

- "Meu Deus, salvai-me dos meus amigos, que de meus inimigos defendo-me eu" - dizia Votaire; salvai-me dos tais "moderados", que dos furibundos defendo-me eu.

Nota: Os negritos são deste site.