Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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26 de setembro de 1979

Sobre a palavrota-palavrão

Alguém me perguntou se sou um homem de direita. De boca cheia, e euforicamente, respondi que "sim". Ao fazê-lo, eu já aguardava a perguntinha que viria em seguida, concisa e venenosa: "De extrema-direita, então?" O pobre papalvo que a formulava imaginava-se esperto. Como se esperteza e insídia fossem sinônimos. "Leia meu próximo artigo na "Folha" - retruquei-lhe. E com isto fui esperto e insidioso. Esperto, porque ganhei um leitor para o monótono comentário que aí vai. E insidioso, porque a curiosidade dele o levará a ler de ponta a ponta esta monotonia.

No estranho vocabulário que vai sendo forjado no linguajar político de nossos dias, na palavra "extremo" - como acontece a tantas outras – se colam artificialmente sentidos múltiplos, confusos, e até contraditórios. Antes de esclarecer esses sentidos, é-me impossível responder a tal perguntinha pseudo-esperta.

O grosso da opinião nacional é confortável e indolentemente centrista. Precisamente entre os centristas e, melhor ainda, entre os mais confortáveis e indolentes dentre eles, é que a palavra "extremo" se apresenta opalescente, irisada e vária.

* * *

Toda essa confusão resulta da focalização estrábica acerca de um tema simples. Apresento-o de modo esquemático.

1°) A operação mental do cientista consiste em adquirir e definir para si verdades básicas que, em rigor de lógica, lhe merecem todo assentimento. A partir dessas verdades, e sempre em rigor de lógica, vai ele construindo conclusões. Cada nova conclusão constitui nova vitória da ciência. E a glória do labor do cientista consiste em caminhar nas vias da lógica até à última conclusão legitimamente dedutível da verdade inicial. Nesta nobre trajetória, ao extremo do caminho corresponde o extremo da glória;

2°) Esse procedimento intelectual está na própria natureza da mente humana, e vale para qualquer tema de que esta cogite. Dada a falibilidade do homem, convém, quanto possível, conferir com os dados da experiência as sucessivas etapas da caminhada intelectual. Porém, quando não seja isto possível, o homem não deve renunciar à procura do ponto terminal de seu pensamento. Pois se for de lince seu olhar, pode o homem caminhar logicamente muito além das matérias experimentalmente testáveis. A não ser assim, o que seria por exemplo da filosofia ou da teologia?

* * *

Tudo isto posto, o homem que, na marcha compassada e firme de seu processo lógico, chegue às últimas consequências das verdades iniciais que conhece, merece pelo menos respeito. O caminhar do espírito se parece com o do corpo. É saudável, belo e nobre quando se dirige retamente ao ponto terminal. É enfermiço, deselegante e sem varonia quando hesita, titubeia e se perde nos descaminhos e dédalos da dúvida.

Admitindo embora estes princípios de senso comum como válidos para todos os domínios do pensamento, os centristas, quanto mais langorosos e confortáveis, tanto mais são propensos a abrir exceção no tocante aos espíritos afeitos à reflexão política ou socioeconômica. Tais centristas podem maravilhar-se com um físico ou matemático que chega às extremas consequências das verdades iniciais que conhece. Mas ao pensador político, por exemplo, entendem que tal não é lícito. E se este age como o cientista e chega às últimas consequências de seu pensar, o centrista o qualifica desde logo de extremista.

Há mais. Sobre esta contradição do centrista langoroso e confortável se acavala logo outra. O pensador político ou interessado em matéria socioeconômica, assim tachado de extremista, é desde logo suspeito de visar a ditadura por meio da violência. E portanto um criminoso. Pelo menos em estado potencial.

E, por esta forma, segundo certo gênero de centristas, a coerência pode ser para uns o caminho da glória. E, para outros, o caminho do crime.

Assim – comento de minha parte – se em qualquer terreno, de coerência em coerência se chega ao ápice da verdade, de incoerência em incoerência se chega ao báratro do disparate.

Ei-lo. Para os mais confortáveis e langorosos dentre os centristas, se abre aqui uma bifurcação absolutamente arbitrária.

Em presença de um direitista inteiramente coerente, tais centristas pensam logo em violência, em campo de concentração e em genocídio. Mas em presença de um esquerdista inteiramente coerente – de um comunista, por exemplo – os centristas de que falo distinguem. Se se trata de um comunista unicamente afeito a estudos e à mera difusão doutrinária e pacífica de suas convicções, consideram-no um cidadão irrepreensível, digno de respeito e quiçá até de simpatia. Olhando-o, ninguém pensa na prisão da Lubianka, nem nos campos de concentração da Sibéria, nem nos hospitais de tortura neuropsíquica, nem ainda na cortina de ferro. Para todos os efeitos, o comunista pacífico não é sentido como um extremista por tais "homens de centro". Para eles, o esquerdista só é extremista quando assalta, sequestra e rouba.

Em suma, dois pesos e duas medidas. Quando ruma para a direita, a coerência é tida como levando necessariamente ao crime. E quando ruma para a esquerda, ela é vista como perfeitamente distinguível do crime, ao qual só "per accidens" ela pode levar.

* * *

Agora cabe-me responder se sou um homem de direita. Pura e simplesmente eu o sou. Mas reivindico para mim, com a maior força – a força da lógica – o direito de chegar às últimas e mais altas consequências doutrinárias dos princípios que professo, sem que ninguém me tache de propugnador de violências que nunca justifiquei, nem estimulei, nem pratiquei.

E digo isto fitando o homenzinho da pergunta insidiosa e os centristas confortáveis e langorosos de que é um espécime, afirmando-lhes ainda: enquanto homem em ordem com todas as leis divinas e humanas, e com todas as exigências da lógica, sou mesmo, e a cem por cento, um homem da direita.

De extrema-direita? Deixo desdenhosamente rolando no chão a palavrota "extremo", que para muitos soa quase como um palavrão.

Reivindicando minha autenticidade e minha integridade em matéria de direita, questiono a autenticidade e a integridade do meu homenzinho e a de seus congêneres em matéria de centro. Se o centro é, por definição, a equidistância entre dois extremos, com que direito se classificam eles de centristas, apesar de serem tão ilógica e agressivamente contrários ao direitista não violento, e tão afavelmente respeitadores do esquerdista não violento?

Parece-me que, definindo-me, eu os defino. Ou por outra, em vista de minha definição, eles se definem a si próprios: centristas, não são.

O que serão? Digam-no eles, com a mesma franqueza com que acabo de dizer o que sou.

De minha parte, vejo-os como genuínos, mas encabulados e disfarçados, esquerdistas.


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