Plinio Corrêa de Oliveira

 

Artigos na  "Folha de S. Paulo"

 

 

Depois da visita, as perguntas...

 

23 de junho de 1979

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Sumário

A Religião Católica vive sob perseguição, na Polônia, desde que lá foi implantado o regime comunista. A recente visita de João Paulo II a esse país comunista prepara a cessação dessa perseguição, ou o seu recrudescimento? Ou, então, anuncia ao mundo que ambas as partes se conformam com o statu quo?

A resposta que se dê a essas perguntas importa como definição do novo pontificado ante a mais terrível alternativa de nosso tempo: comunismo, sim ou não?


 

Sobre a visita de João Paulo II à Polônia, o grande problema é: dará em impasse, em reconciliação ou em luta?

Mais precisamente, na Polônia, a Religião Católica vive sob perseguição desde que foi implantado o regime comunista; a visita do Pontífice prepara a cessação dela, ou o seu recrudescimento? Ou, então, anuncia ao mundo que ambas as partes se conformam com o "statu quo"? Sim, o mísero "statu quo" atual, em que os comunistas estão na despreocupada posição de perseguidores, e a Igreja na dura condição de mísera perseguida, a qual tem medo até de falar um pouco mais alto porque pode romper assim o "modus vivendi" e expor-se a ser estrangulada.

A resposta que se dê a essas perguntas importa como definição do novo pontificado ante a mais terrível alternativa de nosso tempo: comunismo, sim ou não? Ela faz entender aos mártires da Igreja do Silêncio que estilo e que grau de apoio podem esperar do Vaticano, no sentido de uma normalidade arejada e digna. Ou seja, um estado de coisas que se não proporcionar à Esposa Mística de Cristo todo apoio a que ela tem direito, lhe reconheça pelo menos a liberdade total de dizer e fazer tudo quanto entenda para a evangelização das almas e a restauração da civilização cristã.

Para o Ocidente, a matéria apresenta interesse não menor. Pois ela se cifra em indagar até que ponto João Paulo II está disposto a empenhar todo o prestígio da Igreja para defender contra o comunismo as partes do mundo onde lhe reconhecem por inteiro a liberdade do direito comum.

Isto posto, o que se pode concluir de quanto os jornais publicaram – com uma festividade farfalhante e caudalosa – acerca dos fatos que na Polônia acabam de se passar?

Comecemos por falar daquilo que muitos deles não publicaram. As notícias das agências internacionais sobre o volume das massas que receberam e ovacionaram o Pontífice foram, vagas umas, contraditórias ou até inverossímeis outras. Por exemplo, ninguém ficou sabendo ao certo quantos poloneses estiveram presentes em Varsóvia, por ocasião da chegada de João Paulo II . Ou à Missa que ele celebrou na praça da Vitória, comemorativa – diga-se de passagem – da entrada dos bolchevistas no país, e da conseqüente implantação do regime marxista. Certas informações mencionavam entre 200 e 300 mil pessoas. É vago. E sobretudo é pouco, sendo de 1,5 milhão a população global da cidade. As notícias referentes às visitas às demais localidades muitas vezes abstinham-se de mencionar o volume numérico do povo presente. Preferiam contar que o céu estava azul de anil, que os trajes regionais populares eram muito coloridos, e que o povo ria de bom grado com cada um dos gracejos que o Romano Pontífice fazia. Parece até ter sido este o ponto em que mais precisos foram os noticiários. Tem-se a impressão de que não se deixou de registrar um só gracejo. E que não raras vezes se ocupou mais espaço com a narração dos gracejos do que com declarações importantes, feitas por João Paulo II. Por tudo isso, o público ficou sem saber o que resta de catolicismo declarado, atuante e fervoroso, na terra de Santo Estanislau.

Ora, este ponto era capital para se analisar a eficácia apostólica do regime de relações estabelecido entre os cardeias Wyszynski e Wojtyla, de um lado, e o governo comunista polonês do outro.

Esse regime consistia – e consiste – em que a Igreja tem uma estreita faixa doutrinária dentro da qual lhe é lícito contestar o regime, sem que este se vingue fechando todos os templos. Essa faixa se circunscreve à refutação do ateísmo marxista, fundamento filosófico do regime. E ainda assim, essa refutação, a Igreja reduzida legalmente a alguns templos, seminários e instituições abertos, e portanto pequena como um passarinho – é obrigada a fazê-la com voz de passarinho. Serenamente, quase se diria melodicamente. Senão desce sobre ela o chicote.

Mas o que então não pode ela dizer? A Igreja vive na Polônia em estado de passarinho comprimido pela mão de um verdugo. Segundo a prática geral nos países comunistas, a família não é na legislação polonesa senão um farrapo, e a propriedade privada não é senão uma lembrança do passado. Com isto, o "status" polonês contunde, de um ou de outro modo, com quase todos os Mandamentos da Lei de Deus; honrar pai e mãe, não pecar contra a castidade, não desejar a mulher do próximo – tudo no tocante à família; não furtar, não cobiçar as coisas alheias – no tocante à propriedade. Contra tal "status" esmagadoramente anticristão, a Igreja nada pode falar. Ou tão pouco, que eqüivale a nada.

De algum modo, o episcopado polonês aceitou as regras do jogo. Fora da tal faixa, ele não pia. Qual o resultado, do ponto de vista do fervor popular? A eleição de um Papa polonês, a visita deste à sua terra natal, a acolhida que lhe dispensou o governo, de chicote na mão, mas com um surpreendente sorriso nos lábios, tudo isto reunia "au grand complet" as condições possíveis na Polônia de hoje para levar o entusiasmo religioso ao auge dos auges. Como foi no México. Ou talvez mais ainda.

Do lado do Ocidente, a imprensa de esquerda, a de centro, e muito notavelmente a de direita, aplaudiam de antemão, na expectativa de uma apoteose. No que deu tudo? – Na mais otimista das hipóteses, num festival animado. Ou seja, num fruto aguado.

Durante toda a sua visita, entretanto, o Papa não fez outra coisa senão manter-se na faixa de temas consentida pelo governo comunista.

Tudo leva a crer que ele tenha notado bem a defasagem entre as esperanças em que pulsava o mundo, e a realidade que encontrou diante de si. Chegou a Roma dando mostras muito mais de cansaço do que de alegria. E foi direto a Castel Gandolfo, para descansar.

Descansar e pensar. – Do que ele pensar, resultará firmar-se na antiga linha Wyszynski-Gierek? Ou resolverá pedir a ajuda de seus grandes antecessores, um Bem-aventurado Urbano II, um São Gregório VII, um São Pio V, um São Pio X, a fim de ver mais e melhor? Esta oração, quanto desejamos que ele a faça, e que a deponha aos pés de Deus onipotente, [de] Maria, Medianeira de todas as graças, Auxílio dos Cristãos... de aquém e além da malfadada cortina de ferro. 


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