Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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6 de janeiro de 1974 O leitor já ouviu? Por paradoxal que seja, o fog constitui um dos atrativos de Londres. A pesada bruma que, por exemplo nos fins de ano, baixa sobre a cidade enregelada, contrasta com o brilho das vitrines iluminadas e transbordantes das mais variadas mercadorias, com o interior aquecido e confortável das residências e dos escritórios que se adivinha, através das inúmeras janelas iluminadas, e com a potência dos projetores de luz dos veículos que, em sucessão contínua, abrem caminho pelas ruas da cidade. E esse contraste ressalta, assim, o cozy da vida londrina, e dá ao homem uma agradável sensação de domínio fácil sobre a natureza adversa. No fim de 1973, entretanto, o fog zombou de Londres. As vitrines mal iluminadas, as habitações e os escritórios com calefação insuficiente, os veículos escassos dentro de trevas de assustar, deram, de repente, ao londrino (e – por que não dizê-lo? – a todas as pessoas habituadas, pelo mundo afora, a ver na grandeza de Londres uma das pilastras da ordem humana) uma sensação da fragilidade de tudo quanto é terreno. A chantagem manteve Londres como que às escuras nesta pardacenta e melancólica passagem de ano. * * * Sim, a chantagem. Ou antes, as duas chantagens, a do petróleo, é claro, mas também outra. E é desta que quero falar. Refiro-me à chantagem laborial. A fim de obter salários mais elevados, os trabalhadores das minas de carvão aproveitaram exatamente a crise do petróleo para se recusarem a fazer horas extras. E não contentes com isto, ameaçam agora deflagrar uma greve geral, que leve a Inglaterra a uma crise de combustível dantesca. É indiscutível o direito à greve, quando esgotados, da parte do operário, os outros recursos para que obtenha um justo salário. Não sei se o salário atual dos mineiros ingleses é justo, ou se deve ser reajustado. O que sei é que este modo de impor a majoração é mais do que reivindicar: é agredir. Equivale a pôr o cano do revólver na têmpora, ou a faca na carótida. Não se tem o direito de agir assim em relação à pátria. Se, por exemplo, os médicos, ou os enfermeiros, resolvessem sistematicamente reivindicar assim seus aumentos salariais, onde iria parar a civilização? E o que têm os operários de minas de carvão, para que se lhes reconheça então este privilégio? O trabalho dá origem a direitos sagrados. Essa importante verdade tem sido de tal maneira repetida, que se tornou um lugar comum. De outro lado, todo direito é limitado por uma função social. Isto também se tornou um lugar comum, no que diz respeito à propriedade. Não há padre esquerdista, nem declamador de botequim, que não estufe o peito para o proclamar. Mas se o direito do proprietário é limitado por sua função social, por que não o será também o do trabalhador? A pergunta pode irritar os padres esquerdistas e os declamadores de botequim. Mas zanga não é resposta. E a pergunta fica de pé. Repetem a todo o momento os padres esquerdistas e os Demóstenes de botequim, que todo direito é limitado por sua função social. Acrescentam que a propriedade é um direito. E concluem, triunfantes, que esse direito deve ser limitado por sua função social. E – posto o assunto nestes termos – estão certos. Mas, então, acrescento eu: todo direito é limitado por sua função social. Ora, o trabalho dá direitos. Logo estes também devem ser limitados por sua função social. No que estou errado? E se não estou errado, como se explica que aqueles clérigos e aqueles Demóstenes falem continuamente dos deveres sociais do proprietário, e nunca, ou como que nunca, dos do trabalhador? Ou o leitor já ouviu que eles falassem também deste último ponto? Feliz leitor... é como se tivesse ganho na loteria. * * * O silêncio de tanta gente responsável, sobre a função social dos direitos do trabalhador, não é a grande causa do que ocorre em Londres? É com o intuito de contribuir para que algum dia algo de análogo não venha a passar-se no Brasil, que levanto esse assunto. Nota: Os negritos são deste site. |