Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo"
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8 de julho de 1973 O suicida vai bem, obrigado Causou dolorosa impressão em largos círculos de nosso País a informação publicada, não há muito, pela Tribuna da Imprensa do Rio de Janeiro, de que o delegado do Vaticano na Organização Internacional do Trabalho, Mons. Silvio Luoni, exaltou o modelo do desenvolvimento chinês, colocando-o como exemplo do "desenvolvimento respeitoso aos valores culturais deste grande povo". O dignitário eclesiástico acrescentou que "inclusive levando em conta os limites dos conhecimentos e fazendo toda classe de reservas sobre a ideologia e o sistema político da China, os valores humanos e comunitários dos séculos passados não foram esquecidos", de tal sorte que na China comunista "análises, métodos e realizações respeitam o essencial dessa herança, apesar dos excessos de um entusiasmo revolucionário às vezes desbordante (sic)". Paulo VI estaria no direito de qualificar essa declaração como ato autodemolidor da Igreja. Com efeito, apesar de "toda classe de reservas" feita pelo prelado, deixa ele entrever que um comunismo autêntico, como o chinês, é compatível com a admirável herança tradicional do povo chim. O que importa em dar do comunismo uma imagem que, além de falsa, é propagandística. * * * Estamos no século de todas as aberrações. A razão de ser específica da Câmara dos Lordes consiste em intervir na elaboração das leis inglesas como fator de resguardo das tradições da Civilização Cristã. Ora, a Câmara dos Comuns se opôs recentemente à distribuição gratuita dos anticoncepcionais pelo Serviço Nacional de Saúde. O governo, de sua parte, queria exigir receita médica para que fossem fornecidos anticoncepcionais. A Câmara dos Lordes, numa atitude francamente demolidora, aprovou pela impressionante maioria de 107 votos contra 58, a distribuição inteiramente gratuita e sem condições. Autodemolição da Câmara dos Lordes, que assim se volta contra seu próprio fim... Na linha das aberrações, não pode passar sem um registro a indiferença com que a quase totalidade da imprensa mundial, dos rádios e das televisões – e, em consequência, a opinião pública manipulada à vontade por esses "meios de comunicação social" – acolheram três notícias impressionantes, ocorridas na semana passada. Na Argentina, terroristas sequestraram uma criança de 10 anos que ia para a escola levada pela avó. O fato apresenta todas as características próprias a despertar compaixão: a inocência da criança, que nada tem a ver com os problemas que motivam o terror, o trauma psíquico e nervoso com que o susto pode marcar a criança a vida inteira, o choque sofrido pela infeliz avó, com perigo para esta de complicações cardíacas ou vasculares das mais graves, a aflição indizível dos pobres pais e de toda a família, etc. Parece impossível haver pior. Pois houve. Também terroristas raptaram na mesma Argentina... uma criança de colo! Aqui, dada a debilidade orgânica da criança nessa fase, a crueldade se multiplica pela crueldade, é o horror multiplicado pelo horror. Na Colômbia, por fim, terroristas tentaram sequestrar um respeitável Bispo de 83 anos. Faltam os adjetivos para qualificar o fato: a ofensa à dignidade episcopal, o respeito que se deve às cãs de um octogenário, o efeito sumamente grave desse impacto nervoso sobre sua saúde, tudo leva a reprovar esse crime com extremos de severidade. Pois bem, esses três fatos não produziram um milésimo – digo exatamente um milésimo – da emoção ocasionada pela morte de alguns pistoleiros pró-comunistas nas províncias portuguesas de além-mar, ou pelo fato de que algum, também pró-comunista, resolveu, por alta e própria recreação atear fogo às vestes, em algum subúrbio de Saigon. Autodemolição do mundo não comunista, onde há mais propensão para chorar as angústias ou o sangue do adversário, do que as suas próprias tragédias. * * * Segundo informa o correspondente do "New York Times" em Moscou, em artigo publicado por aquela folha do dia 17 de junho p.p., o acordo sobre a exploração de gás russo pela Ocidental Petroleum teve que ser assinado sem que aos técnicos norte-americanos fosse dado fazer uma pesquisa para avaliar in loco as reservas negociadas pela Rússia. De outro lado, os bancos norte-americanos estão fazendo imensos empréstimos à Rússia sem terem a menor idéia de quais sejam as reservas russas em ouro e divisas estrangeiras. Transposta esta situação para o domínio da esfera privada pareceria pilhéria. Qual seria a empresa particular disposta a negociar em tais condições? Que sanções imporia ela a um procurador que assinasse um contrato em tais bases? Na esfera dos interesses públicos, como se chama isto? Tragédia... autodemolição! * * * Dirão certos leitores que os comentários de hoje são objetivos, mas por demais sombrios. Alegarão que, para alegrar uma manhã de domingo, eu deveria pelo menos noticiar também alguns fatos auspiciosos. Não só os contras, como também os prós. Quanto a mim, temo que noticiar fatos auspiciosos ao lado de outros tão próprios a indignar ou a causar terrível apreensão importaria em insinuar que, de algum modo, os auspiciosos compensam os que não o são. Ora, dessa forma eu faltaria à verdade. Imaginar que algo – por mais "pró" que seja – possa compensar a tragédia da autodemolição do Ocidente, seria tão irreal quanto descrever da seguinte maneira a situação de um homem que começa a meter uma faca no próprio peito: a) um fato negativo: ele cortou a epiderme na região torácica; b) outro fato negativo: ele tem o propósito firme de continuar o ato até atingir o coração e paralisá-lo; c) mas há também um grande lado positivo, isto é, todo o seu organismo continua a funcionar perfeitamente bem, por enquanto. Conclusão: o suicida vai bem, obrigado. |