1º de outubro de 1972
Pesadelo: dois eixos
O
resultado essencial da viagem de Nixon a Moscou só se consubstanciou com
as recentes negociações do conselheiro presidencial Kissinger, na
capital soviética. Trata-se da formação do eixo Washington-Moscou em
torno do qual deverão girar todas as nações do Ocidente.
Quanto ao Oriente, está fora da órbita do novo eixo. De fato, a
liquidação do império britânico e a retração do poderio naval yankee
transformou a Ásia numa terra de ninguém. A Rússia estaria ávida de
preencher o vácuo assim deixado. Porém, a China constitui para isto um
obstáculo difícil de superar. Nessas condições realmente, a Ásia ficou
sem dono.
- Não
poderia a China aspirar ao controle da Ásia? Extensão territorial,
população superabundante, apetite de conquista não lhe faltam. Mas,
ser-lhe-á necessário ainda, para tão grande cometimento, um potencial
industrial e bélico considerável. E o regime comunista não lhe deu nem
uma nem outra coisa.
Assim, voltamos à mesma afirmação: a Ásia está sem dono.
Feliz
Ásia!
* * *
A
exemplo do que acontece com a Rússia soviética e os Estados Unidos, a
China comunista só poderá desenvolver-se e alçar-se à condição de
superpotência imperialista, com o concurso de uma nação capitalista de
grande importância.
- Com
efeito, sem o apoio de Washington, o que seriam hoje os donos do
Kremlin, senão comandantes de um navio em franco inicio de naufrágio?
Ora,
a única possibilidade de a China receber tal apoio de uma nação
capitalista consistiria numa completa reformulação de suas relações com
o Japão.
Segundo a ordem natural das coisas, nada seria mais impraticável. As
violentas rivalidades entre os dois povos amarelos, agravadas pela
implantação do comunismo na China tornaram intransponível a distância
política entre os dois países. Pois o Japão se manifestou sempre cioso
de evitar o contágio da lepra vermelha, Assim, beneficiado pelos EUA,
reconstituiu ele seu poderio industrial, e se transformou na peça-mestra
da política anticomunista de Washington, no Pacífico.
Tudo
isto era natural, lógico e claro. Uma aproximação nipo-chinesa estava
completamente fora das cogitações do Império do Sol nascente, firmemente
fiel ao Micado, e dirigida por um governo conservador claramente
majoritário.
Bem
entendido, se a política interna do Japão resvalasse para a esquerda,
haveria risco de uma mudança da situação, e de uma aproximação com
Pequim. Mas nenhum sintoma havia de tal perigo.
Nixon, que se elegeu - e agora vai reeleger-se - como líder
anticomunista, com um piparote inverteu, em favor do comunismo, essa
magnífica situação. Por artes dele, o céu azul sobre o Extremo Oriente,
se transformou num horizonte de catástrofe.
Com
efeito, quando de sua estadia em Pequim, entregou resolutamente ao tigre
chinês a ilha de Formosa, deixando assim bem claro que os EUA se
desinteressavam de manter seu poderio no Extremo Oriente. O fato causou
no Japão um trauma enorme. - Se as duas grandes potências do Pacífico se
reconciliavam por cima dele, o que restava ao Japão fazer? Desistir dos
recursos americanos para evitar a ira da China pobretona, mas
ameaçadoramente próxima? Ou apoiar-se na China, renunciando
resolutamente à rendosa preferência por Washington? - A alternativa
cruel se punha, ao mesmo tempo, em termos comerciais e militares. Digo
militares porque, com a defecção americana e o apoio de uma minoria
esquerdista ponderável do Japão, a China estaria em condições de tentar
no arquipélago nipônico uma guerrilha revolucionária capaz de
transformar, pouco a pouco, o Japão num Vietnã... sem os americanos.
Na
cruel alternativa, a balança talvez ainda pendesse para Washington. Mas
Nixon - deliberado a desmantelar inexoravelmente o sistema anticomunista
do Extremo Oriente - ainda desta vez favoreceu o jogo chinês. Em
entendimentos diretos com Tóquio, fez saber que o Japão não perderia o
apoio dos EUA no plano comercial, se se aproximasse resolutamente da
China.
E,
como era natural, no Japão, o derrapamento para a esquerda começou...
Como
todos sabem, o gabinete conservador foi substituído por outro, de matiz
esquerdista. O novo governo tratou, desde logo, de aproximar da China. E
daí resultou a visita que o “premier” nipônico Tanaka está fazendo a
Pequim.
Segundo os jornais desta semana, o programa da estada de Tanaka,
comparando com o de Nixon, comporta diversos pormenores, que deixam ver,
de modo ao mesmo tempo sutil e insolente, que a China atribuiu muito
mais importância a Tanaka do que a Nixon. Tanaka, por sua vez, não cessa
de manifestar sua humildade ante os anfitriões chineses. Em sua visita a
Mao, reconheceu a "culpa" do Japão pela agressão à China, elogiou
rasgadamente Chu, a hospitalidade chinesa e até a comida chinesa. E
ainda compôs um poema sobre o reatamento com Pequim.
Tudo leva a crer que a visita redundará na formação de mais um eixo. O
eixo Pequim-Tóquio.
-
Nesse eixo qual o polo mole e qual o duro? - Não há dúvida de que a
China e o Japão precisam um do outro. E por isso cada qual poderia
disputar longamente a supremacia para si.
Mas
há um dado que afetará forçosamente as regras dessa disputa. Tanaka é
esquerdista. E a História ainda não viu o exemplo de um só governo
esquerdista que, abandonado às suas próprias forças, tivesse
deliberação, perspicácia e firmeza para resistir ao comunismo.
Tudo
leva a recear que o polo mole seja - pelo menos "à la longue" - o Japão.
Este se verá, em tal caso, compelido a industrializar a China, e isto
feito, passará a ser peça acessória do sistema chinês.
* * *
Viu longe, assim, o jornal "Mainich" - conservador, note-se bem -
quando, a propósito da visita de Tanaka, predisse a formação de um
colosso amarelo coeso capaz de reivindicar a hegemonia da Ásia, sob o
lema "a Ásia para os asiáticos"...
Neo-monroísmo próprio a beneficiar o eixo Pequim-Tóquio como, a seu
tempo, a doutrina de Monroe beneficiou principalmente os EUA.
* * *
Já a
esta altura do comentário, os horizontes se dilatam.
- A
Índia e o bloco maometano deixar-se-ão dominar pelo bloco amarelo? Até
que ponto o eixo Tóquio-Pequim conseguirá explorar o apoio de Israel
para comprimir entre dois fogos os árabes?
A
pergunta comporta incertezas de toda ordem. Fixemos, entretanto, um
ponto: não há a menor garantia de que, se a China souber jogar com
habilidade, não possa tornar extremamente difícil, para os maometanos, a
resistência aos seus desígnios imperialistas. E quanto à Índia, isolada,
pouco valerá.
Não
seria de surpreender que o eixo Washington-Moscou, entregue à tarefa de
absorver o Ocidente, deixasse ao eixo Pequim-Tóquio mãos livres no
Oriente.
* * *
Eis,
assim, a política mundial, concebida em termos de "eixo". Depois da
II Guerra, o mundo geme sob a ameaça, não só de um eixo, mas de dois.
- Não parece um pesadelo?
-
Dentro desse pesadelo, quais os interesses da Civilização Cristã? Quais
os da família de povos ibero-americanos, em que a Providência colocou
nosso Brasil?
Isto
fica para outro artigo.