Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

 

Bookmark and Share

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

19 de março de 1972

Inoculando cinismo

O recente restabelecimento de relações entre Londres e Pequim é uma decorrência do comunicado de Xangai. Uma vez que a América do Norte restabeleceu contatos esporádicos com a China vermelha, a Inglaterra, sempre pragmática, resolveu ir ainda mais longe. Daí seu restabelecimento de relações regulares com os mandarins comunistas.

Assim sendo, é natural que se faça uma comparação entre a atitude da China respectivamente face aos Estados Unidos e face à Inglaterra.

Durante a estada de Nixon em Pequim, o caso de Formosa foi um dos maiores óbices para um entendimento dele com os chineses. A China reivindicava o direito de recuperar Formosa sem dar satisfações a qualquer outro país. Com isto não podiam concordar os norte-americanos. E assim a questão ficou posta em termos indecisos no Comunicado de Xangai.

Logo em seguida, se apresentou a Inglaterra para negociar o reatamento diplomático com a China vermelha. Ora, para o êxito dessas negociações, havia um óbice mil vezes mais grave. Era Hong Kong, colônia inglesa muito mais importante do que Formosa, e ademais encravada na carne viva da China, isto é, no próprio território continental chinês.

A lógica levaria Pequim a fazer à Inglaterra, a propósito de Hong Kong, exigências mais peremptórias do que as feita aos EE.UU a propósito de Formosa.

É bem verdade que os britânicos se encontram em Hong Kong em razão de um tratado regularmente firmado entre o governo britânico e o governo imperial chinês, antecessor da camorra que atualmente governa em Pequim. Todos sabem, porém, que Pequim é essencialmente anticolonialista, e que, segundo a filosofia da China vermelha, nada é mais decrépito do que o tratado anglo-chinês estabelecendo o enclave de Hong Kong.

Não obstante, com um desembaraço perfeitamente cínico, Pequim — logo depois de ter quebrado as lanças pela "libertação" de Formosa — deixa claro que continua a aceitar a presença inglesa em território chinês!

Meu objetivo não consiste em investigar qual o interesse escuso de Pequim nisso. Registro só quanto a contradição e o cinismo se vão tornando rotina na vida internacional contemporânea.

Em todos os tempos, a diplomacia foi marcada por contradições e descaradas manifestações de cinismo. Porém haveria exagero em dizer que eram de rotina. O mais grave dessa "rotinização" é a indiferença que encontra nos grandes meios de comunicação social, nos estudiosos de assuntos políticos, nos moralistas, etc.

Trata-se de uma indiferença resultante ora da conveniência, ora do desalento.

O resultado desta indiferença — tão generalizada que não me chegou ao conhecimento um só comentador político de rádio ou de imprensa que se tenha ocupado com o caso — é que ela vai produzindo sobre a opinião pública o efeito mais nocivo. Vendo que ninguém comenta essas aberrações, o homem de hoje fica sujeito ao risco de as achar naturais. E com o tempo, a opinião mundial irá descambando pela rampa da insensibilidade moral.

* * *

Outra aberração, se bem que de gênero um tanto diverso, vai sendo praticada na Itália pelo Partido Comunista.

Os jornais tem noticiado que o contínuo apoio prestado pela democracia-cristã à esquerdização da Itália vem desgostando boa parte do eleitorado. A prova tangível desse fato é o continuo crescimento do eleitorado neofascista.

Agora, a Itália está em fase de campanha eleitoral. E para os comunistas, um dos objetivos mais essenciais é conseguir que os candidatos da democracia-cristã recuperem as parcelas do eleitorado anticomunista que esta vem perdendo. Uma vez eleita pelos anticomunistas uma numerosa bancada democrata-cristã, ela poderá entregar-se, por mais alguns anos, à sua política de favorecimento do comunismo.

Mais alguns anos... Não seria preciso tanto para a DC consumar a entrega da Itália aos vermelhos, através da formação de um aberrante governo comuno-católico!

— Como, pois, reabilitar a DC aos olhos dos eleitores anticomunistas?

— Este um dos grandes problemas do PC nas próximas eleições.

O artifício encontrado pelos comunistas é cínico. Os órgãos de publicidade do PC se puseram a declarar, inopinadamente, que sendo a DC o maior partido na Itália, o empenho máximo do comunismo consiste em disputar-lhe os votos.

Daí decorre naturalmente, para o eleitor anticomunista ingênuo, a impressão de que o modo mais eficaz de combater o comunismo é votar na democracia-cristã.

Assim, o comunismo, investindo contra a DC, alcança ao mesmo tempo dois resultados:

1 - Arranca, em benefício próprio, o maior número possível de esquerdistas, eleitores da DC;

2 - Canaliza para a DC o maior número possível de votos direitistas.

Com tal jogada, o Partido Comunista estufa quanto pode a sua própria representação, e prepara as condições para que a democracia-cristã lhe entregue algum dia o poder. Precisamente como fez no Chile a democracia cristã.

É o fruto dessa cínica mudança de atitude do PC, de bom comparsa a "pseudo inimigo" da DC.

* * *

E encerro agora estabelecendo um elo entre meu comentário sobre o cinismo do governo comunista de Pequim, e o análogo cinismo do PC italiano.

Não espanta o cinismo dos comunistas. Ele está na essência de sua doutrina.

Acentuo, entretanto, que o cinismo se está tornando rotineiro na diplomacia dos países ocidentais, sobretudo pela ação do comunismo.

Ora, como vimos, essa avançada do cinismo exerce uma ação profunda sobre as massas do Ocidente, pondo-as em contradição consigo mesmas, e ameaçando deteriorar-lhes o senso moral.

— Não haverá nisso uma vantagem a mais para o comunismo? — A deterioração moral do adversário sendo uma condição inestimável para a vitória do comunismo, parece-me que a resposta não pode deixar de ser afirmativa.


Bookmark and Share