16 de abril de 1972
Nove
portões aumentam o mistério
No
centro das controvérsias contemporâneas está a questão
comunismo-anticomunismo. Assim, tudo quanto possa esclarecer o mundo a
respeito da dramática alternativa com que ele se defronta, deveria ser
amplamente difundido pelos meios de comunicação social. Ora,
infelizmente, é o contrário que não raras vezes ocorre. E com isto só
quem lucra é a causa do erro. Ou seja, o comunismo.
Esta
reflexão me ocorreu com particular força lendo os noticiários referentes
ao franqueamento de Berlim Oriental aos visitantes do setor ocidental,
por ocasião da Semana Santa e da Páscoa.
Do
ponto de vista emocional, o fato não podia ser mais impressionante. Uma
grande capital cortada em dois por uma muralha de aço. Do lado oriental,
mistério: lá ninguém entra, de lá ninguém sai. De quando em quando, de
dentro da caixa de mistério salta espavorido algum indivíduo, que
prefere enfrentar os riscos mais graves — e até a morte — a permanecer
ali. Ao mesmo tempo, uma propaganda mundial multiforme, insistente,
cínica, sustenta que o regime vigente nessa caixa de mistério é apto a
transformar qualquer país num paraíso terrestre. Como se vê, a
contradição entre os fatos e a propaganda é palpável. — Por que, de um
lado, tanto mistério para esconder este "paraíso", e ao mesmo tempo
tanta propaganda para persuadir que ele é realmente edênico? Se o é,
porque então tanta gente quer dele sair, mesmo à custa de tantos riscos?
Se não o é, como se explica que tanta gente procure estender ao mundo
inteiro as instituições que o regem? — A resposta a todas estas
perguntas interessaria no mais alto grau à controvérsia
comunismo-anticomunismo.
* * *
Obviamente transpor a cortina de ferro, visitar detidamente Berlim
Oriental, verificar in loco a autenticidade desse paraíso — ou
sua inautenticidade — constituiria um meio preciosíssimo para dar a
vários desses problemas respostas adequadas.
Por
isto mesmo, estou persuadido de que milhões de leitores no mundo
inteiro, aguardavam com a mais viva curiosidade o noticiário dos meios
de comunicação social alemães sobre o que os berlinenses ocidentais
contariam, de regresso de sua visita a Berlim Oriental. E que os meios
de comunicação social haveriam de difundir com açodamento o que pudessem
ouvir das centenas de milhares de visitantes.
—
Centenas de milhares? — A tal respeito, as informações são resvaladias.
No dia de se abrir o muro, os telegramas noticiavam que seriam 500 mil
os visitantes, aos quais se franqueariam nove portões na cortina de
ferro.
—
Meio milhão... É muita gente! Em função de tão alto número, aqueles nove
portões não deixavam de suscitar uma tal ou qual perplexidade. — Que
largura deveriam ter esses portões para passar essa caudal humana? —
Tanto mais quanto, devendo todos os transeuntes apresentar uma
autorização escrita aos serviços de vigilância comunistas, pequenos
incidentes de fronteira seriam inevitáveis. E qualquer demora
acarretaria a formação de imensas filas... Seria natural que os meios de
comunicação social teutônicos, habitualmente tão meticulosos,
satisfizessem à legítima curiosidade do público a respeito, explicando
qual a largura dos famosos nove portões, quantas pistas para automóveis,
quantas calçadas para pedestres, e quantos postos de vigilância cada um
deles comportava.
Outro
pormenor: entre esses "portões" estava incluído um que desse acesso ao
metrô? Em qualquer caso, quantos trens circularam naqueles dias entre as
duas Berlins? Como se exercia a fiscalização comunista sobre os usuários
do metrô?
Sobre
tudo isso, silêncio...
Sobre
o próprio número de visitantes, o noticiário começou a cambalear. No dia
de se abrirem os nove portões, falava ele em 500 mil. Durante os dias da
visita, referiu-se laconicamente a "milhares"? O que quer dizer isto? —
A expressão é vaga e cautelosa. Ela se pode referir tanto a centenas de
milhares, quanto, mais modestamente, a dezenas de milhares, ou
simplesmente a dois mil. — Por que esse caráter vago do noticiário?
Sendo
a abertura provisória do muro de Berlim mera manobra propagandística
soviética para facilitar a ratificação do Tratado de Moscou pelo
Parlamento da Alemanha Ocidental, é bem evidente que o interesse
comunista era de que constasse um alto número de visitantes. E de
encobrir a realidade, caso este número fosse baixo. Essa ambigüidade
talvez favorecesse, pois, os interesses comunistas.
É
verdade que Berlim Oriental publicou, no último dia 11, um comunicado
segundo o qual 449.597 berlinenses ocidentais transpuseram a cortina.
Mas quem pode crer na objetividade dos comunistas quando falam "pro domo
sua"?
Todo
assunto — enquanto não aparecerem melhores dados — fica envolto em
trevas...
* * *
Seja
como for, "milhares" de visitantes estiveram em Berlim Oriental. Entre
eles seria normal que houvesse um bom número de repórteres. E ainda que
as autoridades comunistas tivessem proibido a visita de repórteres, não
seria difícil encontrar entre os visitantes alguns que, pagos ou não,
coletassem, com critério verdadeiramente jornalístico, dados para amplas
reportagens. Ao que parece, nada disto foi feito. Porque praticamente
nada constou dos noticiários. — Se assim é, qual a causa desta insólita
omissão?
A
imprensa escrita e falada de Berlim Ocidental poderia pelo menos ter
entrevistado, pelo sistema de testagem, a multidão que retornava do
setor oriental. Que mina inesgotável de informações emocionantes, de
dados inestimáveis do ponto de vista psicológico, político e técnico! Ao
que parece, nada disto foi feito. Porque as agências telegráficas nada
ou quase nada disseram sobre tudo isso ao mundo. — Ainda uma vez, qual o
motivo da singular omissão?
* * *
E,
por fim, cabe aqui mais uma pergunta. Era mesmo de se tomar a sério a
visita-propaganda organizada pelos comunistas de Berlim Oriental? Se o
intuito das autoridades comunistas alemãs, ao abrirem os nove portões,
era propiciar um encontro cordial entre a Alemanha comunista e a não
comunista, por que não permitiram elas que também os alemães do setor
oriental tivessem livre trânsito para Berlim Ocidental? — Evidentemente,
por medo de que não quisessem voltar. — Mas, neste caso, é mesmo um
paraíso a Alemanha comunista? Ou é um cárcere? Por que então a ONU, tão
bisbilhoteira quando se trata de apoiar movimentos anticolonialistas,
não se debruça sobre o assunto, para apurar se está ou não reduzida a
mera colônia, a Alemanha Oriental?
Como
se vê, a abertura dos nove portões não desvendou mistério algum. Serviu,
apenas, para tornar ainda mais denso o mistério, graças ao laconismo dos
meios de comunicação social germânicos. Laconismo que presumo a justo
título, pois não me parece cabível outra explicação para a parcimônia de
dados na imprensa brasileira.