3 de outubro de 1971
A
I.O. no "water shoot"
Estava encontrada a fórmula para levar a "Igreja Ortodoxa" à degradação,
e por fim à ignomínia total.
Com
efeito, as compressões e descompressões suscitavam na hierarquia da I.O.
reflexos desencontrados, que, todos, conduziam à capitulação e à
colaboração.
As perseguições esmagavam pelo pânico. As concessões tinham todo o poder
de sedução do suborno. A fim de conseguir segurança e pão, os Bispos —
bem diversos dos antigos mártires — se sujeitavam a qualquer coisa.
O mesmo sistema de
compressões e descompressões ia transformando a massa do povo "ortodoxo"
pela ação do binômio "medo-simpatia", que tive ocasião de estudar num
ensaio ("Baldeação ideológica inadvertida e diálogo" —
Editora Vera Cruz Ltda., São Paulo, 1966). A cada "razzia" de violências
e de propaganda atéia, a grande massa dos "ortodoxos", deprimida pelo
medo e alquebrada pela impressão — aliás falsa — de sua impotência, já
não sabia o que fazer. A distensão que se seguia às "razzias", parecia
assim, aos olhos dos pobres perseguidos, uma inesperada lufada de
simpatia, um ato de pura liberalidade.
Mas
essa "simpatia" e essa "liberalidade", dosadas com acerto maquiavélico,
suscitavam, por sua vez, no espírito dos adeptos da I.O., uma dúvida:
seriam assim tão ruins esses comunistas? Não haveria um jeito de entrar
em composição com eles? — Essa pergunta dividia as bases da I.O.,
acarretando controvérsias entre "duros" e "moles", de onde divisões e
retaliações crescentes, nos meios religiosos. Assim, o binômio
medo-simpatia ia dividindo e estrangulando a I.O. com seus dois braços
de ferro. Um
apavorava e assim fazia apóstatas. Pois os simpatizantes passavam, em
grande número, para o campo dos bispos vendidos ao comunismo. Os poucos
"irredutíveis" só tinham por saída, enfurnar-se nas sombras da "Igreja
do Silêncio".
* * *
Como símbolo da
aceleração do processo de degradação, penso que nenhum seria mais
adequado do que o "water shoot". Pois a velocidade com que os homens e
as instituições se degradam, se acelera precisamente como a de um corpo
posto na famosa rampa de esporte aquático.
O Sinédrio conseguiu
de Judas Iscariotes que vendesse Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não
levou, entretanto, as suas exigências a ponto de impor ao traidor
que colaborasse com os algozes no deicídio. Antes da Revolução Comunista
russa, o mundo pensava que não seria possível ir mais longe — nas vias
do ódio e da torpeza — do que o Sinédrio. Os soviéticos se encarregaram
de desmentir, perto de dois mil anos depois de Jesus Cristo, esta ilusão. Eles
souberam pôr a serviço da implantação e da consolidação do comunismo,
toda uma corte de Bispos empanicados e vendidos.
Bispos da I.O., é verdade, e não da Igreja Católica.
Mas, em todo caso, Bispos autênticos, que se
intitulam sucessores dos Apóstolos.
Lenine morrera em
1924. Em 1928 Stalin aplicava o seu primeiro plano quinquenal. Fazia
parte deste, uma reforma agrária radical, que confiscou suas terras a um
número incontável de pequenos proprietários. Como é natural, o
descontentamento se espalhou por toda a Rússia. Foram abertos, então,
campos de concentração, nos quais os descontentes foram lançados aos
milhões.
Ao mesmo tempo, uma
perseguição gigantesca se abateu sobre todas as Igrejas existentes na
Rússia. O movimento dos sem-Deus chegou então ao seu auge. A parte do
clero, dos religiosos e dos leigos que recalcitrava contra o comunismo,
foi perseguida com uma violência sem precedentes. Este regime de terror
durou até 1936.
Este
ano marca o início — ainda hesitante e tímido — do período da "paz"
religiosa e da degradação definitiva da I.O.
Depois desta surra
máxima e suprema, Stalin começou a afrouxar a perseguição. Em 1939 ela
cessou de vez. Em 1940, o governo comunista começou a atenuar a
propaganda dos sem Deus.
Como se pode
imaginar, as simpatias para com o comunismo cresceram muito, à vista
desta inesperada e "generosa" distensão.
Um fato novo veio
melhorar ainda mais as relações entre os bispos colaboracionistas e o
regime comunista. Em 1941, as tropas nazistas invadiram a Rússia.
A
alta hierarquia da I.O. conclamou então o povo a lutar do lado dos
comunistas. O
clero "ortodoxo" se pôs a coletar donativos para a resistência, e estes
foram tão abundantes, que pagaram os equipamentos da famosa coluna "Dimitri-Donski".
A
colaboração da I.O. importava em armar uma verdadeira cruzada a favor
dos sem-Deus, contra os neopagãos da cruz gamada.
Ótima ocasião para os bispos, de procurar uma
definitiva reconciliação com Stalin!
Para chegar a essa
reconciliação — a essa traição — a mentira era um meio próprio e
natural. O metropolita Sérgio, ocupante interino do "trono patriarcal"
de Moscou, fez difundir um livro, "A Verdade sobre a Religião na
Rússia", no qual ele sustentava, deslavadamente, que na Rússia comunista
jamais houvera perseguição religiosa!
Como se poderia
prever, Sérgio acrescentava que sua Igreja exigia uma lealdade absoluta
do povo para com o comunismo. O que importava em fechar as portas aos
anticomunistas.
Assim, Sérgio e toda a hierarquia da I.O. (exclusão feita da "Igreja do
Silêncio") serviam de instrumento ao governo comunista para desfechar
contra os adversários deste, uma perseguição de outro gênero. Já não era
a perseguição feita pelo Estado, policialesca, burocrática, abrutalhada
e, ao mesmo tempo, indolente, mas era a perseguição feita pela própria
I.O., com armas religiosas: perseguição, portanto, teológica, refinada,
poupando os corpos mas esmagando as consciências.
As coisas haviam
chegado ao ponto desejado pelo comunismo. A partir da grande distensão
de 1939, a I.O. estava inteiramente vendida. Ela colaborava com o
comunismo levantando uma "cruzada" fulminando "excomunhões" contra os
anticomunistas.
* * *
A
partir deste momento, a I.O. começou a ser um mero departamento de
propaganda dos comunistas dentro e fora da Rússia.
Fora da Rússia, digo,
porque as circunstâncias haviam mudado. Stalin resolvera transpor para o
plano internacional o jogo compressão-descompressão — ou, em outros
termos, o binômio medo-simpatia — que tão bem lhe servira na Rússia.
Para isto, de um lado
ele se apoiou sobre o medo, desenvolvendo gradualmente, no Ocidente, uma
propaganda que chegaria ao seu paroxismo com o pânico da agressão
atômica.
De outro lado,
explorou o fator simpatia, utilizando, para esse efeito, grupelhos
pró-comunistas de católicos, protestantes e cismáticos, que começaram a
pulular e a deitar metástases pelo mundo inteiro.
Tratava-se — no plano
da simpatia — de convencer o maior número possível de pessoas de todas
as religiões, de que o comunismo não era o bicho-papão que imaginavam.
O primeiro passo para
essa mistificação foi um episódio bufo, isto é, a eleição, em 1943, de
um "patriarca" para Moscou. Como era natural, Sérgio, o subserviente,
foi eleito. Esse fato simbolizou a plena normalização das relações entre
a I.O. e o Kremlin. Fascinados pelas comodidades desse "modus vivendi",
igrejolas greco-cismáticas de todos os países satélites começaram a
girar na órbita de Moscou, apoiando a implantação do comunismo nos
países recém-conquistados. Era um primeiro resultado fora da Rússia.
* * *
Viriam outros?
Vinte anos de
trabalho metódico demonstraram que sim.
Uma longa ação
publicitária, feita de omissões velhacas, de contraverdades e de "bluffs",
conseguiu diluir em largos círculos da opinião ocidental, a lembrança da
era negra dos sem-Deus e das perseguições religiosas.
Os líderes soviéticos
pós-stalinianos empreenderam toda uma campanha publicitária para criar a
ilusão de que "algo havia mudado" na Rússia, e que os novos ocupantes do
Kremlin eram "camaradas" risonhos e pacíficos. O contraste entre Stalin,
o terrível, e Kruchev, o piadista jovial, simbolizava bem esse "degelo".
A "desestalinização" enchia o mundo de brisas de primavera.
Com este fundo de
quadro, era fácil fazer crer que a era das perseguições religiosas
cessara na Rússia.
E daí
a apertar a mão que a I.O. de Sérgio estendia, havia um só passo.
Este passo, muita
gente inteligente, culta, experimentada e influente do Mundo livre o
quis dar.
Em 1962 reuniu-se em
São Pedro de Roma, o Concílio mais numeroso da História. Para ele
João
XXIII convidara observadores de todos os cultos, entre os quais os da I.O. pró-comunista.
Segundo constou
largamente naquela ocasião, a condição imposta por esta I.O. para que
se dignasse aceitar o convite, era que na Sala Conciliar fosse proibido
qualquer ataque ao comunismo, e que o Concílio Vaticano II se abstivesse
de dizer contra este qualquer palavra.
Não conheço provas
concretas de que essa imposição tenha sido formulada. Mas o fato é que,
no tocante ao comunismo, tudo se passou assim...