26 de setembro de 1971
Autodemolição,
instrumento de lavagem cerebral
Chegar a seus
objetivos do modo mais completo, rápido e direto possível, é a
preocupação de todo homem sério e sensato. Assim — pondo sua seriedade e
sua sensatez operacionais ao inteiro serviço de seus objetivos errôneos
e iníquos — os comunistas russos de 1917 visaram extirpar a Religião
pelos métodos mais violentos e diretos. Alguns passos dados nessa
direção os convenceram rapidamente de que desta forma chegariam,
entretanto, a um resultado oposto. As convicções religiosas da
esmagadora maioria dos russos, traumatizadas pela violência dos
sem-Deus, se transformaram desde logo num formidável potencial de
descontentamento. E esse descontentamento, os "russos brancos" —
adversários do regime — desde o início da crise religiosa começaram a
utilizá-lo em proveito próprio.
Para os soviéticos,
importava no mais alto grau evitar que tal acontecesse. O objetivo da
política por eles seguida tomou, assim, um matiz peculiar. Este matiz,
aliás, se acentuaria cada vez mais no curso dos acontecimentos, a ponto
de ser, em nossos dias, a grande característica da política interna e
externa do Kremlin. O objetivo continuava a ser a destruição das
convicções religiosas do povo. Mas o meio principal consistiu, de então
em diante, em engajar as várias estruturas eclesiásticas num processo de autodemolição.
Para arrancar a fé da
alma popular — pensava-se com razão no Kremlin — a mão brutal e estúpida
do sem-Deus é incomparavelmente menos eficiente do que a mão ungida,
macia, jeitosa, do mau bispo, do mau padre, da freira degradada.
Paralelamente,
ninguém é mais eficiente para a propaganda do comunismo do que as
pessoas consagradas a Cristo, quando se entregam à prevaricação. Se a
Passionária ou Ana Pauker tivessem tido a esperteza de se fazerem
freiras, teriam sido incomparavelmente mais úteis ao comunismo do que no
papel de viragos vermelhas.
Uma vez assentado que
o futuro do ateísmo estaria na autodemolição das Igrejas, os supremos
senhores do comunismo só tinham diante de si um problema: como detectar
ou "fabricar", nas várias estruturas eclesiásticas da Rússia de então (greco-cismática,
católico-romana, protestante etc.), os bispos, os padres, os monges e as
freiras, que se incumbissem do sinistro mister de matar a Jesus Cristo
nas almas. Investigações policiais jeitosas, contatos disfarçados com
poltrões ou ambiciosos, prepararam logo os agentes da autodemolição.
Uma lavagem cerebral
sabiamente executada através de compressões e descompressões produziria
a seguir resultados espetaculares na Igreja largamente majoritária, que
era e é, na Rússia, a greco-cismática.
Estudamos, no último artigo, o início deste processo na I.O. (assim
designamos, para maior brevidade, a "Igreja Ortodoxa" russa).
Era ele feito de sucessivas compressões e descompressões.
As compressões
começaram pela implantação de um clima de graves ameaças, confirmadas de
quando em quando por ondas de efetiva perseguição religiosa: céu plúmbeo
e sem a menor réstia azul, no qual ribombavam continuamente trovoadas, e
de onde caíam de quando em quando chuvas de raios sobre os homens
aterrados.
As descompressões
eram efetuadas, em seguida, por meio de sorrisos, promessas de segurança
e apoio financeiro, e até mesmo de polpudas vantagens, tudo em favor de
eclesiásticos da I.O. que consentissem em fazer o jogo comunista. Este
jogo consistia em pregar o comunismo na I.O., em atacar, isolar e
desmoralizar os eclesiásticos que permanecessem fiéis à posição
anticomunista, em dividir, assim, a infeliz I.O. em várias correntes
antagônicas, e em espalhar, por esta forma, entre os leigos, a confusão,
o cansaço, o desespero. Levados os leigos ao ponto máximo do
desacoroçôo, a lavagem cerebral tinha atingido o seu fim: eles
começariam a duvidar, e escorregariam da dúvida para a negação.
Como se verá, a
lavagem cerebral assim feita por meio da autodemolição, produziu
resultados espetaculares. Ninguém se iluda a este respeito. Sem a
manipulação da I.O. pelo comunismo, vão teria sido o êxito deste na
conquista do Estado. Foi criando uma crise religiosa nas entranhas da I.
O., que o comunismo venceu.
Vimos no artigo
anterior como se desenvolveram os primeiros passos do processo pelo qual
o comunismo levou a I.O. à autodemolição. O "patriarca" Thycon, durante
alguns momentos fez um papel glorioso, à maneira do que tem sido em
nossos dias o cardeal Mindszenty. Na pessoa de Thycon, a I.O. se
apresentava resplandecente, nas refulgências do martírio próximo. Em
todos os meios religiosos da Rússia, as convicções se reafervoravam, os
entusiasmos se inflamavam e o descontentamento estava prestes a se
transformar em guerra santa. Era o momento ideal para Lenine. Por meio
de descompressões, ele soube transformar todo esse esplendor numa
vergonheira!
Para isto, o ditador
vermelho lançou uma oportuna manobra de descompressão em 1919. Anunciou
ele que não queria "ferir os sentimentos religiosos do povo". Permitiu a
reabertura do ensino religioso nos institutos teológicos e franqueou as
ruas para a realização de procissões religiosas. O fruto que ele colheu
de tão magras concessões foi imediato. Thycon declarou que se o
comunismo cessasse seus ataques à I.O., esta deixaria de hostilizar o
regime. E emitiu uma publicação oficial, recomendando que os membros da
I.O. deixassem de apoiar os russos brancos. A partir deste momento,
estavam divididos os inimigos do comunismo.
Por sua vez, a I.O.
foi trincada por manobras comunistas. Três bispos lacaios do Kremlin,
Sérgio, Antonin e Leonid, acusaram Thycon de não ter feito suficientes
concessões aos soviéticos. Thycon queria manter-se mais ou menos neutro
entre anticomunistas e comunistas. Os três bispos-lacaios reivindicavam
para a I. O. uma atitude mais radical, i. é, de decidido apoio ao
comunismo. Como não foram ouvidos por Thycon, fundaram uma ala
dissidente que viria a constituir a futura "Igreja Viva".
Depois de divididos e
subdivididos os adversários, Lenine passou a uma nova compressão. Deu-se
isto em 1921. Sob pretexto de atender aos famintos, o governo soviético
decretou o confisco de todos os objetos preciosos que se encontravam nas
igrejas da I. O. Thycon cedeu, ressalvando timidamente os objetos
históricos ou de caráter estritamente sagrado. Os bispos pró-comunistas,
considerando sem dúvida que o esplendor do culto era incompatível com o
regime, protestaram. Aprofundou-se, assim, a cisão na I.O.
Lenine mandou então
prender Thycon e iniciar processos criminais contra os eclesiásticos que
se recusavam a entregar aos sem-Deus os objetos sagrados. A pena
solicitada era a de morte. A fim de enxovalhar a I. O., o bispo Antonin
a mando dos soviéticos, compareceu como testemunha contrária a
sacerdotes fiéis. Ele os empurrava assim para a morte. A infâmia da
"Igreja Viva" não parou nisto. Enviou uma delegação ao Mosteiro da
Trindade, onde Thycon estava preso e incomunicável.
Todas
as barreiras se abriram diante dos visitantes, por ordem do governo.
A delegação
pedia que Thycon renunciasse. Esse último, sempre tímido, cedeu. Nomeou
ele mesmo um substituto interino, o metropolita Agatangelo. Pouco
depois, Thycon — talvez sob torturas — assinou um documento de apoio ao
comunismo, e de condenação do anticomunismo. Isto não bastou. O pobre
miserável morreu pouco depois, em condições misteriosas. A pressão,
entretanto, continuava. Sob o peso dela, a I.O. cindiu-se em dois
fragmentos: a Igreja "thyconiana", que continuou a ser perseguida, e
a
Igreja não "thyconiana", explicitamente pró-comunista. Esta última se
subdividiu, por sua vez, em três fragmentos: a "Igreja Viva", a "Igreja
Renovada" e a "União das Comunidades Apostólicas".
Não se julgue que
estas cisões na Igrejas esquerdistas debilitavam o jogo do Kremlin.
Muito pelo contrário, estavam em seu programa. A missão delas era de se
matarem a si mesmas, já que a autodemolição das Igrejas era o objetivo
do Kremlin. E a autodivisão é meio possante da autodemolição.
Para as Igrejas não
thyconianas, a compressão cessou imediatamente. A Igreja thyconiana
sofreu, por sua vez, um processo interno, que redundou em uma completa
capitulação. Severamente perseguida, acabou ela — na pessoa do
metropolita Sérgio, sucessor de Agatangelo e substituto interino do
falecido Thycon — por aderir oficialmente ao comunismo e por fulminar
uma condenação ao anticomunismo. Deu-se isto em 1927, por ocasião do
décimo aniversário da ascensão do comunismo ao poder.
Assim, em 10 anos, a
vergonheira tinha triunfado. E os eclesiásticos tinham destruído pela autodemolição a Igreja a que pertenciam.
A
política anti-religiosa do Kremlin brilhava com a luz de todas as
vitórias. Pois melhor é ter aos pés um adversário agonizante, que se
degradou e autodemoliu, do que um adversário que aceitou nobremente um
martírio heróico.
Em nossos dias, a I.O. autodemolidora vai continuando a
devorar o que resta da Religião entre os "ortodoxos", como um câncer
devora o corpo.
À testa dessa
hierarquia-câncer está o "patriarca" Pimen, a quem, em tão triste hora,
o ilustre sucessor de Santo Inácio visitou!