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Plinio Corrêa de Oliveira
Artigos na "Folha de S. Paulo" |
Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias |
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s problemas diante dos quais se viram os chefes da Revolução russa triunfante eram — em matéria de culto — os mesmos com que o comunismo se defronta em todos os países de esmagadora maioria religiosa. Isto torna particularmente interessante para o público brasileiro o estudo das urdiduras e dos manejos do Kremlin. Apresentarei o "status questionis" como ele se esboçava na Rússia para os sem-Deus em 1917, ano da queda do regime imperial. E, em seguida, indicarei os métodos adotados pelos comunistas em sua política persecutória. Toca ao leitor tirar a limpo que diversidades e que analogias encontra entre os problemas russos e os nossos. Bem como se os métodos soviéticos já estão sendo aplicados entre nós, e em que medida... * * * Entro desde logo no "status questionis". Em princípio, a solução ideal para os comunistas russos de 1917 teria consistido em eliminar sumariamente as diversas religiões existentes no antigo império dos tzares. A esse resultado poder-se-ia chegar, em tese, por uma imensa propaganda atéia, complementada pelo morticínio maciço dos que se recusassem a renegar formalmente a Deus. Digo "em tese"... Na prática, este plano simplista se mostrava — já à primeira vista — inteiramente inaplicável. Além de minorias católicas, protestantes e pagãs, a Rússia contava com uma imensa maioria greco-cismática. A Igreja dita "ortodoxa", a que se filiava essa maioria, deitara no país as raízes mais profundas. Por suas relações íntimas e milenares com a Monarquia, bem como com todas as instituições públicas e privadas do país, por seu imenso papel histórico, por sua influência profunda na cultura, na mentalidade e nos costumes da população, a "Igreja Ortodoxa" não podia ser extirpada de um só golpe, da alma tão religiosa dos russos. Na verdade, nem mesmo em um século inteiro de propaganda atéia, tal resultado seria atingível. Quanto à política de matanças, não teria, só por si, outro efeito senão levantar o povo ao lado dos "russos brancos" (anticomunistas), que então lutavam no país de armas na mão. Nessas condições, tratava-se, para os soviéticos, de seguir uma política diversa, isto é, agir sobre a maioria irredutivelmente religiosa do povo russo, infiltrando-a, enfraquecendo-a, dividindo-a, degradando-a, arrastando-a para o caos, e assim aniquilando-a. Em outros termos, era uma colossal operação de lavagem cerebral, que a situação pedia. Enfraquecida desse modo a religiosidade do povo, seria menos difícil encaminhá-lo, passo a passo, para o indiferentismo religioso, e por fim para o ateísmo. Aliás, essa lavagem de cérebro abria caminho para possibilidade ainda mais ambiciosa, isto é, transformar o que restasse das várias Igrejas existentes na Rússia, em instrumentos da política interna e externa do Kremlin. É o que manda o inexorável princípio marxista, segundo o qual tudo quanto o comunismo não possa destruir, deve ser posto sem reservas ao serviço dele. * * * Passemos agora ao processo pelo qual essa finalidade se alcançou. Consistiu ele, fundamentalmente, no emprego simultâneo de dois recursos: 1) uma política de pressão e descompressão, destinada a inspirar na massa religiosa, e mais especialmente ainda entre os hierarcas eclesiásticos, sentimentos alternados de pânico e simpatia; 2) a infiltração de elementos comunistizantes em vários cargos da hierarquia eclesiástica: a tais agentes caberia explorar, dentro dos próprios meios religiosos, quer nas horas críticas de compressão e medo, quer nas horas suaves e anestesiantes de descompressão e simpatia, tudo com o fito de levar à capitulação, blocos inteiros das várias estruturas religiosas. Tal capitulação — insisto — não consistia só em afundar no desânimo e no indiferentismo religioso. Ela visava "fabricar" esta coisa monstruosa, que é uma igreja inspirada por ateus, governada por ateus, e posta por eles a serviço da propaganda do ateísmo. Algo de disparatado e hediondo como a escola dos teólogos ocidentais modernos que pregam a "morte de Deus". Para que o leitor compreenda tudo, basta agora narrar-lhe como se passaram os fatos. Focalizarei exclusivamente a Igreja greco-cismática, dita "ortodoxa", não só pelo seu papel preponderante na vida russa, como porque nela o processo que acabo de descrever foi aplicado inteiramente, e com êxitos espetaculares. O que serve sobremaneira à compreensão teórica dos métodos de perseguição religiosa empregados pelos comunistas. Para maior brevidade, referir-me-ei à "Igreja Ortodoxa" simplesmente com as suas iniciais I.O. Primeira fase: descompressão. — Kerensky, precursor e joguete dos comunistas, favorece a I.O.: a) permite a reunião de um concílio; b) refaz a unidade da I.O., restabelecendo o patriarcado de Moscou, supresso pela monarquia há duzentos anos. Encorajado por esses favores, o novo patriarca Thycon, induz o concílio a aprovar uma verdadeira excomunhão contra os comunistas, que entrementes haviam subido ao poder. Segunda fase: compressão. — A situação é ideal para Lenine, que pode perseguir a I.O., não com ares de quem ataca mas de quem se defende. Assim, o governo soviético revida a excomunhão separando a Igreja do Estado e proibindo todo e qualquer ensino religioso. Ainda desta vez Thycon se mostra corajoso. Ordena preces, jejuns e procissões. Choques entre os sem-Deus e a população se produzem por toda parte. A ameaça de uma imensa perseguição religiosa paira como uma nuvem negra sobre as imensas vastidões do país. Em todos os meios religiosos o heroísmo se inflama, a aspiração à luta e ao martírio se propaga. A fase heróica da luta da I.O. atinge seu zênite. Neste momento, e muito maquiavelicamente, Lenine frustra todos esses ímpetos admiráveis, lançando mão de uma política de descompressão aliciante. O estratagema, empregado com inteiro acerto, produziu seus frutos. A história da I.O., com exceção do minguado filão da "Igreja do Silêncio", passará a ser, daí por diante, uma vergonheira. É o que veremos, Deo volente, no próximo artigo. |