Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Bookmark and Share

7 de fevereiro de 1971

Dissecando o avestruz

Quero hoje dissecar o avestruz em sua psicologia.

Afirmei, em meu último artigo, que o grande perigo, para o Brasil, como aliás para as demais nações sul-americanas, não está propriamente no comunismo, porém, no "avestruzismo". Em outros termos, os povos de formação lusa ou hispânica se têm mostrado, em geral, pouco receptivos para a pregação comunista. Não é, pois, pela conquista ideológica que eles podem ser subjugados por Moscou ou Pequim. A conquista por pressão militar, vinda de fora para dentro, também parece irrealizável, no momento. Para o mundo comunista, só resta, então, um meio de nos dominar. Consiste em aplicar contra nós o princípio enunciado por Clausewitz, o grande teórico da guerra moderna: para vencer um povo, não é sempre necessário destruí-lo fisicamente; basta, em geral, tirar-lhe a vontade de lutar.

Assim, tudo quanto alimente, num povo, o propósito de resistir e vencer, é um fator de vitória. Tudo quanto nele diminua o espírito de luta, constitui um fator de derrota.

Ora, o avestruzismo é, por definição, um estado de espírito infenso à luta. Os setores de opinião dominados pelo avestruzismo são, pois, o ponto fraco de um país, a zona mental própria a ser penetrada e explorada pelo adversário, para arrastar a vítima à derrota e à capitulação.

Assim, todo país que deseja preservar sua existência independente tem de combater o avestruzismo.

Não há como resistir à lógica deste raciocínio...

* * *

Servindo-me das palavras de Churchill, defini, em meu último artigo, o "avestruzismo" como o estado de espírito dos que, tendo a escolher entre a vergonha e a luta, optam pela vergonha e acabam por ter de aceitar a luta. A luta, acrescento, e a pior das lutas, isto é, aquela que se aceita sem entusiasmo, se conduz sem valor, e por isto desfecha em uma derrota sem glória. Pois outra forma de combater não se pode esperar de quem detesta a luta a ponto de lhe preferir a vergonha. Se Chamberlain e Daladier — os homens de Munique, os avestruzes por excelência — tivessem tido que conduzir a guerra contra o "eixo", esta última teria terminado, para a França e a Inglaterra, em uma vergonheira. Foi porque Churchill e de Gaulle tomaram em mãos a reação, que esse desfecho se evitou. Ora, Churchill e de Gaulle tiveram defeitos não pequenos. Mas eram precisamente o contrário de avestruzes...

* * *

Por que viceja, em um país, o avestruzismo? A pergunta importa no mais alto grau. Pois todo efeito só se combate decisivamente quando se fazem cessar as causas de que ele resulta. E é só pelo conhecimento das causas do avestruzismo, que se pode eliminar este sumo perigo.

À primeira vista, dir-se-ia que o avestruz é um otimista. E que, corrigindo-se-lhe o otimismo, qualquer avestruz pode transformar-se em um excelente patriota.

A meu ver, a psicologia do avestruz não é assim tão simples. O homem que fecha os olhos ao perigo claro, evidente, palpável, não se deixa apenas iludir por um defeito de visão. Não se pode dizer que ele não consegue ver o risco, mas que ele não o quer ver. Há, pois, na raiz do avestruzismo, muito menos um defeito de ótica mental, do que um defeito de vontade. E é este defeito de vontade, que se trata de explicitar. Não pelo mero desejo de atormentar o infeliz avestruz. Mas pelo empenho em ajudá-lo a descobrir a causa de seu otimismo censurável, a se corrigir dele, e a se transformar, assim, em lutador válido.

* * *

O avestruz do século XX tem, como todos os que o antecederam e se lhe seguirão no longo e triste cortejo dos avestruzes através da História, um traço comum. Ele é fundamentalmente um egoísta. Esse egoísmo se concretiza, porém, de modo peculiar nos avestruzes de cada época. E nos de nossos dias, ele se caracteriza pela seguinte concepção das coisas:

a) a única razão da vida é, para o homem, a felicidade terrena;

b) essa felicidade, o homem a pode obter, larga e inteiramente, pela utilização dos frutos do desenvolvimento;

c) assim, toda nação é fundamentalmente uma grande empresa, à qual incumbe promover, organizar o desenvolvimento e distribuir-lhe os frutos;

d) e como, dentre esses frutos, os mais indispensáveis são os que integram a prosperidade material, sem a qual a cultura é uma palavra vã, o fim mais importante da nação-empresa é o progresso material, ou seja, a promoção da saúde, do trabalho, da riqueza, do lazer e do prazer.

A partir deste amálgama de meias-verdades, contra-verdades e de erros flagrantes, no qual, ademais, a hierarquia dos valores está às avessas, o resultado é que todas as atividades da nação-empresa devem ser vistas como se vêem um negócio. — Dá lucro? Aceita-se. — Dá prejuízo? Rejeita-se. E, em conseqüência, a guerra, ela mesma, também deve ser vista assim. — É bom negócio? Viva a guerra! — É mau negócio? Morra a guerra!

A partir desta perspectiva, a guerra moderna é sempre um péssimo negócio. Pois implica em padecimentos, destruições e prejuízos que nenhum resultado material pode compensar. Logo — sempre nesta lógica do erro — é preciso comprar a paz a qualquer preço. Ainda que a honra, a independência e a Fé pereçam, é preciso evitar a guerra. Pois, para nação-empresa, como para toda empresa, o fito não é a honra, nem a independência, nem muito menos a Fé: é o lucro.

Ora, reflete o avestruz — em geral no subconsciente — a obstinada resistência ideológica do Ocidente ao comunismo conduz, inevitavelmente, os comunistas à subversão, à guerrilha, até à guerra. Pois eles percebem que, de outro modo, não podem impor a aceitação de seu credo incréu. Assim, para o avestruz, o melhor é silenciar a resistência ideológica, enfiar a cabeça na areia, gozar o momento presente, e ir permitindo que, passo a passo, o perigo comunista se avolume e se aproxime. No fim, pensa o avestruz, chegar-se-á com o comunismo (talvez depois de uma guerra pró-forma e um derrota sem-cerimônia) a um cambalacho em que este vença, e o avestruz conserve sua existência. E quiçá até algumas de suas penas. De qualquer forma, o avestruz terá evitado a destruição maciça, que é o pior dos negócios.

- Mas, objetará alguém ao avestruz, não seria lícito opor ao adversário uma resistência em legítima defesa?

- Lícito, redargüirá o avestruz, não sei. O que me importa é a lucratividade. E lucro a guerra não dá...

* * *

Enquanto o avestruz faz assim os seus cálculos, do outro lado da cortina de ferro se aperfeiçoam os métodos de propaganda ideológica, se avolumam os exércitos e os armamentos de potências e superpotências dominadas por uma seita fanática, cujos membros nenhum valor dão à vida, nem aos regalos do desenvolvimento e do progresso, mas só ao triunfo do igualitarismo integral. E, na América do Sul, se vão multiplicando as nações incorporadas pela propaganda e pela política a esse moloch conquistador.

Se, na América do Sul na hora decisiva, os avestruzes exercerem influência sobre as lideranças políticas dos vários países ainda livres, os organismos diretivos da Igreja e as lideranças da opinião pública e da economia (dispenso-me de falar das lideranças militares; a classe militar é, por tradição, formação e missão, antiavestruz), o que acontecerá?

- O inevitável. Um dia, os fanáticos do igualitarismo comunista exigirão tudo sob a ameaça de destruir tudo. Então, ainda os avestruzes, que agora "não vêem" o perigo, tirarão a cabeça de dentro do monte de areia, abrirão grandes olhos espantados e ponderarão: "Está tudo perdido, é mau negócio resistir".

E então, por fim, tranqüilamente entregarão tudo, exigindo ainda que se lhes preste homenagem pela sensatez da capitulação.

- Está bem claro, leitor, o processo pelo qual o avestruzismo prepara a derrota? Sim, a derrota mencionada por Clausewitz, na qual um adversário conquista tudo, sem desfechar um tiro sequer, só por ter destruído na outra parte a vontade de lutar.

- E as forças armadas? Perguntará alguém. — Como esperar delas, respondo, a vitória sobre um inimigo externo poderoso e decidido, se contra elas se levantar uma nação desvairada por lideranças gangrenadas pelo avestruzismo?

- Mas, enfim, dir-me-á o leitor, o senhor não quer a paz? O senhor é, então, a favor da guerra?

- Em matéria de guerra, só quero a legítima defesa.

Quanto à paz, que Santo Agostinho definiu como a tranqüilidade da ordem, tenho-a em conta de um bem inapreciável. Dela disse Nosso Senhor Jesus Cristo: "Eu vos deixo a minha paz. Eu vos dou a minha paz" (São João, 14, 27). É a paz de Cristo no Reino de Cristo. Amo-a, pois, de todo o coração.

E por isto detesto, também de todo o coração, o contrário dela: a tranqüilidade da vergonha sob a vara de ferro da impiedade.


Bookmark and Share