7 de
fevereiro de 1971
Dissecando o avestruz
Quero
hoje dissecar o avestruz em sua psicologia.
Afirmei, em
meu último artigo, que o
grande perigo, para o Brasil, como
aliás para as demais nações sul-americanas, não está propriamente no
comunismo, porém, no "avestruzismo". Em outros termos, os povos de
formação lusa ou hispânica se têm mostrado, em geral, pouco receptivos
para a pregação comunista. Não é, pois, pela conquista ideológica que
eles podem ser subjugados por Moscou ou Pequim. A conquista por pressão
militar, vinda de fora para dentro, também parece irrealizável, no
momento. Para o mundo comunista, só resta, então, um meio de nos
dominar. Consiste em aplicar contra nós o princípio enunciado por Clausewitz, o grande teórico da guerra moderna: para vencer um povo, não
é sempre necessário destruí-lo fisicamente; basta, em geral, tirar-lhe a
vontade de lutar.
Assim, tudo quanto alimente, num povo, o propósito de resistir e vencer,
é um fator de vitória. Tudo quanto nele diminua o espírito de luta,
constitui um fator de derrota.
Ora,
o avestruzismo é, por definição, um estado de espírito infenso à luta.
Os setores de opinião dominados pelo avestruzismo são, pois, o ponto
fraco de um país, a zona mental própria a ser penetrada e explorada pelo
adversário, para arrastar a vítima à derrota e à capitulação.
Assim, todo país que deseja preservar sua existência independente tem de
combater o avestruzismo.
Não
há como resistir à lógica deste raciocínio...
* * *
Servindo-me das palavras de Churchill, defini, em meu último artigo, o
"avestruzismo"
como o estado de espírito dos que, tendo a escolher entre a vergonha e a
luta, optam pela vergonha e acabam por ter de aceitar a luta. A luta,
acrescento, e a pior das lutas, isto é, aquela que se aceita sem
entusiasmo, se conduz sem valor, e por isto desfecha em uma derrota sem
glória. Pois outra forma de combater não se pode esperar de quem detesta
a luta a ponto de lhe preferir a vergonha. Se Chamberlain e Daladier —
os homens de Munique, os avestruzes por excelência — tivessem tido que
conduzir a guerra contra o "eixo", esta última teria terminado, para a
França e a Inglaterra, em uma vergonheira. Foi porque Churchill e de
Gaulle tomaram em mãos a reação, que esse desfecho se evitou. Ora,
Churchill e de Gaulle tiveram defeitos não pequenos. Mas eram
precisamente o contrário de avestruzes...
* * *
Por
que viceja, em um país, o avestruzismo? A pergunta importa no mais alto
grau. Pois todo efeito só se combate decisivamente quando se fazem
cessar as causas de que ele resulta. E é só pelo conhecimento das causas
do avestruzismo, que se pode eliminar este sumo perigo.
À
primeira vista, dir-se-ia que o avestruz é um otimista. E que,
corrigindo-se-lhe o otimismo, qualquer avestruz pode transformar-se em
um excelente patriota.
A meu
ver, a psicologia do avestruz não é assim tão simples. O homem que fecha
os olhos ao perigo claro, evidente, palpável, não se deixa apenas iludir
por um defeito de visão. Não se pode dizer que ele não consegue ver o
risco, mas que ele não o quer ver. Há, pois, na raiz do avestruzismo,
muito menos um defeito de ótica mental, do que um defeito de vontade. E
é este defeito de vontade, que se trata de explicitar. Não pelo mero
desejo de atormentar o infeliz avestruz. Mas pelo empenho em ajudá-lo a
descobrir a causa de seu otimismo censurável, a se corrigir dele, e a se
transformar, assim, em lutador válido.
* * *
O
avestruz do século XX tem, como todos os que o antecederam e se lhe
seguirão no longo e triste cortejo dos avestruzes através da História,
um traço comum. Ele é fundamentalmente um egoísta. Esse egoísmo se
concretiza, porém, de modo peculiar nos avestruzes de cada época. E nos
de nossos dias, ele se caracteriza pela seguinte concepção das coisas:
a) a
única razão da vida é, para o homem, a felicidade terrena;
b)
essa felicidade, o homem a pode obter, larga e inteiramente, pela
utilização dos frutos do desenvolvimento;
c)
assim, toda nação é fundamentalmente uma grande empresa, à qual incumbe
promover, organizar o desenvolvimento e distribuir-lhe os frutos;
d) e
como, dentre esses frutos, os mais indispensáveis são os que integram a
prosperidade material, sem a qual a cultura é uma palavra vã, o fim mais
importante da nação-empresa é o progresso material, ou seja, a promoção
da saúde, do trabalho, da riqueza, do lazer e do prazer.
A
partir deste amálgama de meias-verdades, contra-verdades e de erros
flagrantes, no qual, ademais, a hierarquia dos valores está às avessas,
o resultado é que todas as atividades da nação-empresa devem ser vistas
como se vêem um negócio. — Dá lucro? Aceita-se. — Dá prejuízo?
Rejeita-se. E, em conseqüência, a guerra, ela mesma, também deve ser
vista assim. — É bom negócio? Viva a guerra! — É mau negócio? Morra a
guerra!
A
partir desta perspectiva, a guerra moderna é sempre um péssimo negócio.
Pois implica em padecimentos, destruições e prejuízos que nenhum
resultado material pode compensar. Logo — sempre nesta lógica do erro —
é preciso comprar a paz a qualquer preço. Ainda que a honra, a
independência e a Fé pereçam, é preciso evitar a guerra. Pois, para
nação-empresa, como para toda empresa, o fito não é a honra, nem a
independência, nem muito menos a Fé: é o lucro.
Ora,
reflete o avestruz — em geral no subconsciente — a obstinada resistência
ideológica do Ocidente ao comunismo conduz, inevitavelmente, os
comunistas à subversão, à guerrilha, até à guerra. Pois eles percebem
que, de outro modo, não podem impor a aceitação de seu credo incréu.
Assim, para o avestruz, o melhor é silenciar a resistência ideológica,
enfiar a cabeça na areia, gozar o momento presente, e ir permitindo que,
passo a passo, o perigo comunista se avolume e se aproxime. No fim,
pensa o avestruz, chegar-se-á com o comunismo (talvez depois de uma
guerra pró-forma e um derrota sem-cerimônia) a um cambalacho em que este
vença, e o avestruz conserve sua existência. E quiçá até algumas de suas
penas. De qualquer forma, o avestruz terá evitado a destruição maciça,
que é o pior dos negócios.
-
Mas, objetará alguém ao avestruz, não seria lícito opor ao adversário
uma resistência em legítima defesa?
-
Lícito, redargüirá o avestruz, não sei. O que me importa é a
lucratividade. E lucro a guerra não dá...
* * *
Enquanto o avestruz faz assim os seus cálculos, do outro lado da cortina
de ferro se aperfeiçoam os métodos de propaganda ideológica, se avolumam
os exércitos e os armamentos de potências e superpotências dominadas por
uma seita fanática, cujos membros nenhum valor dão à vida, nem aos
regalos do desenvolvimento e do progresso, mas só ao triunfo do
igualitarismo integral. E, na América do Sul, se vão multiplicando as
nações incorporadas pela propaganda e pela política a esse moloch
conquistador.
Se,
na América do Sul na hora decisiva, os avestruzes exercerem influência
sobre as lideranças políticas dos vários países ainda livres, os
organismos diretivos da Igreja e as lideranças da opinião pública e da
economia (dispenso-me de falar das lideranças militares; a classe
militar é, por tradição, formação e missão, antiavestruz), o que
acontecerá?
- O
inevitável. Um dia, os fanáticos do igualitarismo comunista exigirão
tudo sob a ameaça de destruir tudo. Então, ainda os avestruzes, que
agora "não vêem" o perigo, tirarão a cabeça de dentro do monte de areia,
abrirão grandes olhos espantados e ponderarão: "Está tudo perdido, é mau
negócio resistir".
E
então, por fim, tranqüilamente entregarão tudo, exigindo ainda que se
lhes preste homenagem pela sensatez da capitulação.
-
Está bem claro, leitor, o processo pelo qual o avestruzismo prepara a
derrota? Sim, a derrota mencionada por Clausewitz, na qual um adversário
conquista tudo, sem desfechar um tiro sequer, só por ter destruído na
outra parte a vontade de lutar.
- E
as forças armadas? Perguntará alguém. — Como esperar delas, respondo, a
vitória sobre um inimigo externo poderoso e decidido, se contra elas se
levantar uma nação desvairada por lideranças gangrenadas pelo avestruzismo?
-
Mas, enfim, dir-me-á o leitor, o senhor não quer a paz? O senhor é,
então, a favor da guerra?
- Em
matéria de guerra, só quero a legítima defesa.
Quanto à paz, que Santo Agostinho definiu como a tranqüilidade da ordem,
tenho-a em conta de um bem inapreciável. Dela disse Nosso Senhor Jesus
Cristo: "Eu vos deixo a minha paz. Eu vos dou a minha paz" (São João,
14, 27). É a paz de Cristo no Reino de Cristo. Amo-a, pois, de todo o
coração.
E por
isto detesto, também de todo o coração, o contrário dela: a
tranqüilidade da vergonha sob a vara de ferro da impiedade.