Janeiro de 1979 - Almoço oferecido
pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e
Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do
diretor do jornal, Octávio Frias
2 de
agosto de 1970
Indecisos, talvez; neutros, jamais
Examinamos, no domingo passado, um aspecto curioso da mentalidade do
pedecista. Na aparência, é ele um indeciso entre a direita e a esquerda,
e portanto um contemporizador teimoso de quantos conflitos ideológicos
encontre no caminho, e um entusiasta incondicional da paz a todo preço.
Entretanto, erraria quem confundisse essa indecisão com neutralidade. O
equilibrismo pedecista, embora se enuncie, em geral, em termos de um
neutralismo abstrato, quando transposto para a prática produz
sistematicamente vantagens para a esquerda. É o que se observa em todas
as escalas, na individual como na partidária, e até na internacional.
Assim, se um comunista entra em discussão com um anticomunista em
presença de um demo-cristão, a atitude deste último comportará
habitualmente três etapas:
a —
De início, o pedecista se dirá neutro, praticando na discussão algumas
rápidas intervenções para apoiar ora um, ora outro;
b — A
partir do momento em que a discussão se acalore, o pedecista começará a
recomendar concórdia a ambas as partes, e a falar contra a
radicalização;
c —
Algum tempo depois, o pedecista começa a dar mostras de tédio, de
agastamento e até de irritação face à discórdia. A paz, que há pouco ele
se limitava a sugerir, começa agora a querer impô-la. E, para isto, tem
o pedecista uma fórmula, que é sempre (note o leitor, digo sempre)
a mesma: recomendar ao anticomunista que faça algumas concessões para
aplacar o comunista.
Insisto para me tornar ainda mais claro. O pedecista, sempre que quer
impor a paz, sugere um acordo no qual os anticomunistas cedem terreno
aos comunistas. Não conheço, ou pelo menos não me lembro, de um só caso
em que se dê o contrário, isto é, em que o pedecista recomende aos
comunistas que façam alguma concessão para acalmar os anticomunistas.
Como
se vê, a indecisão pedecista termina sempre por uma ajuda para a
esquerda inclusive a esquerda mais radical.
E,
sem embargo disto, ninguém se mostra mais ufano do que o pedecista
quando tonitroa contra as radicalizações. Não seria ele mais coerente se
falasse apenas contra uma das radicalizações, isto é a da direita?
* * *
Qual
a razão dessa incoerência? Evidentemente, neste ou naquele pedecista ela
não passará de politicagem astuta e consciente, movida pelo desejo de
ganhar os aplausos das superpotentes máquinas publicitárias da esquerda.
Na indiscutível maioria dos casos, creio entretanto que a razão dessa
incoerência é bem outra.
O
pedecista, o mais das vezes, é um ente atormentado por uma cisão
interior. Pulsam nele simpatias profundas, mas inconfessadas, pelo
comunismo. Mas, ao mesmo tempo, suas convicções de superfície, seus
hábitos, suas relações, quiçá seus interesses, o prendem ao campo não
comunista. Ele sente que, se a si próprio se confessasse pró-comunista,
teria mil rupturas dolorosas a fazer. De outro lado, porém, se ele
extirpasse de si as tendências pró-comunistas, seria obrigado a
renunciar a devaneios, a utopias, a quimeras que lhe estão no mais fundo
da alma. Então, o que faz? Procura persuadir-se de que é neutro. Procura
igualmente persuadir de sua neutralidade aos circunstantes. Mas, como é
natural, essa neutralidade de superfície só produz frutos superficiais.
Na aparência, a conduta do pedecista é realmente de um neutro... Como,
porém, nas profundidades recônditas de sua alma, o que há é só simpatia
para a esquerda, os resultados de sua conduta, se analisados a fundo, se
revelam sempre favoráveis à esquerda.
O
pedecista é um indeciso de fachada. Um esquerdista de coração. Um neutro
autêntico, ele não o é jamais.
Esta
atitude de um pedecista individualmente considerado, a DC como um todo a
repete em escala maior, isto é, na luta entre as diversas correntes
ideológicas ou partidos políticos. Entre grupos anticomunistas e
prócomunistas. A Democracia Cristã atuará com a mesma neutralidade
aparente, a mesma fobia profunda contra o anticomunismo e a mesma
simpatia pelo comunismo, que caracteriza o pedecista em confronto com o
pró e o antiesquerdista.
E, na
escala internacional, análoga é a política preconizada por todos os PDCs
na pendência entre o Oriente comunista e o Ocidente anticomunista. É a
política do "Terceiro Mundo".
* * *
Enquanto o pedecismo pôde fazer crer em sua neutralidade, atraiu muitas
simpatias. À medida que a repetição dessas tomadas de posição
pró-esquerdistas foram comprometendo essa imagem neutralista, a
influência do pedecismo se foi desgastando.
Com
isto, o pedecismo já não é o ponto de convergência de toda a vasta
família de almas dos ultra-esquerdistas (ou dos comunistas)
subconscientes. Andam eles pois esparsos de cá e de lá, alinhados como
podem, em correntes políticas liberal-democráticas ou em organizações
mais ou menos progressistas. No caos do mundo moderno, vê-se até por
vezes algum pedecista de alma, a sonhar com um regime militar mais ou
menos nasseriano, isto é, que ponha os comunistas e os socialistas no
xadrez... e depois, ao rufar de tambores dos desfiles anticomunistas,
imponha as modificações de estrutura mais esquerdistas. Modificações que
os socialistas saúdam então, à socapa, como a plena realização de seus
sonhos. E os comunistas consideram etapas indispensáveis para chegar à
realização dos sonhos deles.
O que
tem de comum com o pedecismo esta linha de pensamento e de ação, cujo
rótulo já não é pedecista? A essência.
Sim,
a essência, pois, anticomunista de bandeirola e discurseira, marcha ela
em passo reto e célere para a esquerda... E quem caminha sempre para a
esquerda, chega fatalmente à extrema esquerda. Isto é, ao comunismo.
Tão
definida e consistente é essa família de almas, pedecista por vezes sem
o saber, socialista por vezes sem o saber, comunistas muitas vezes sem o
saber, mas autenticamente pedecista, socialista e até comunista, que um
observador experiente lhe reconhece os membros por sintomas seguros. O
leitor quer saber alguns desses sintomas? Ei-los:
1 —
Afirmar desembaraçadamente que a TFP é extremista de direita. E
obstinar-se nessa calúnia ainda quando lhe são dadas todas as provas em
contrário.
2 —
Julgar que fartura e sorrisos bastam para desmobilizar a maior parte dos
esquerdistas;
3 —
Considerar que o melhor meio de despovoar as fileiras (aliás tão
ralas...) do PC consiste em recuar indefinidamente diante do
cripto-comunismo.
4 —
Afirmar que, pelo contrário, o anticomunismo só pode ser destruído com
calúnias e difamações, quando não a pau e fogo.
Estes
sintomas são por demais complexos para serem analisados aqui. Cito-os
apenas "ad usum" dos leitores argutos, que não precisam de grandes
digressões para perceber a realidade das coisas. — Talvez eu volte algum
dia a eles.
A
título de "post scriptum", permita-me o leitor acrescentar a essa lista
só mais um sintoma curioso. Consiste em baralhar, estropiar ou esquecer
o nome da TFP. Quando um pedecista de alma — se bem que nem sempre de
rótulo — fala com alguém da TFP evita o nome ou até a sigla de nossa
entidade. Usa perífrases como: "vocês", ou "vocês lá", ou "o grupo de
vocês", ou então inverte a sigla: "a TPF". Ou bolostroca as palavras:
"vocês, da Deus, Pátria e Tradição!" Ou, por fim estropia o nome: "a
Sociedade Tradição e Família".
O
nome inteiro, claro, glorioso, já tão conhecido da Sociedade Brasileira
da Tradição, Família e Propriedade parece causar a essas pessoas um
mal-estar análogo ao que o demônio sente com água benta...