Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

19 de julho de 1970

O que é um pedecista?

Vale ainda a pena tratar do assunto, já que cada vez se fala menos em pedecismo e mais em progressismo? — À primeira vista, pareceria que não vale.

Bem pesadas as coisas, ver-se-á, porém, que não falta atualidade à questão.

Com efeito, e antes de mais nada, se bem que o PDC brasileiro tenha desaguado no MDB — do qual constitui hoje uma minguada e inibida esquerda — continua a democracia-cristã a medrar em outros países, a Itália, o Chile e a Venezuela, por exemplo. E, assim, quem deseja estar ao corrente do panorama político internacional, não se pode dispensar de ter idéias claras sobre essa coisa, aliás tão polimórfica e furta-cor, como o pedecismo.

Em segundo lugar — e isto importa de mais perto ao Brasil — se bem que o pedecismo tenha perdido entre nós quase toda a sua importância política, tem ele ainda uma influência ponderável no que poderíamos chamar a vida interna do progressismo. E a este, sim, não se pode contestar uma grande atuação em nosso cenário.

Nestas condições, antes de estudar o pedecista, analisemos o papel do pedecismo como um dos agrupamentos constitutivos da falange progressista.

Não se pode dizer que o progressismo constitui, entre nós, uma força eleitoral. Se ele apresentasse candidatos característicos, em uma legenda própria, não conseguiria senão punhadinhos de votos aqui e acolá. Resulta isto do fato de que as quatro forças em que o progressismo se apoia estão sujeitas a um fenômeno de desgaste crescente na opinião pública brasileira.

A primeira dessas forças é constituída por certo gênero de jornalistas infiltrados em quase toda a imprensa diária, os quais não desperdiçam ocasião para apresentar uma imagem tétrica do mundo ocidental e insinuar que a salvação está na sabedoria, no bom senso e no amor ao trabalho revelado pelos movimentos esquerdistas e "hippies". Essa zoeira jornalística vai cansando a todos. Camadas sempre mais extensas de leitores vão percebendo o que há de loucamente exagerado nessas apreensões, e de aberrantemente infundado nessas esperanças.

A outra linha de sustentação do progressismo é a "inteligentzia" dita avançada. Constitui-se ela de escritores e artistas ensurdecedoramente ovacionados pelos jornalistas dos quais acabo de falar. Nas livrarias, entretanto, as edições desses escritores, o mais das vezes, levam tempo para escoar. E nos leilões, as obras desses artistas (chamemo-los assim) só encontram preço junto a pequenos cenáculos de iniciados cuja capacidade de compra é inferior à abundante produção dos seus infatigáveis autores. É bem de ver que o apoio desse fator de sustentação não tem peso eleitoral.

O terceiro setor é constituído pelos "arditi": "hippies" arqui-pra-frente, agitadores operários ou estudantes, seqüestradores etc. Também a estes, o jornalismo progressista enfuna quando pode. Mas sempre que saem a público não conseguem levar consigo senão magotes numericamente inexpressivos.

A quarta força — a mais importante do ponto de vista da influência sobre o povo — é o clero progressista. Há anos atrás, antes do progressismo se alastrar pelas fileiras do clero, era esta a maior força moral do país. À medida que vai se tornando progressista, o povo se vai afastando dele (e não da Religião, note-se bem). Daí advém que, quanto mais é progressista um padre ou uma freira, menor é o número de pessoas que leva atrás de si. E os mais avançados só têm o apoio de punhadinhos de fanáticos.

Não é pois no número, que se há de procurar o segredo da influência real do progressismo. Essa influência está alhures. O progressismo, interessa aos brasileiros, muito menos como uma realidade atual do que como uma hipótese. Explico-me.

* * *

Todos sentem que a sociedade atual, amálgama de tradições cristãs que nos vêm do fundo dos séculos, e de impulsos e aspirações que tendem para um categórico neopaganismo, está construída sobre a contradição. E que tudo quanto é contraditório tende, pela própria ordem natural, para a coerência ou a ruína: como o organismo doente caminha mais ou menos rapidamente para a cura ou para a morte. Se marchamos, pois, para uma opção entre os elementos contraditórios que formam o "status quo" de nosso mundo, uma das hipóteses é a paganização total, rumo a um futuro completamente rompido com o passado. E a outra hipótese é o reatamento dos fios rompidos da tradição, com destino a um futuro coerentemente cristão.

Assim, à beira dessa tremenda opção, o progressismo constitui uma hipótese lógica. Lógica, sim, com toda a lógica dos erros extremos. E quando tantos prestam atenção nos lances em que o progressismo aparece bramindo, vituperando ou agitando, eles fazem-no não só pela pressão do imenso apoio propagandístico de que goza o progressismo, mas — e sobretudo — atraídos pela necessidade de se auto-examinarem. É que os progressistas são poucos. Mas muitos são os que têm em si algo — fibras, fermentos, germes — de progressismo. E estes últimos, ao observarem tão atentamente o progressismo, procuram dar resposta à seguinte pergunta: se eu, meus parentes, meus vizinhos, todo o mundo, enfim, se entregar às tendências interiores que levam para o progressismo, que fisionomia de alma tomaremos, que estilo de vida adotaremos, que mundo plasmaremos?

Curiosamente, do mesmo fenômeno resulta a excepcional atualidade da TFP. Incontáveis são os que se perguntam: se eu fechar a alma às influências que me levam para a esquerda, e me abrir para a ação das fibras, germes ou fermentos da tradição que em mim vivem; se eu, meus parentes, meus vizinhos, todo o mundo, enfim, optar por um progresso na linha da tradição, que fisionomia moral tomaremos, que estilo de vida adotaremos, que mundo plasmaremos? A TFP é precisamente a outra hipótese, oposta ao progressismo e simétrica com ele. É a coerência no repúdio a tudo quanto este aceita e na negação de tudo quanto ele afirma.

* * *

Entre essas duas coerências em marcha divergente, estão os N-A-N-E, isto é, a desbotada coorte dos que evitam ver a opção de face, se empenham obstinadamente em manter alinhavadas uma à outra, teses que "hurlent de se trouver ensemble" [gritam ao se encontrar juntas]. E que procuram manter essa situação precária fechando obstinadamente os olhos à urgência de uma opção, a qual constitui um imperativo da História.

Como procuram as forças da esquerda arrastar para seu lado este "mare magnum" de indecisos? É aqui que parece o papel do democrata-cristão, como aliás do "sapo", seu irmão siamês, seu sósia, seu aliado.

Mas o assunto foi longe demais para hoje. Feita a presente introdução, abordaremos no próximo artigo a descrição do pedecista, seu temperamento, suas idéias e seu papel a serviço do progressismo.


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