Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

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4 de junho de 1969

Para os anticomunistas pró-comunismo

Segundo despacho datado de Moscou e difundido aqui na imprensa diária, a revista soviética muito caracteristicamente intitulada "Agitador" publicou recentemente um artigo sobre a doutrina comunista em matéria sexual.

O "Agitador" não fez senão dar forma acessível a teses clássicas do marxismo. Foi precisamente a simplicidade - eu diria melhor, a crueza - das formulações da revista, que me levaram a reproduzi-las aqui. Faço-o para mostrar a muitas pessoas sinceramente infensas ao comunismo, que - sem o saber - concordam com este em muitos pontos-chave. E as convido, com isto, a uma radical revisão de suas posições a respeito da moral sexual.

Começa a revista por legitimar o "casamento de experiência" e outras barbaridades congêneres que vão ganhando terreno nas nações do Ocidente. Com efeito, resumindo o texto do "Agitador" diz o despacho telegráfico: "Na sociedade comunista (...) não se consideram imorais as relações sexuais antes do casamento quando se baseiam na sinceridade e no afeto". Assim, basta que entre um jovem e uma jovem se forme uma atração romântica, para lhes ser lícito ir, sem mais, às últimas conseqüências. Se, ao longo dos tempos essa ligação sobreviver, e os jovens se quiserem casar, muito bem. Se não quiserem, podem continuar unidos, sem por isto merecerem a menor crítica. E se ambos (ou um só, é claro!) ficarem fartos da união, o remédio é fácil: basta que se digam adeus.

Mas, perguntará alguém, nesta perspectiva de que adianta então o casamento? De nada, absolutamente nada: "Existe um novo critério moral para condenar ou aprovar o sexo. Não se trata de situar as relações [sexuais] como matrimoniais ou pré-matrimoniais, mas sim em estabelecer se se baseiam no amor recíproco", diz o "Agitador". Mais claro não poderia ser. É tão claro, que até cria um problema: para que sobrevive então o casamento, na legislação soviética? O que esta chama de "casamento" nada tem de comum com o que, nos povos civilizados, se entende por tal. O "casamento" soviético não passa do registro - para efeitos civis secundários - de uma ligação sem conteúdo moral, que pode e deve ser desfeita por qualquer das partes, desde que o deseje.

O "Agitador", talvez para atenuar o efeito dessas assertivas em leitores "reacionários", procura desfazer a impressão de que o ideal do comunismo, em matéria sexual, corresponde mais ou menos a lei do galinheiro. Para isto, cita uma frase pomposa de Lenine, que parece, à primeira vista, atribuir certa estabilidade ao "casamento" marxista: na sociedade comunista as relações sexuais se fundamentam "no amor recíproco, no respeito, na sinceridade e na identidade de pontos de vista". Ora, basta abrir os olhos em torno de nós para ver quantas vezes é instável esse "amor recíproco": "L'amour est un enfant de Bohême, qui n'a jamais connu de loi"...

O "Agitador", aliás, não se empenha muito em ocultar o fundo das coisas. Por isto cita, pari passu, esta outra frase de Lenine: "o comunismo não deve levar ao ascetismo, mas sim ao gozo da vida".

E, realmente, o panorama de uma sociedade autenticamente comunista é, em matéria sexual, bem este: o de uma vida gozada, no pior sentido do termo.

Ora, aqui os extremos se encontram. Tal vida, precisamente assim, não é o que aprova, o que deseja, não é a meta para a qual vive muita gente que se imagina no polo oposto do comunismo?

A conseqüência salta aos olhos: quem aplaude ou promove a imoralidade, nas sociedades do Ocidente, prepara-as para o comunismo...

Por isto, o "Agitador" faz notar, alegre e esperançado: "A chamada revolução sexual no Ocidente está enfraquecendo os vínculos familiares e rejeitando numerosos tabus tradicionais nas relações entre os sexos, levando ao amor livre". Ao amor livre, note-se bem, isto é, à posição comunista em matéria sexual.

* * *

Certas pessoas acham supérflua, e até antipática, a palavra "propriedade" no lema da TFP. Imaginam elas que entre a família e a propriedade não existe nexo, e que podem ser fervorosas partidárias da família, sendo embora inimigas da propriedade.

Os comunistas não pensam assim. Para eles, propriedade e família são institutos conexos. É, pois com muita coerência que "Agitador" atribui a decadência moral do Ocidente à decadência da propriedade: a "erosão" nos valores sociais do Ocidente, diz a revista, tem por motivo a podridão do "princípio da propriedade privada, em que se baseia a sociedade capitalista".

O "Agitador" exagera. A principal razão da crise da moralidade no Ocidente está na crise da Fé. Entretanto, é claro que entre a família e a propriedade há um nexo natural. Quem é a favor da comunidade de bens e, portanto, não aceita que o homem possa dizer “minhas economias”, “meu patrimônio”, “minha casa”, é coerente ao se opor a que ele possa dizer “meu lar”, “minha esposa”, “meus filhos”. O direito pessoal a qualquer coisa tida como própria, seja a poupança de um trabalho, a inquebrantável fidelidade do cônjuge, o afeto cálido de um filho, eis do que o comunismo quer privar o homem "evoluído" do século XX.

* * *

E agora, algo que não entendo. Se assim é o comunismo, como pode um católico, um padre, um bispo, imaginar para si uma existência pacífica sob o regime comunista? Cruzará ele os braços ante a corrupção institucionalizada, traindo assim a missão que lhe compete? Ou imagina que lhe será permitido atacar com a merecida rijeza o regime corruptor, sem ir ter em algum paredón?

Não entendo. Realmente não entendo...


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