2 de
outubro de 1968
Liberdade, trabalho ou propriedade?
Como
se fosse posta em ação pelo aceno de uma vareta mágica, as mil trombetas
do terrorismo publicitário se puseram a deitar alaridos, de Norte a Sul,
contra a TFP. A calúnia entrou por toda parte, e encontrou eco por vezes
até em jornais de larga e incontestável reputação. De repente, como se a
vareta se tivesse cansado de a reger, a orquestração parou com a mesma
simultaneidade com que começara. O que resta agora dessa furibunda
investida do terrorismo publicitário? Nada...
Não
é de meu feitio perseguir o opositor vencido, nem ir ao encalço do
adversário que cessou de atacar. Calou a detração, calo-me eu. Mesmo
porque nada há de mais desengraçado, para tema de um artigo, do que a
calúnia velha, que perdeu a vida e a capacidade de impressionar.
Limito-me, pois, a afirmar aqui que a suposta participação da TFP em uma
conspiração contra o governo não passa de uma balela inventada pela
infâmia e veiculada pelo sensacionalismo.
E
passo a tratar de tema melhor. Melhor, sim, porque doutrinário, sereno
e, espero eu, também acessível.
*
* *
Dona
Cesarina me perguntou porque a TFP não pusera em seu lema "liberdade" ou
"trabalho" em lugar de "propriedade". Não tive tempo de lhe responder
então. Tratarei do assunto agora.
Para
Leão XIII, a propriedade forma, com a liberdade e o trabalho, um todo
harmônico e indissociável. De sorte que nega simultaneamente estes três
valores, quem nega um só deles. E afirma implicitamente os três, quem
afirma um.
De
fato, todo ser vivo – desde a mais modesta célula até um pássaro ou um
leão – tem necessidades e é dotado de aptidões naturalmente destinadas à
satisfação dessas necessidades. Assim, o pássaro ou o leão têm fome, e,
por isto, o seu instinto lhes faz conhecer e apetecer o alimento
apropriado. E o seu corpo tem os meios necessários para se apoderar
desse alimento e ingerí-lo. Há, pois, uma correlação natural entre as
necessidades e as aptidões de cada ser vivo.
Este
princípio universal aplica-se também ao homem. E daí decorrem, para cada
homem, os três direitos de ser livre, de trabalhar e de se tornar
proprietário.
Com
efeito, para satisfazer suas necessidades, tem o homem uma alma
inteligente e dotada de vontade, para ver e querer aquilo de que
precisa. Seu corpo é, para ele, fonte de múltiplas necessidades, e
também instrumento para fazer o que for preciso com fim de as atender.
Desta situação, decorre, para o homem, ter, simultaneamente:
1. O
direito à liberdade de agir segundo sua reta razão para
atingir o seu fim;
2. O
direito de exercer um trabalho como meio de atender suas
necessidades;
3. O
direito de propriedade.
Sim,
o direito de propriedade. Não pretendo, neste breve artigo, expor todas
as origens legítimas da propriedade. Vejamos simplesmente como ela nasce
da liberdade e do trabalho.
Porque o homem é dotado de uma liberdade natural, ele não é escravo, mas
dono de si mesmo.
Porque o homem é dono de si mesmo, é dono de suas aptidões, e do
trabalho mediante o qual exercita suas aptidões. E, porque o homem é
dono de seu trabalho, é dono do fruto de seu trabalho. Isto é, o homem é
proprietário de seu salário. A propriedade nasce, pois, da
liberdade e do trabalho.
Vejamos agora como a propriedade do salário gera a propriedade de toda a
sorte de bens móveis e imóveis. Porque o homem é dono de seu trabalho e
de seu salário, pode trabalhar mais ou menos, e economizar mais ou
menos. Trabalhando e economizando muito, poderá formar um "pé de meia"
para ficar despreocupado quanto ao dia de amanhã. Ou para adquirir
instrumentos de trabalho com que possa montar uma empresa ou para
comprar um imóvel que alugue a terceiros. Ou para reunir um pecúlio com
que se associe a um negócio. A propriedade – a expressão, se não me
engano é de Leão XIII – é trabalho condensado e acumulado.
Assim, da liberdade e do trabalho de cada qual, nasce a propriedade.
*
* *
Como
remate, respondo apenas a algumas possíveis objeções.
1 –
Não é injusto que uns se tornem proprietários, enquanto outros, por
doença, infortúnio ou preguiça, não conseguem para si tal resultado?
Seria o mesmo que perguntar se não é injusto haver gente que goze saúde,
passeie ou viaje, enquanto outros, por doença, infortúnio ou preguiça,
não podem fazer o mesmo. Aos que estão em situação de inferioridade,
ajuda-se. Porém não se corta o curso normal das coisas por causa de
situações anormais, culposas ou não.
2 –
Mas a propriedade não se presta a abusos?
Sim.
Há que coibí-los. Mas nem por isto é o caso de a perseguir e mutilar.
Também em matéria de liberdade e de trabalho há abusos possíveis. Todos
concordam em os coibir. Ninguém concordaria por isto em mutilar ou
perseguir a liberdade ou o trabalho.
3 –
Se a liberdade, o trabalho e a propriedade são tão conexos, porque a TFP
optou em seu lema pelo vocábulo "propriedade"?
Nosso título é Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição,
Família e Propriedade. O que é, hoje em dia, mais carente de
defesa, no plano doutrinário? A liberdade e o trabalho, que
todos glorificam a "una voce" [uma voz]? Não. Mas a propriedade, que os
demagogos e os tolos – uns e outros no fastígio, em nosso século – com
todas as forças atacam.
Sim,
defendemos a propriedade, e nela e com ela, implicitamente, o trabalho e
a liberdade.