17 de agosto de 1968
Das
páginas da imprensa para as da História – I
Depois
de uma longa série de brilhantes vitórias, o progressismo sofreu dois
reveses dos quais dificilmente se recuperará. Trouxe-os o mês de julho.
O abaixo-assinado da TFP,
lançado no dia 17 de julho, foi alcançando desde logo totais robustos,
que faziam prever o milhão atingido em 30 dias, e a soma ainda mais
impressionante para a qual marchamos. Estava provado, à evidência, que
incontáveis brasileiros não aceitam os rumos para os quais os quer
atrair o progressismo.
A manifestação dessa
atitude coletiva produz um inevitável esvaziamento de substância
ideológica num movimento que, pelos imperativos de sua lógica interna,
vê em sua sincronia com o homem moderno um dos mais preciosos títulos de
sua autenticidade.
A este esvaziamento
ideológico corresponde uma perda de elã em seu proselitismo. O movimento
progressista se nutre de uma vasta periferia de pessoas de mentalidade
otimista e entusiasmável, que não sabem resistir à atração daquilo que
as grandes multidões unânimes aclamam como óbvio, moderno e
indiscutível. De seu lado, os recrutadores do progressismo têm clara
preferência para o uso de slogans e argumentos que só têm vida nesta
atmosfera de modernidade triunfante. Desfeita a miragem da unanimidade
compacta, inaugurada a polêmica com suas exigências de análise fria e de
reflexão prolongada, a atenção das periferias do progressismo
rapidamente se fadiga, seu entusiasmo se fana, e elas passam a pensar em
outras coisas. Por sua vez, os slogans do progressismo – que têm algo de
"ingênuo" e, por assim dizer, de primaveril – perdem sua força de
contágio quando lançados na tempestade grandiosa das controvérsias. E os
propagandistas do progressismo se vêem privados do ambiente favorável.
Em suma, o surto do movimento se torna lento, emperrado, difícil.
Não quer isto dizer que o
cerne do progressismo morra. O progressismo cria em seus adeptos
incondicionais o hábito de ilusões agradáveis, às quais é penoso
renunciar, mesmo à vista dos mais ponderáveis argumentos. Mas os cernes
de movimentos ideológicos, privados de suas periferias, entram
facilmente em regime de mal entendido com o público, o que produz neles
azedume, desânimo e infecundidade de ação.
Estes efeitos em série,
desencadeados no progressismo pelo abaixo-assinado da TFP, foram
acentuados por outro evento, também ocorrido em julho. Foi a ostensiva
verificação de que o progressismo não era o rebocador pequeno, dinâmico
e prestigioso, a levar atrás de si, passivamente, a grande mole – que
parecia inadvertida – do Episcopado e do Clero.
Ocorreu este segundo revés
do progressismo na reunião da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB) realizada no Rio entre os dias 15 e 20 de julho, e se desdobrou
depois em publicações da imprensa e debates da televisão.
O panorama a que estava
habituada a grande maioria dos brasileiros era o de uma Igreja com suas
raízes deitadas no mais profundo na alma do povo, da qual cada vez mais
o progressismo se ia tornando dono. E, assim, ia rapidamente
conquistando o Brasil. Mais uma visão de otimismo e vitória para os
progressistas a lhes tornar propício o ambiente para os slogans
caracteristicamente ousados e "candidamente" juvenis.
Olhando as coisas de perto,
é claro que essa visão não se justificava senão em parte. Nunca faltaram
nas fileiras do Episcopado vozes como as de um d. Geraldo de Proença
Sigaud, um d. Antônio de Castro Mayer ou um d. José Maurício da Rocha, a
se levantarem prestigiosas e desassombradas contra a investida
progressista. Mas, por falta de publicidade, estas vozes estavam longe
de alcançar a ressonância merecida. Para a maior parte do grande público
era como se não existissem.
Ao progressismo parecia
dado tudo fazer e empreender – e por vezes até falar em nome de toda a
Igreja – sem sofrer, da maioria, repulsa nem contradita que chegasse ao
conhecimento do grande público.
A primeira centelha a pegar
fogo nessa tela rutilante mas enganadora foi a carta em que o arcebispo
de Diamantina e o bispo de Campos denunciaram ao cardeal Rossi, não só o
escrito subversivo do pe. Comblin, mas ainda os múltiplos
pronunciamentos eclodidos aqui e acolá em meios católicos, a provar que
as idéias do professor do Instituto Teológico de Recife formavam a
expressão sistemática e arquetípica de erros já bem difundidos em nosso
meio.
A esse documento, publicado
na imprensa no dia 7 de julho, sucedeu a bela carta em que 19 membros do
Episcopado asseguravam ao marechal Costa e Silva o propósito de leal
colaboração com os Poderes Públicos e expressavam seu repúdio à
"multiplicidade dos pronunciamentos esquerdistas emanados de meios
católicos" que pareciam dar a impressão de constituir "uma opinião
generalizada entre bispos, sacerdotes e leigos".