Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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22 de maio de 1978

Miniaturas

Pela própria natureza das coisas, um "brouhaha" dificilmente se presta a um artigo. Pois dele se desprende, com a violência e o inopinado do caos, toda espécie de notas.

Nos últimos dias, o "brouhaha" mundial se tornou ainda mais acentuado. Como escrever um artigo contínuo, e regular à maneira de uma estrada de asfalto, sobre eventos das mais diversas naturezas, que vão pipocando tragicamente aqui e acolá?

O único meio consiste em extrair com pinça, de dentro do caos, alguns fatos, e apresentá-los em tópicos numerados. E em seguida comentá-los um por um, como se cada tópico numerado fosse um minúsculo artigo.

Dessa operação de paciência, surgiram cinco miniaturas do horrível, e uma miniatura da esperança.

1. No plano internacional, a grande notícia dos últimos dias – ou o fato mais noticiado – é o assassinato do sr. Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas. Em toda a Itália, em todo o mundo, um clamor se prolonga contra o crime efetivamente digno de toda repulsa.

A personalidade do ex-primeiro ministro, que ocupava ao ser seqüestrado o cargo de presidente da DC Italiana, vai começando a pertencer à História. Sua obra política, agora encerrada, já está sendo analisada como um todo, nos inúmeros necrológios que dele se vão fazendo por toda parte.

Não é minha intenção participar aqui do estudo em comum que assim se vai fazendo. Talvez me pronuncie em breve. Ou, talvez ainda, em lugar de comentar a ação do malogrado homem público, prefira comentar os necrológios. Discordando embora de vários aspectos de sua longa atuação pública, por hoje só que me cabe é uma palavra de respeito, e uma prece por sua alma: "De mortuis nisi bonum". A frase é de um latim tão parecido com o português que dispensa tradução.

2. Contudo, por mais que se realcem o significado e o alcance desse bárbaro crime, parece-me pouco objetivo que um outro crime, não só mais bárbaro como de amplitude maior, tenha passado quase despercebido a nosso público.

Na Itália, o PCI se fez de legalista e respeitoso dos direitos humanos ao cerrar fileiras com as forças da ordem na exprobação da execrável façanha das Brigadas Vermelhas. Enquanto isso, o PC russo, mola propulsora do Estado soviético, deglutiu tranqüilamente uma nação inteira. De um momento para outro, a agremiação partidária comunista do Afeganistão subiu ao poder e começou os confiscos. Como de costume, mal começados estes, já estarão ocorrendo os assassinatos. E um povo de vinte milhões de habitantes, rico em tradições históricas e em apreciáveis valores culturais, ficou reduzido a uma escravidão idêntica àquela em que jazem, por exemplo, o Vietnã e o Camboja. Os 650 mil quilômetros quadrados que constituem o território afegão passaram a ser uma senzala. E nesta, os cemitérios começarão a crescer rápida e desmesuradamente.

Tudo isto não é pelo menos tão importante quanto o falecimento de Aldo Moro?

Na realidade, entretanto, convinha ao imperialismo russo que este seu novo ato de rapina passasse despercebido. Ou quase tanto.

E assim aconteceu.

3. Com efeito, ao comunismo interessa hoje em dia apresentar uma "face humana". Não é outra a razão do "show" eurocomunista. E a deglutição do Afeganistão só pode prejudicar a fácies que a Rússia quer usar.

Enquanto Carter e seus esdrúxulos auxiliares vão estendendo, ao longo dos meses – embora com outros rótulos – a "détente" kissingeriana, a Rússia, não contente de ir devorando o que resta de independente na África, vai também deitando suas garras pela Ásia. O que deixa a política de Carter numa postura que oscila entre o burlesco e o trágico.

O burlesco, digo, pois o riso é a reação normal provocada por toda pessoa que se deixa enganar apesar do óbvio lhe saltar aos olhos. E o trágico, pois não pode ser qualificada de outra maneira a situação de um país tão grande quanto os EUA, e de tão pesadas responsabilidades internacionais, quando se o vê numa tal situação.

Isto só pode despertar nos Estados Unidos reações anti-Carter, as quais são, no fundo, reações anti-Rússia.

Kissinger, é verdade, tem criticado energicamente a atual política norte-americana em relação aos russos. Contudo, em sua essência, essa política é kissingeriana.

Em substância, a "détente" de que Henry Kissinger foi o grande artífice se baseava numa teoria, aliás mais ou menos explicitada pelo ex-secretário de Estado:

a) no fundo, ninguém é mau, e se se dá um bom trato aos que parecem maus, estes se convertem em bons;

b) aplicado o princípio à Rússia soviética, dever-se-ia esperar, em conseqüência, que, se tratada com confiança e generosidade (oh! Sobretudo muita e muita generosidade), ela passaria por uma verdadeira reviravolta psicológica. E, de agressiva, passaria a pacífica.

A "détente" foi portanto uma aplicação linear e desinibida desse princípio. O resultado foi o que estamos vendo.

A política de Carter não é senão o fruto da mesmíssima doutrina, de modo até mais ostensivo e imponderado. Ela não se distingue da "détente" kissingeriana senão por ser ainda mais desajeitada e catastrófica.

A cordura da Casa Branca no caso do Afeganistão o prova com exuberância. Oxalá à catástrofe afegã não suceda, dentro de algum tempo, a entrega da Coréia do Sul à Rússia ou de Formosa ao comunismo chinês. Com igual displicência e otimismo da parte de Carter.

5. Em última análise, o nazismo não teve no mundo maiores benfeitores do que o premiê inglês Neville Chamberlain e Edouard Daladier, o presidente do Conselho Francês. Um e outro desenvolveram, face ao III Reich alemão, uma política inspirada precisamente pelo mesmo princípio que em nossos dias Kissinger arvorou em regra de conduta de todo o Ocidente em relação ao Oriente. E que Carter vai exagerando de modo assustador.

Aos políticos ingleses que assinaram o Pacto de Munique, Churchill lançou a apóstrofe famosa: "Sacrificais a honra para obter a paz; perdeis a honra e depois perdereis a paz". A frase se aplica inteiramente à atitude inerte dos EUA e das grandes potências da Europa. Ela é atual em 1978, como o foi em 1939.

De inatual, só há nela a palavra "honra", tão depreciada ou até esquecida em nossos dias.

6. Pelo menos uma esperança resta, neste giro de horizontes tão carregado de sombras.

Em Washington a unanimidade dos senadores republicanos pronunciou-se categoricamente contra a política de Carter em relação à Rússia, e mais especificamente no tocante às negociações sobre limitação de armamentos estratégicos (SALT). Declararam eles que "a inexperiência e liderança inepta da atual administração estão comprometendo a capacidade dos Estados Unidos de defender-se e, se persistirem, poderão conduzir o país ao desastre".

Mais do que isso, o presidente Carter se sentiu na obrigação de viajar por seu próprio país para restaurar sua popularidade posta em alarmante decréscimo. Alarmante para ele, bem entendido. Isto lhe valeu, em troca, telegramas de políticos democratas que lhe pediam não visitasse os respectivos distritos eleitorais a fim de não prejudicar a posição do partido nas eleições parlamentares deste ano. Dir-se-ia que pior não poderia haver.

Mas houve. A fim de reforçar sua própria popularidade, esses políticos – do próprio partido de Carter – divulgaram o texto de seu terrível pedido.

Estes são indícios possantes de que nos dois grandes partidos norte-americanos uma reação salvadora se esboça. Queira Deus que ela se estenda no mundo.

É a esperança que se vislumbra para além de tantos horrores.