"Folha de S. Paulo", 28 de fevereiro de 1978
Psico-tornassóis para o leitor usar
O leitor se lembrará por certo do que é o papel de tornassol ("tournesol", nos longínquos tempos em que estudei um pouco de Química, no último ou penúltimo ano do curso secundário). Mudam de cor quando postos em contato com líquidos, revelando assim a dosagem de acidez ou alcalinidade destes. Pelo que prestam serviço em experiências científicas, além de serem úteis em múltiplas aplicações práticas.
Em meu último artigo tratei de certo gênero de burgueses – grandes, médios ou pequenos – dotados de uma psicologia peculiar. Profundamente egoístas, pouco se incomodam com o bem comum espiritual ou temporal. Contudo, há um tema, um só, que, fora do circuito de sua idolatria por si mesmos, os interessa. São os "direitos humanos".
_"Menos mal" – comentará alguém. "Pois ao menos nisto não são egoístas". É, entretanto, precisamente o que ponho em dúvida.
Com efeito, se eles tivessem uma noção clara e coerente dos "direitos humanos", mereceriam aplausos por se dedicarem à defesa destes. Porém, a atitude de tais burgueses, precisamente nesta matéria, deixa perplexo o observador. Só lhes interessam os "direitos humanos" dos que lutam pela subversão, pelo comunismo, pelo caos. Quanto aos das vítimas dessas três formas ou graus de revolução, são frios. Para não dizer hostis.
Quando alguém toma a defesa, na presença deles, dos agentes da revolução social, esses burgueses se tornam doces, afáveis, atraentes. Se, pelo contrário, alguém denuncia violências praticadas contra os adversários da luta de classes e da revolução social, as mesmas pessoas se mostram glaciais.
Que "direitos humanos" são esses, então? Afinal, o que é ser homem? É só ser esquerdista? E é por isso que só os esquerdistas têm "direitos humanos"?
E entra, a este propósito, o papel de tornassol. Caso alguém queira saber se seu interlocutor é burguês dessa cepa, conte-lhe algum dos fatos seguintes. Se ele se mantiver frio, é. Se ele se comover, não é. Cada um dos fatos vale por um "psicotornassol".
Segundo notícia publicada, não há muito, em nossa imprensa diária, a conhecida organização Anistia Internacional informou que os corpos dos mil estudantes massacrados em Adis Abeba pelo governo comunista da Etiópia foram abandonados nas calçadas da cidade e serviram de pasto às hienas.
Segundo o mesmo relatório, depois da vitória comunista, um milhão de vietnamitas foram enviados para "campos de reeducação", onde vivem em condições péssimas.
Continua a tragédia dos vietnamitas que fogem da opressão comunista atirando-se ao mar em frágeis embarcações. Conforme apelo publicado em nossa imprensa por um fugitivo vietnamita, 50% dos que chegam a atingir águas internacionais morrem afogados.
Segundo o "Korea Herald" dos EUA, de 8 de dezembro passado, que reproduz informações do diário "Mainichi", do Japão, os navios de bandeira japonesa estão proibidos de transportar os refugiados vietnamitas que encontrem em alto-mar.
Informa a revista escocesa "Approaches", de outubro de 1977, ter o "Dailly Telegraph" de Corpus Christi (Texas) noticiado que vietnamitas anticomunistas ali refugiados se queixaram de que 51 navios de várias nacionalidades passaram por eles sem lhes dar abrigo. O mesmo fez um porta-aviões americano da frota do Pacífico. Salvou-os afinal o navio-tanque inglês "Cavendish".
De posse desses fatos, o leitor faça sua experiência. Comece a contá-los um pouco por toda parte. Encontrará os que se apiadem tanto por eles, como por qualquer atrocidade cometida contra quem quer que seja, em qualquer quadrante ideológico no qual se situe. É gente lógica, coerente, para a qual "direitos humanos" é uma expressão que abrange os direitos autênticos de todos os homens.
Mas o leitor encontrará também interlocutores que o olharão com impassibilidade, e mudarão incontinente de assunto. Neste caso, não perca tempo o leitor. A titulo de experiência, lamente ato contínuo o ocorrido com qualquer esquerdista objeto de injustiça policial. O mesmo interlocutor se deterá no assunto. Contará fatos análogos, e passará a dar trato especialmente simpático ao leitor.
Com essa dupla experiência, terá funcionado o "psicotornassol". E a acidez comunista se terá revelado, ou não, no espírito do burguês assim testado.
"Acidez comunista"? A expressão não é forte demais? Esse burguês pode, só por tal teste, ser qualificado de comunista? Não será apenas um socialista, um esquerdista "de vistas largas", um mero inocente útil?
Mas – pergunto de minha parte – o que é um socialista, um esquerdista "de vistas largas", ou um inocente útil senão alguém cuja mentalidade contém dosagem, maior ou menor, de influência ideológica comunista?
Pois é precisamente essa dosagem, que o "psicotornassol" visa detectar...