Para
manifestar adequadamente meu pensamento sobre o decreto aprovado
finalmente pelo Senado (em sessão que invadiu até os primeiros minutos
do desafortunado domingo, dia 4!), parece-me conveniente dar uma volta
através de outro tema. E isto para ser breve.
O
leitor se surpreenderá. Mas em jornalismo, não é certo que a linha reta
seja sempre o caminho mais curto entre dois pontos.
Desejo por em realce quanto houve de belo na atitude dos senadores
Benedito Ferreira (Arena-GO) e Dirceu Cardoso (MDB-ES), os quais lutaram
até o último momento, à frente de tantos outros congressistas, pela
manutenção da indissolubilidade do vínculo conjugal, e depois alcançaram
da maioria do Senado que o divórcio pelo menos só fosse concedido por
uma vez a cada cidadão brasileiro.
A
partir do momento em que certas fórmulas como "política da mão
estendida", "queda de barreiras ideológicas", "Ostpolitik", "détente"
etc. começaram a ser sucessivamente incorporadas no linguajar de
políticos e intelectuais, tenho como certo que, por toda parte em que
elas foram sendo introduzidas, o nível de perspicácia e fibra dos homens
veio baixando.
Com
efeito, o que foi, na prática, a "política da mão estendida"? — Uma
vitória acentuada do Mal. Os filhos deste (ou, por outra, os enteados,
pois o Mal não sabe ser pai, mas só padrasto), adquiriram a faculdade de
estender a mão suja aos filhos do Bem. E de colocar estes ipso facto
numa alternativa desagradável. Se eles correspondessem ao gesto
"cordial" metendo na mão suja sua mão alva, esta aos poucos iria sendo
apertada pela mão suja até o sangue. Se eles recusassem o imprudente
aperto de mão, seriam apontados como fanáticos, extremistas,
obscurantistas, intolerantes etc., etc., por toda uma "claque" adrede
apostada para este inglório papel.
Em
suma, a "política da mão estendida" só serviu para que os enteados do
Mal iludissem e depois estrangulassem os filhos do Bem. O que não
impediu que, míopes e amolecidos, muitos filhos do Bem — que filhos! — a
aplaudissem.
O que
foi a "queda das barreiras ideológicas"? — De nenhum modo o
franqueamento do mundo comunista à penetração do pensamento e da
influência do mundo livre. Mas tão somente o destroçamento de múltiplas
defesas ideológicas do mundo livre ante a guerra psicológica
revolucionária movida por Moscou. E houve entretanto quem, no mundo
livre, lançasse esta fórmula e quem a tivesse aplaudido com ênfase.
A "Ostpolitik"
o que foi? O que está sendo? — Tão somente uma política pela qual o
Oeste faz concessões ao Leste, e o Leste não as faz ao Oeste. Lembro
aqui, com tristeza, estar a Santa Sé engajada nessa política, até mesmo
quando a própria Alemanha já a relegou para segundo plano. E a despeito
desta evidência, não só o Vaticano mantém esta política, mas ela conta
com o apoio de uma proporção impressionante de clérigos, e de uma
proporção bem menor — mas ainda assim considerável — de leigos.
Na "détente",
quem se distendeu? — Kissinger, por certo, seus discípulos e seus
sequazes. Jamais Brejnev, seus asseclas e seus escravos. E em seus dias,
a "détente" contou com numerosos aplausos no Ocidente, enquanto
continuava gélido e imutável o "fácies" do Oriente.
Não
seria difícil provar que a política dos direitos humanos, do presidente
Carter, não é senão uma variante da "détente". E que os direitos assim
apregoados pelo desinibido plantador de amendoins da Geórgia são — pelo
menos na prática — muito mais os direitos dos que lutam a favor do
comunismo do que das vítimas deste.
Resumindo, a generalização dessas fórmulas equívocas ou até falaciosas
propiciou a formação, em todo o Ocidente, de um largo setor de opinião
pública, por certo não-comunista, mas a tal ponto falho de visão e de
fibra, que está permanentemente propenso a aplaudir tudo quanto traga
vantagem ao comunismo, e desvantagem ao "não-comunismo".
O
aparecimento deste veio de perpétuos torcedores não-comunistas, de todas
as jogadas comunistas, é como um fundo rasgão a deformar a fisionomia do
Ocidente. Com efeito, como não reconhecer nele uma queda de nível de
inteligência, e um passo a mais rumo ao desfibramento geral? Compor com
as reivindicações "modernas", recuar, ceder, dormir enquanto o
adversário avança: não importa isto numa assombrosa falta de princípios?
Pois
neste mundo — neste Brasil — em que o divórcio avançou encontrando
diante de si, da parte de antidivorcistas "ex-officio" (os quais prefiro
nem mencionar), uma semi-indiferença escandalosa — quase uma atmosfera
de "política da mão estendida" e de "détente" com os divorcistas — é
alentador mencionar que em ambas as Casas do Congresso Nacional houve
quem lutasse contra o divórcio até o fim. E que, no Senado, os Srs.
Benedito Ferreira e Dirceu Cardoso levaram sua nobre obstinação até o
ponto de, diante da catástrofe divorcista consumada, restringir quanto
puderam a amplitude de mal que desde agora passará a corroer a família
brasileira.
É
nobre, é belo lutar pela integridade dos princípios que se professa.
Fazê-lo quando tantos se desinteressam desses princípios, é heróico. É
épico.
Dei
uma volta por vários temas para chegar a esta conclusão. Mas a ela
cheguei com mais força de evidência do que se tivesse enchido laudas e
laudas de elogios convencionais a esses dois senadores. Discorrendo
sobre outros temas que não o divórcio, fiz uma volta... e cheguei mais
depressa.
No
entanto, não posso crer que a restrição ao divórcio obtida pelos
beneméritos senadores constitua um ponto de equilíbrio aceitável e
durável, entre a indissolubilidade do vínculo conjugal e o desbragamento
para o qual tendem, em geral, as legislações divorcistas.
Com
efeito, ou se reconhece que o casamento é indissolúvel por sua própria
natureza, ou se afirma que ele não o é.
No
primeiro caso, é lógico proibir o divórcio. Proibi-lo de fato, sem
deixar margem à menor concessão. Se por natureza ele pode ser
dissolvido, não vejo como sustentar que ele o possa ser só uma vez.
Dou
um exemplo. O direito de cada homem à própria honra é sagrado. Em
conseqüência, a ninguém é legítimo caluniar. E ainda que alguém haja
cometido apenas uma calúnia na vida, deve a lei puni-lo com rigor. Se
uma lei assegurasse a cada cidadão o direito de lançar impunemente, ao
longo da existência, uma só calúnia, o próprio princípio legal se
desprestigiaria no conceito geral. E em breve os costumes teriam aceito
a calúnia como normal.
Vou
mais longe, pois até lá leva o rigor da lógica. O homem tem um direito
natural e sagrado à vida. Se uma lei permitisse a cada homem praticar um
só homicídio, o direito de todos os homens à vida estaria atirado ao
chão. E o mundo se desfaria num mar de sangue.
Analogamente com o divórcio.
Com a
aprovação deste, a família brasileira foi posta no alto do tobogã. Ali a
reterá talvez, por um pouco de tempo, a nobre coerência dos dois
lidadores com quem votou a maioria do Senado.
Qual
a duração desse tempo?
Em
matéria de tobogã, a solução consiste em não acercar-se dele. Aceita a
primeira resvalada, o resto não é senão escorregar.