"Folha de S. Paulo", 16 de maio de 1977
Mas a CNBB não quis...
Quanto se enganam os que pensam que as divergências no episcopado nacional versam sobre questões nas nuvens.
É bem o contrário. Trata-se de profundas questões religiosas, das quais decorrem para a vida da Igreja, e portanto também para a do País, as mais graves conseqüências.
Um exemplo disso veio à luz quando do recente pronunciamento da CNBB acerca do divórcio.
A Presidência da CNBB e a Comissão Episcopal de Pastoral representam uma tendência. Alta expressão da tendência diversa é o sr. bispo de Campos, D. Antônio de Castro Mayer.
No dia 28 de abril p.p., este prelado enviou um telegrama ao presidente da CNBB com sugestões sobre o projeto de divórcio em curso na Câmara. No dia seguinte, a imprensa divulgou uma nota da Presidência e da C.E. de Pastoral da CNBB.
Um confronto entre as aspirações do prelado de Campos e o pronunciamento da CNBB mostra bem quanto divergem as vias e as cogitações.
É possível que, no torvelinho da vida diária, tenha passado despercebida a nota oficial da CNBB. Transcrevo-lhe o parágrafo final, saltando os dois grossos parágrafos iniciais que tratam de tudo menos do divórcio. Diz a Nota:
"A Assembléia de Itaici publicou especial mensagem sobre a família, condenando, mais uma vez, a tentativa de introdução do divórcio civil entre nós. Infelizmente, numa atitude que um dos nossos grandes jornais acertadamente apelidou de "pressa indecorosa", movimentam-se setores do Congresso Nacional para articulações, que a consciência dos eleitores bem orientados e a história não lhes perdoarão. Escutem os parlamentares dos dois partidos a voz e a advertência da Igreja, que não visa defender interesses institucionais seus, mas sim o verdadeiro bem do povo brasileiro através da defesa decidida da família e das leis morais."
A Assembléia de Itaici, de fevereiro deste ano, se referiu de modo sumário e incolor a uma nota publicada em 1975, algum tanto mais dinâmica. De sorte que, para receber os salutares eflúvios desse dinamismo, o leitor de 1977 tem que ir buscar nos jornais de 1975 o que disse a CNBB. Quantos leitores, imaginam os dirigentes dessa entidade, se entregarão a essa complicada pesquisa?
- Com a devida vênia, digo que sobre o assunto não se poderia dizer menos nem pior.
Sem entrar ainda no mérito da questão para censurar a "pressa indecorosa" de setores do Congresso Nacional no sentido de fazer andar o assunto, a nota procura apoio em "um dos nossos grandes Jornais".
Em seguida, acena para os deputados propugnadores do divórcio com uma perspectiva, a punição de Deus? Não. A dos homens: eles não serão perdoados pela "consciência dos eleitores bem orientados e a história".
Por fim, faz um apelo para que os parlamentares ouçam "a voz e a advertência da Igreja". E dá para isto dois argumentos: 1.º) a Igreja é insuspeita porque não visa a defender seus interesses institucionais. Circunlóquio estranho, que dá a impressão de que à Igreja não causam grave prejuízo os que votarem pelo divórcio; 2.º) ela age por uma razão patriótica, a saber, "o verdadeiro bem do povo brasileiro". Ou seja, não é acima de tudo por amor à Lei de Nosso Senhor Jesus Cristo e para a salvação eterna das almas que a CNBB intervém no assunto. E com isto ela omite seu mais alto fim, no momento mesmo em que lança seu apelo que deveria ser dramático contra o divórcio.
Na nota não aparece uma só citação do Antigo nem do Novo Testamento. Nem de padres ou doutores da Igreja, nem de papas ou de santos. Apenas a de "um dos nossos grandes jornais".
A grande indecisão que se nota até entre os deputados divorcistas resulta do desagrado que o divórcio pode produzir na opinião católica. Cabe pois à CNBB avivar este santo e legítimo desagrado. E para isto ela não encontrou senão este laico e minguado arrazoado! E na cauda da "Nota"!
Com líderes espirituais que falem ao nosso povo fiel alegando preocupações temporais, não creio que a CNBB mobilize contra o divórcio a oposição católica fervente de fé e de pugnacidade, que lhe caberia despertar.
Vejamos agora a outra voz que se levanta no campo católico. Que diferença de cogitações e de vias!
Transcrevo da "Folha da Tarde" de 30 de abril p.p. o telegrama de D. Antônio de Castro Mayer à CNBB. O telegrama cujos sábios conselhos o alto órgão episcopal deixou de lado, para fazer precisamente o contrário.
Mais uma vez, transcrevo:
"Sendo os ilustres componentes do Senado e da Câmara Federal cônscios de que pela natureza de seu mandato, devem exprimir no Poder Legislativo os desejos e aspirações do eleitorado, estou persuadido de que não aprovarão o divórcio caso sintam que a maioria do povo brasileiro não o deseja.
"A repulsa dessa notória maioria se avivará e se tornará patente caso o órgão supremo da CNBB publique largamente, e com toda a urgência, um documento mostrando que a aprovação do divórcio viola gravemente a Lei de Deus, perturba a ordem natural, prejudica a fundo a moralidade pública e privada, abala a família e arruina a nação.
"Exprimo, portanto, a V. Emcia, meu desejo seja tal pronunciamento publicado pela CNBB em comunicado especial, consagrado só a essa matéria e desvinculado de considerações sobre quaisquer outros temas."
Se a CNBB tivesse atendido ao pedido, teria sido para ela um dia de glória, e para o divorcismo um dia de derrota na longa batalha.
Pois é com pensamentos e atitudes assim que se atraem as bênçãos do Céu, e na terra o aplauso dos fiéis.
Mas a CNBB não quis...