"Folha de S. Paulo", 26 de abril de 1977

Desconcerto desconcertante

Por motivos que adiante exporei, abstive-me até agora de qualquer pronunciamento sobre as impressionantes acusações levantadas por D. Geraldo de Proença Sigaud, Arcebispo de Diamantina, contra D. Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia, e D. Tomás Balduino, Bispo de Goiás Velho.

Igualmente não me manifestei sobre o oportuno pronunciamento de D. José Pedro Costa, Arcebispo Administrador Apostólico de Uberaba, acerca da infiltração comunista na Igreja.

Transcorreu, entretanto, o tempo de silêncio que a mim mesmo me prescrevera. Falo, pois. E com a habitual franqueza.

A respeito da posição doutrinária do Sr. Bispo D. Pedro Casaldáliga, o que eu teria que dizer está dito de sobejo no meu recente estudo "A Igreja ante a escalada da ameaça comunista". Fui o primeiro a dar divulgação em nosso País às rimas do irrequieto Prelado. Já entrou em 3ª edição a obra, perfazendo 46 mil o número de exemplares dela, postos à venda em todo o Brasil. E - diga-se de passagem - de nenhum recanto do território nacional me chegou uma defesa da posição doutrinária do Prelado. A propósito, recebi apenas algumas raríssimas e exacerbadas interjeições, sem forma nem figura de argumentação.

Dada tão larga divulgação, não me cabe estender-me aqui, mais uma vez, sobre tudo isso.

Quanto a D. Tomás Balduino, por enquanto não sei muito mais do que também afirmo no meu livro (p. 30).

Resta-me dizer algo sobre o gesto do Sr. Arcebispo D. Sigaud.

Convivi com ele longos anos, em tempos que ainda não vão tão longe. E tive ocasião de lhe apreciar de perto a inteligência e a cultura. Isto é o bastante para aquilatar quanto ele terá posto de força concludente, quer na seleção dos documentos que apresentou à Nunciatura Apostólica, quer na argumentação em que se terá esteado.

Do gesto de D. Sigaud só tenho a dizer que nele vejo continuação harmônica de outros gestos de nobre e altaneiro destemor que já o vi tomar.

Pena é que em São Paulo quase não tenha tido divulgação, por enquanto, o texto lúcido e inteligentemente matizado, preciso e episcopalmente corajoso do Sr. Arcebispo Coadjutor de Uberaba. Qualquer brasileiro que acompanhe com olhar e coração católicos a tragédia da Igreja contemporânea no Brasil só pode sentir admiração e reconhecimento pela intervenção franca e oportuna de S. Excia.

* * *

Isto dito, vamos a outro aspecto do tema.

Não o evito.

É a CNBB.

Não houve ainda tempo, até esta quarta-feira em que escrevo, para que sobre o pronunciamento de D. José Pedro Costa saia o esperado e indispensável pronunciamento da CNBB.

Toda a atmosfera emanada do organismo episcopal a propósito da valente atitude de D. Sigaud faz sentir uma surpresa que toca às raias do desconcerto. "Como, então há Bispos comunistas? E como um Bispo ousa dizer isto de dois colegas?" - é o que me parece sentir em todas as declarações da CNBB.

Confesso que, em todo o episódio, o que reputo mais desconcertante é precisamente... esse desconcerto.

Como podia a CNBB ignorar que há uma séria e perigosa infiltração comunista não só no laicato católico como ainda no Clero? Será possível que a CNBB ignore ou tenha esquecido a mensagem enviada pela TFP a Paulo VI - ao ensejo de sua viagem a Medellin, em 1968 - tornando-lhe presente o seu "brado de angústia ...do mais fundo da alma, ao ver que o perigo comunista vai crescendo graças à agitação continua de uma minoria de eclesiásticos e de leigos, que incensa certos Bispos com o plano maquiavélico de formar com eles "um politburo a dirigir ditatorialmente toda a Igreja no Brasil"? A mensagem da TFP acrescentava, ainda, que a jogada esquerdista visava canalizar "o inapreciável apoio da Igreja a uma extensa agitação comunista, a qual derrube o governo, dissolva as Forças Armadas ... para reduzir ao silêncio pelo terror, ou expulsar do País, os descontentes" e desfechar, à maneira do ocorrido em Cuba, no confisco dos imóveis rurais e urbanos, bem como das empresas industriais e comerciais. Desta mensagem, largamente difundida pela imprensa, ter-se-á esquecido a CNBB?

Será que a CNBB esqueceu igualmente que, numa campanha de 58 dias, os cooperadores da TFP disseminados pelos mais variados pontos do território nacional obtiveram para essa mensagem a Paulo VI 1.600.368 assinaturas (o maior abaixo-assinado de nossa História), entre as quais se destacam as de quinze Arcebispos e Bispos, cinco ministros de Estado, dois governadores estaduais, dois marechais de exército, dois marechais-do-ar, cinco almirantes, oito generais, dois senadores, dois vice-governadores, doze secretários estaduais, numerosos magistrados, professores universitários, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores?

Como explicar, ainda, que a CNBB tenha esquecido que nesse ano de 1968, dezenove Arcebispos e Bispos - entre os quais o mesmo D. Geraldo de Proença Sigaud e o ínclito Bispo de Campos, D. Antônio de Castro Mayer - tenham enviado uma mensagem ao falecido Presidente Costa e Silva, da qual destaco o seguinte trecho: - "Pronunciamentos procedentes de eclesiásticos e leigos ... causam a impressão de que as tendências esquerdistas e subversivas ... constituem uma opinião generalizada entre Bispos, Sacerdotes e leigos. Essa impressão é causada em parte pela multiplicidade dos pronunciamentos esquerdistas emanados de meios católicos; de outro lado, pelo caráter estrepitoso e demagógico de que esses pronunciamentos se revestem, e por fim pela cobertura sensacionalista que ponderável parte da imprensa lhes dá" (cf. "Catolicismo", Campos, n.º 212-214, ago./out. 68)? Essa mensagem - como já anteriormente a da TFP - foi entretanto largamente difundida nos principais órgãos de imprensa do País.

Falei de D. Antônio de Castro Mayer. Mencionei assim aquele Prelado de inteligência e cultura privilegiadas e de atuação pública fulgurantemente destemida, que vai ganhando entre os anticomunistas do mundo inteiro o renome de Atanásio do século XX. Em 1972, publicou ele a "Carta Pastoral sobre Cursilhos de Cristandade", na qual denunciou documentadamente (pp. 77 a 101) graves sintomas de infiltração comunista nessa organização laical, entretanto aprovada e vigorosamente bafejada pela CNBB. Da obra foram vendidos, só no Brasil, 92.600 exemplares. Seu impacto foi tão grande, até nas próprias fileiras cursilhistas, que estas, de florescentes que eram, murcharam e minguaram até a situação em que presentemente se encontram. Será que a CNBB esqueceu ou ignora tudo isso?

Será que, por fim, a CNBB não sabe do triste documento da Regional Sul II (órgão episcopal paranaense), o qual, prevendo em 1976 a vitória do comunismo no Brasil, baixou um apelo aos irmãos no episcopado para que colaborassem com o regime vermelho, ainda mesmo se este se arvorasse em perseguidor da Igreja? Publiquei entretanto esse documento no meu livro "A Igreja ante a escalada da ameaça comunista" (pp. 87 a 95). Vai para 46 mil o número de brasileiros que o possuem e leram o alarmante documento da Regional Sul II.

Por que, então, a CNBB se desconcerta a tal ponto quando d. Sigaud diz que os bispos d. Casaldáliga e d. Tomás Balduíno são comunistas?

E concluo. Uma explicação, apenas.

Será rápida.

Ei-la.

D. Sigaud, ao abordar em várias ocasiões o tema D. Casaldáliga-D. Balduino, omitiu qualquer referência à minha publicação sobre o assunto. Ponho de lado a idéia de que nisto tenha entrado uma mesquinharia que em tantos anos de convívio não lhe conheci.

Há de ter tido outras razões. Respeitando-as, não quis intervir no assunto até o extremo limite em que meu silêncio fosse ficando inexplicável aos olhos de nem sei quantos amigos que me distinguem com sua confiança por esse Brasil afora.

Assim premido, e só depois de muito premido, acabei por falar.

E como poderia eu recusar a gentileza deste pronunciamento aos que têm tantos títulos para o receber de mim?