"Folha de S. Paulo", 28 de fevereiro de 1977
Socialismo, Barreira ou "Water-shoot"?
Desejo tratar mais uma vez da mentalidade centrista, como ela se delineia no Brasil atual.
A razão de meu especial interesse pelo assunto, já o enunciei sumariamente no artigo de segunda-feira. Lembro-a aqui à guisa de introdução.
A expressão "centro-decisivo" é usada na América do Norte num sentido que não coincide, muito exatamente com o que lhe darei aqui.
Por "centro-decisivo" brasileiro indico uma poderosa se bem que indefinida corrente de opinião que, por disposição de temperamento, por feitio de espírito e Weltanschauung entende serem as mais pronunciadas diversidades de opinião e de rumos solucionáveis por meio de acomodações - e já que assim podem ser resolvidas, assim devem ser resolvidas.
Com efeito, as divergências que passem além de um amável torneio de idéias, ou de uma competição estimulante mas amistosa, desgastam o temperamento centrista.
Este não julga, ademais, que a execução de um programa até suas últimas conseqüências seja realmente indispensável para o bem comum. A grande estabilidade nacional, a opulência natural do País parecem ao centrista fatores suficientes para que tudo vá para a frente mais ou menos com qualquer orientação genericamente sensata, ainda que, ao segui-la, se incida de cá ou de lá em incongruências e erros. Este é um luxo que o País pode pagar-se.
Segundo nosso "centro-decisivo", para que o Brasil continue, bastará que permaneça firme (se bem que não necessariamente coerente, já o dissemos) em professar e praticar certas verdades e certas normas.
Menciono algumas. Antes de tudo, a Fé Católica Apostólica Romana. Ademais, a instituição da família. E a continuidade da atual ordem, desde que melhorada paulatinamente com reformas, as quais, sem a destruir nem descaracterizar, entretanto alarguem, em toda a medida do possível, o âmbito dos beneficiários.
Essa concepção torna o centrista propenso à escolha de rumos ecléticos que evitem querelas.
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O verdadeiro centrismo assim descrito, e no qual não percebo intransigências senão no que toca à soberania nacional, constitui no Brasil uma enorme potência. A tal ponto que merece ser chamado "decisivo". Acentuo que esse poder incontrastável não lhe vem apenas do fato de incluir homens em cujas mãos se encontram as verdadeiras alavancas da vida religiosa, intelectual e econômica do País. Mas também pelo enorme caudal dos brasileiros que abrange.
- Daí a importância capital desse centrismo em nosso panorama.
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Naturalmente, há em tal posição centrista muitas verdades, com as quais a privilegiada lucidez de pensamento e a característica destreza de ação de nosso povo são por assim dizer conaturais.
Obviamente não concordo com tudo. Por exemplo, não concebo que a Religião Católica possa ser professada e praticada à matroca, e com o relaxamento que tantas vezes se vê entre nós. Mas não entro em pormenores, pois minha opinião sobre o centrismo pouco importa neste artigo. Quero analisar o centrismo nacional como ele é, e não como ele deveria ser.
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Pode-se conceber vários centrismos diversos deste. E bem sei que os há entre nós. Contam até com parcelas de influência não despiciendas. Porém, todas estas parcelas não somam, de longe, a do "centro decisivo".
Qual a pedra de toque para qualificar a autenticidade centrista de uns e de outros? Há várias. Talvez a mais fácil de descrever seja a atitude do centrista em função do socialismo.
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O centrista autêntico e coerente se deve a si próprio de não pender para a esquerda nem para a direita. O incoerente pende para a composição com o lado mais forte. O centrista coerente conhece a força do centro. O centrista incoerente a desconhece e vive no pânico de ser derrotado pelo adversário extremista que ele imagina mais forte. O centrista coerente não é propenso a concessões. Ao incoerente nada é mais fácil do que ceder. "Ceder para não perder" é propriamente o lema dele.
Daí decorre que, para o centrista coerente, o socialismo é a rampa perigosa pela qual o País pode rolar facilmente para o comunismo. Para o centrista incoerente, o socialismo é precisamente o meio termo no qual ele se deve colocar para fazer concessões ao comunismo, amortecer a sanha deste, e evitar que ele tome conta do poder.
Em suma, para o centrista coerente, o anticomunismo é anti-socialismo. Para o centrista incoerente, o anticomunismo se chama socialismo.
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Bem entendido na pendência entre centrismo coerente e centrismos incoerentes, sou pelo primeiro. Porque é coerente. E porque é anti-socialista.
Desejo aqui mencionar um fato impressionante, próprio a ser alegado pelos centristas coerentes nas suas discussões com os incoerentes.
Como se sabe, na França existe um dos mais pujantes (pode-se dizer corretamente, de um câncer, que é pujante?) partidos comunistas da Europa ocidental. Se nas eleições de 1978, os socialistas, também muito poderosos na França, se unirem aos comunistas, a vitória destes será muito provável. o que importará numa hecatombe para a Europa e também para o mundo.
Ora, segundo notícias da França de há cerca de duas semanas, os líderes socialistas Gaston Deferre e François Miterrand declararam pela imprensa que a aliança entre seu partido e o Partido Comunista tem a solidez de um pacto de morte, válido para as eleições e depois delas. E isto tanto se a coligação PC-PS as vencer quanto se as perder.
Em outros termos, é o socialismo atirando entusiasmadamente a França nas fauces do comunismo.
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À vista disto, respondam os centristas incoerentes:
- O que é o socialismo, uma barreira ao comunismo? Ou um Water-shoot que a ele conduz?
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Sumário:
O "centro decisivo" brasileiro: o que é? qual sua importância? O centrista coerente não propenso as concessões, enquanto o incoerente vive de "ceder para não perder". Uma questão fundamental para caracterizar uns e outros: o socialismo é uma barreira ao comunismo, ou uma rampa perigosa que a este conduz?