"Folha de S. Paulo", 13 de janeiro de 1977
O "Show"
Desculpe-me o leitor o convite pouco atraente, mas ponha-se na perspectiva de Brejnev. Do ângulo de observação em que este se acha, e, por assim dizer, de dentro dos olhos dele, percorra o panorama europeu. Em quase todos os países livres do Velho Mundo, a esquerda experimenta reveses, ou pelo menos é obrigada a consideráveis recuos táticos. E nos países onde ela avança, fá-lo de modo tão artificial e canhestro, que deve dar vergonha. Isto, é claro, na medida em que tal sentimento, cada vez menos moderno, ainda exista na mente e no coração dos propulsores da revolução mundial.
O embaraço de Brejnev não poderia ser maior. - O que fazer, se todos os recursos da astúcia política, da propaganda e da força já foram utilizados na Europa?
A mesma pergunta Brejnev deverá pôr-se a respeito da América Latina. Pois, exceção feita de Cuba (enclave soviético nas Antilhas, mais artificial do que é, por exemplo, Gibraltar na Espanha), todo o universo ibero-americano está hoje tão limpo do comunismo como quando "Che" e Camilo Torres iniciaram por aqui as suas andanças e seus morticínios.
- Para Brejnev, o que fazer então?
"O leitor imaginará franzidas as monumentais sobrancelhas do ditador, torvo e carregado de raios aquele seu olhar-safanão, que só Paulo VI consegue fitar sorrindo."
Mas para o comunismo ainda há saída. Onde a violência, a dialética e a propaganda fracassam, a guerra psicológica revolucionária encontra meios absolutamente sui generis para tentar a vitória. Meios que o leitor nem sequer imagina.
- Um exemplo? - O show tupamaro no Uruguai.
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Não há ouvido em que a alcunha "tupamaro" não evoque conotações de violência, tragédia e sangue. Entretanto, saiu agora a lume no Uruguai um livro, ao mesmo tempo ligeiro, atraente e documentado (384 páginas, 32 ilustrações e mais de 300 documentos), que do fenômeno tupamaro dá uma interpretação inteiramente original. Em lugar de constituir a ponta de lança de um descontentamento popular mais generalizado, o movimento tupamaro não foi senão um show com pólvora e sangue, mediante o qual o imperialismo soviético tentou conquistar a República Oriental. O que o livro afirma, ele o prova. Isto não é suscetível de contestação, para quem o leia.
E tanto não o é que, lançado em Montevidéu no dia 16 de dezembro p.p., com enorme repercussão da imprensa, televisão e rádio, até agora não foi contestado.
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Se trato aqui deste livro, é naturalmente porque, como católico autêntico pela graça de Deus, me interesso a fundo por tudo quando diz respeito aos avanços e recuos da revolução comunista no mundo.
A esse fundamental fator de interesse pelo tema, acresce que todos os povos de origem ibérica somos uma só e imensa família, e nada pode acontecer de bom ou de mau a algum membro dela, sem que todos os outros sofram.
Porém, não oculto que meu especial empenho na luta contra o comunismo dentro do Brasil também é um fator - e quão possante! - de interesse pelo assunto.
Pois se um show pode levar o Uruguai aos bordos do abismo, não poderá outro show produzir análogo efeito entre nós? Agucemos a vigilância, indagando com o olhar, em todas as fímbrias do horizonte, se não há algum show em perspectiva.
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A fim de explicar a eficácia que um show pode ter em países como o nosso, lembro o princípio de Clausewitz, que já citei várias vezes em artigos nesta mesma folha; para derrotar o adversário, freqüentemente não é necessário guerrear contra ele: basta tirar-lhe a vontade de lutar.
Apliquemos o princípio a qualquer país da América Latina. Mais especificamente ao Brasil ou ao Uruguai. Uma minoria comunista que não consiga impor-se pelo já citado trinômio da astúcia política, da propaganda e da força, pode vencer-nos desde que tire da maioria a vontade de lutar.
- Como pode um show chegar a tal resultado? - É o que resta explicar. Tal explicação é dada de modo sobejo pelo livro uruguaio, cuja leitura aconselho empenhadamente a todo brasileiro.
Como é obvio, não posso encerrar este artigo sem citar o livro. E com gosto o faço.
Trata-se de "Izquierdismo en la Iglesia: compañero de ruta del comunismo en la larga aventura de los fracasos y de las metamorfosis", de autoria da "Comisión de estudios de la Sociedad Uruguaya de Defensa de la Tradición, Familia y Propiedad". Até o momento, a TFP brasileira possui dele apenas um pequeno número de exemplares. Em breve, estará nas livrarias. Bem entendido, nas livrarias que não sejam declaradamente esquerdistas, nem especificamente "católicas". Pois umas e outras, inimigas furiosas da censura, têm uma implacável censura, interna que lhes veda... vender qualquer obra da TFP.
Isto dito a título de lance de esgrima, no término do artigo de hoje, me remete naturalmente para o artigo da próxima semana, no qual conto apresentar uma condensação da atualíssima obra uruguaia.