"Folha de S. Paulo", 15 de dezembro de 1974
Sobre um cão imaginário
Acabo de receber das mãos de um amigo um número atrasado de certo grande matutino carioca.
Nele leio, numa grave seção contendo várias notícias da vida política, econômica ou cultural, o seguinte tópico: "D. Antônio de Castro Maia, Bispo de Campos, teve um cachorro. Chamava-o Maritain. Jacques Maritain, ao que se sabe, não tinha cães".
Nesse jornal, é particularmente abundante o noticiário eclesiástico. Dizem mesmo que goza das preferências da CNBB. Isso não o impede de lançar contra o ilustre Bispo de Campos (cujo nome, aliás, não é Maia, mas Mayer) uma brincadeira das mais irreverentes. Pois insinua que, se Maritain tivesse um cão, teria sido muito engraçado que lhe desse como revide o nome de D. Mayer.
Brincadeira tão desabrida e desrespeitosa em relação a um Prelado, ainda não vi até hoje.
Mas o que mais é digno de nota é que D. Antônio de Castro Mayer, a quem conheço na intimidade – e a respeito de quem posso dar, pois, com segurança, esta informação – jamais foi dono de cachorro nenhum.
Devo acrescentar que, por isso, ele não poderia dar a seu cachorro o nome de Maritain? Vivemos numa época de tal confusão dos espíritos que, ad cautelam, é melhor dizê-lo.
Tudo nessa pequena nota se reduz a maldade, calúnia e irreverência.
* * *
Mas por que dar tanta importância a uma baboseira como esta? Não é bem evidente que um bispo da estatura intelectual e moral do insigne Prelado de Campos jamais faria a molecagem que aquela notícia lhe atribuiu?
Sem dúvida. Mas também não é para defender meu amigo D. Mayer, que escrevo este comentário. Minha meta é outra. Quero analisar o espírito e o método do atacante.
E isto, por sua vez, não é para gastar tempo na análise da mera psicologia individual dele. Tenho por objetivo analisar, nessa pequena amostra escrita, o método de campanha continuamente usado por progressistas, socialistas e comunistas contra aquele Prelado e a TFP.
De começo a fim de cada ano, há uma efervescência de inverdades que borbulham de norte a sul do país contra nós. Quando umas envelhecem, outras as vêm substituir, numa sucessão quase ininterrupta. E coisa curiosa – por vezes uma mesma inverdade eclode simultaneamente no extremo norte e no extremo sul do País, para depois ganhar o centro. Como nasceu ela, ao mesmo tempo, em tão distantes rincões?
Mas – poderão perguntar-me – com que direito atribuo a fontes progressistas ou congêneres este ataque? – A explicação é simples.
A influência de Jacques Maritain foi bastante grande no Brasil. Ela atingiu seu auge entre os anos de 1940 a 1960. E desde o início foi encampada por elementos católicos que constituíam então a chamada esquerda católica, a Democracia Cristã, etc.
Esses meios deram origem ao esquerdismo católico que apoiou Goulart e quase deitou o Brasil por terra. Na era, pós-goulartiana, continuam atuando em correntes centristas ou esquerdistas. E sua influência se exerce no sentido de convidar as pessoas com que têm contato, a dar mais um passo para a esquerda. Raramente pedem mais de um passo. Mas, obtido esse, pedem logo mais um, e depois mais um...
Ora, contra a influência maritainista se ergueu, desde logo, a equipe que naqueles idos redigia o semanário paulista "Legionário", e que mais tarde se aglutinou no mensário "Catolicismo". Em um e outro órgão, a pena solerte e aguda de D. Mayer apoiou a ofensiva antimaritainista. Nesta luta se destacou também meu inesquecível amigo José de Azeredo Santos. E, fora de nossa equipe, o também inesquecível Padre Arlindo Vieira S.J.
Assim, já falecidos não só Azeredo e o Pe. Arlindo Vieira, como também o próprio Maritain, um respingo da polêmica é a notícia que acima transcrevi. – Donde vem ela, donde pode vir senão dos meios maritainistas, cujas tendências hoje se explicitaram no progressismo?
Não sei por qual descuido esse respingo de fel tomou forma escrita. Pois a corrente prefere não escrever. Ela se compraz, como disse, na detração impalpável porque cuidadosamente oral.
Ademais, ela evita sempre a refutação doutrinária (e faz bem, porque sua doutrina é indefensável). E se fixa nas acusações pessoais.
A notinha do jornal carioca presta, pois, bom serviço. Serve para apanhar ao vivo a artimanha do adversário. Scripta manent...
Como comentário final resta-me dizer que felizes são os homens contra os quais os adversários não conseguem articular outros argumentos, nem usar com sucesso outros métodos – "Com sucesso"? Qual é o nível de popularidade ou impopularidade de D. Mayer e da TFP? Este é um tema sobre o qual, a qualquer momento, falarei. Tenho certeza de espantar a muita gente quando narrar tudo quanto tenho a dizer a respeito.