"Folha de S. Paulo", 8 de dezembro de 1974
A détente da Casa Branca e do Vaticano (e digo intencionalmente a détente e não as détentes, porque se trata, obviamente, de uma mesma distensão, com objetivos, métodos e resultados perfeitamente análogos) se vai desdobrando por toda a terra em acontecimentos lamentáveis. Um destes foi a visita de Ford a Vladivostok. Os debates nos EUA vão pondo merecidamente em realce quanto ali se fez de vantajoso para a Rússia e de nocivo para a América do Norte.
Enquanto isto se passa, outros fatos se vão registrando em surdina, sem que os advirta a opinião internacional. Um destes é o recente abandono da Ilha de Formosa à sanha de Pequim. Depois de ignobilmente expulso das Nações Unidas, o grande reduto anticomunista, que é Formosa, acaba de sofrer outro golpe. O presidente Ford assinou decreto pondo fim ao compromisso norte-americano de defender a Ilha contra ataques comunistas. Justiça, direito, solidariedade humana, estas são grandes fórmulas sonoras que funcionam, hoje em dia quando se trata de fundamentar o apoio dado pelo imperialismo russo ou pelo chinês a qualquer "nação oprimida". Porém, nada significam quando se trata de defender qualquer povo pequeno contra as arremetidas de Moscou ou Pequim.
A isto nos conduziu a détente norte-americana. Até onde mais nos levará?
* * *
Pergunto-o a propósito do Vietnã do Sul.
Van Thieu declarou recentemente (cf. "The Review of the News" de 16-10-74) que o Congresso americano reduziu a ajuda militar a Saigon de 1,2 bilhões para 700 milhões de dólares, e é de se prever uma redução da ajuda econômica norte-americana para o Vietnã do Sul de 750 milhões de dólares para 400 milhões. Pari passu, os soviéticos vão ajudando cada vez mais a investida comunista. Segundo observou com melancólico laconismo, o presidente Thieu, tal fato só pode encorajar os vermelhos a invadir o Vietnã do Sul.
Détente americana....
A esta parece juntar-se, em estreita colaboração, sua sósia, a détente vaticana.
Os católicos, que constituem, no Vietnã do Sul, uma dinâmica e organizada minoria – dois milhões, numa população de 19 milhões de habitantes – vêm sendo um fator decisivo da luta anticomunista no país.
Entretanto, com grande alegria – note-se o pormenor – para a esquerda católica, começou a abrir-se uma frincha entre o episcopado e o governo em setembro de 1973, quando foi publicada uma pastoral coletiva contra a corrupção do poder. Em junho deste ano, 301 sacerdotes publicaram um manifesto ainda mais violento, no mesmo sentido. E a 8 de setembro, um padre outrora conservador, Tran Huu Tranch, lançou com um grupo de amigos um "Ato de Acusação" que enuncia seis escândalos financeiros nos quais estariam implicados o chefe de Estado vietnamita, sua esposa, e parentes próximos (cf. artigo de Jean-Claude Pomonti, do "Le Monde", publicado na "Folha de São Paulo" de 28-10-74).
Não conheço os argumentos dos acusadores, nem a réplica do presidente Thieu. Entretanto, os fatos assim apresentados me deixam cheio de suspeitas.
Com efeito, o Sr. Pomonti acrescenta que o Pe. Tran Huu Tranch aceita hoje – embora com pesar – a coexistência pacífica com o comunismo – Estranho essa mudança. Pois não compreendo como possa esse sacerdote, sob o pretexto de derrubar um governo cujo grande pecado seria de roubar alguns bens e algumas pessoas, apoiar a coexistência com um governo que confisca todos os bens de todas as pessoas.
Suspeito, assim, do Pe. Tranch. Tanto mais quanto a acusação de corrupto é freqüentemente lançada pelos comunistas contra todos os que lhes opõem. Contra o grande Cardeal Mindszenty, por exemplo.
Formulada essa suspeita, é impossível aceitar, sem mais, a objetividade das acusações de corrupção lançadas pelo episcopado contra o governo Thieu. Ainda mais quando essas acusações alegram a esquerda católica e os comunistas. Pois nada do que alegra à esquerda católica se produz sem a instigação e o apoio dos comunistas.
Até que ponto a détente vaticana se relaciona com tudo isto? – É impossível dizê-lo. Mas uma coisa é certa: sem a détente as coisas não se passariam assim.
O comunismo já não luta isolado, contra o governo Thieu, pois conta com a colaboração maciça e incontenível da détente geminada ianque-vaticana.