"Folha de S. Paulo", 17 de novembro de 1974
Cuba: Suspendendo o véu...
Mais de um leitor deseja vivamente saber se o secretário-geral da CNBB, D. Ivo Lorscheiter, treplicou a réplica que publiquei neste jornal precisamente há quinze dias atrás.
Informo, pois, que S. Excia. não treplicou. Como eu previra, foi cauto...
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Dito isto, passemos ao assunto do dia, ou seja, a Conferência de Quito concernente à suspensão do bloqueio da Cuba castrista.
Segundo as agências telegráficas, a Conferência se inaugurou em clima de euforia, pela generalizada convicção de que a suspensão seria aprovada. Contudo, mais ou menos do meio para o fim, a atmosfera se modificou inesperadamente.
Com efeito, depois das provas dadas pelo Chile e Uruguai, do intervencionismo fidelcastrista, Haiti e Guatemala, que haviam deliberado votar pelo reatamento, declararam sua intenção de abster-se. Ao mesmo tempo, a atitude abstencionista já anteriormente assumida pelo Brasil, EUA, Bolívia e Nicarágua, foi tomando um colorido nitidamente propenso à manutenção do bloqueio. Estava assim virtualmente derrotada a moção pró-castrista da Venezuela, Colômbia e Costa Rica.
Esses os fatos essenciais. Em torno deles, alguns comentários podem ser bordados.
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Consigno aqui a alegria que todos os brasileiros explicavelmente sentiram diante do papel relevante do Itamaraty no feliz desfecho do caso. O silêncio mal-humorado – e, mais do que isto enigmático – dos EUA, deixou campo largo para que o Sr. Azeredo da Silveira evoluísse na conformidade com as melhores tradições do Itamaraty. E que sua abstenção redundasse, afinal, numa firme recusa da suspensão do bloqueio.
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Isso não obstante, o quadro da Conferência não deixa de apresentar sombras. Antes de tudo, cumpre lembrar que o assunto ora debatido em Quito já esteve na pauta da conferência interamericana de Lima em 1972. Naquela ocasião, a margem dos que votaram contra e a favor de Fidel Castro foi bem maior: 13 a 7, respectivamente. E só houve três abstenções.
Ademais, ficou proibida a suspensão do bloqueio feita em separado por qualquer nação. Pelo contrário, agora ficou permitido às nações que o desejarem, reatar as relações diplomáticas ou comerciais com a nação comunista.
Em síntese, na Conferência de Quito, Cuba não derrubou a muralha inteira, mas boa parte dela.
Para diminuir ainda mais o alcance do resultado obtido na capital equatoriana, é preciso acentuar que os chanceleres brasileiro e uruguaio asseveraram que na reunião de Buenos Aires, em março de 75, ou mais tarde, o assunto poderá ainda receber outra solução. Por enquanto, ele entrará em fase de maturação, segundo expressou o Sr. Azeredo da Silveira.
Como se vê, debaixo de vários pontos de vista, Cuba ganhou terreno...
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A esta altura, levanto a ponta do véu.
A reviravolta ocorrida na Conferência de Quito é atribuída pelos jornais ao impacto das provas aduzidas pelo Chile e pelo Uruguai, do caráter intervencionista do regime de Castro. – Duvido da objetividade dessa informação. Todas as nações latino-americanas sentiram na própria carne a subversão russa e chinesa propagada através de Cuba. Não é crível que os depoimentos chileno e uruguaio lhes tenham trazido algo de tão novo, que chegasse a mudar a orientação.
Também não podia causar surpresa a nenhuma nação a observação do Sr. Azeredo da Silveira, de que a ausência de representantes de Fidel Castro em Quito tornasse impossível a obtenção de garantias de não intervenção por parte deste. Isto já era óbvio desde o início da Conferência.
Aliás, cumpre acrescentar que as garantias de Fidel Castro nenhum valor efetivo podem ter. Como se sabe, a Cuba castrista é uma colônia sino-russa, sem poder de deliberação próprio. Só teria valor efetivo a presença em Quito de representantes diretamente credenciados por Moscou e Pequim... e ainda assim!
Foi, pois, outra a causa que mudou felizmente o rumo da Conferência. – Qual?
Eu me pergunto, de outro lado, no que pode consistir a tal "maturação" do assunto, preconizada pelo Brasil e pelo Uruguai. A começar por aí: uma vez que em nossa atitude nada há de imaturo, a maturação só pode dar-se em Cuba, Moscou ou Pequim. – O que parecem pressagiar as chancelarias do Brasil e do Uruguai nesta matéria?
Aqui ficam duas perguntas básicas. Levantar a ponta do véu não é correr o véu inteiro. Formulo as perguntas, porém não tenho os dados da resposta. Pondero apenas que, em matérias como essa, levantar a ponta do véu já não é pouca coisa...