"Folha de S. Paulo", 3 de novembro de 1974
Sobre a TFP
De uma entrevista de D. Ivo Lorscheiter ao órgão oficioso da Arquidiocese de Curitiba, a "Voz do Paraná" (6/12-10-74), destaco uma afirmação. Diz o Prelado; "Para mim a TFP é herética mesmo. A heresia significa para mim selecionar um aspecto da mensagem cristã. No caso da TFP só vale a tradição, o antigo. Isso é heresia, é ver um só lado da questão".
A Fé é a mais preciosa das virtudes, pois é a raiz de todas as demais. Assim para um católico não há pecado maior que o de cair em heresia. A acusação que nos dirige o Prelado não poderia, pois ser mais violenta. Em matéria de "antitefepismo" é tudo quanto há de mais radical.
Ora, o valor de uma acusação reside antes de tudo na veracidade dos fatos nos quais ela se baseia. – No caso concreto, que fatos são estes?
Já em agosto de 1968, D. Lorscheiter, então Bispo-auxiliar de Porto Alegre, assacou contra a TFP a mesma acusação. Pedi, nessa ocasião, a S. Excia., através das prestigiosas páginas de "Catolicismo"(no. 212/214, de agosto-outubro de 1968), que citasse "em qual dos nossos pronunciamentos ou dos livros que difundimos, encontra base para sua gravíssima acusação". O Prelado se calou. E fez bem, pois outra saída não há para quem não tem o que responder.
Passaram-se os anos, e D. Lorscheiter volta agora à carga com a mesma acusação. Dói-me reduzir mais uma vez ao silêncio um bispo da Santa Igreja. mas, que remédio? – Pergunto, pois, a S. Excia., se durante todo esse tempo em que, quer a TFP, quer eu pessoalmente, não temos cessado de nos pronunciar sobre os problemas atuais, encontrou S. Excia. algo que alegar no sentido de que somos hereges. Prognostico que S. Excia. se manterá calado. É pelo menos o que lhe aconselho, em nome da prudência.
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O fogoso secretário-geral da CNBB, ao afirmar que a TFP é "herética mesmo", parece dizer que ela o é no sentido próprio e rigoroso do termo, isto é, no sentido técnico e específico do Direito Canônico. Logo depois, porém ao indicar no que consiste nossa "heresia", aponta algo de tão vago e confuso, que nenhum canonista mediano ousaria chamar isso de heresia. Com efeito, segundo ele, "no caso da TFP, só vale a tradição, o antigo. Isso é heresia, é ver um só lado da questão".
Dir-se-ia que S. Excia. querendo fazer-nos passar por hereges aos olhos dos leitores da "Voz do Paraná", porém não sentindo base para isto, lançou a acusação, mas ato continuo lhe diluiu o efeito.
Essa hipótese não é airosa para um bispo. Prefiro imaginar que tenha sido irreflexão, confusão de conceitos e termos, provocada quiçá pela turbação de seu espírito ao falar da TFP. – Radicalidade....
Mesmo assim, não me é fácil explicar como, tendo eu, também em 1968, feito notar a S. Excia., que para a TFP não vale apenas "a tradição, o antigo", já que apoiamos várias reformas novas, contanto que não sejam eivadas de comunismo (Cfr. "Reforma Agrária – Questão de Consciência", págs. 9 e ss., e toda a "Declaração do Morro Alto"), S. Excia. nada tenha encontrado que responder. E agora, decorridos anos, volta à carga, sempre com as mesmas acusações sem provas.
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Aliás, as imprecisões nocivas à TFP são freqüentes na entrevista do Prelado. Esta por exemplo. Como já vimos, declara ele: "para mim a TFP é herética mesmo". Trata-se de uma opinião pessoal dele, note-se. E mais adiante afirma, também sobre a TFP: "Dizemos: isso não é posição cristã. É herética".
A pergunta se impõe: se há mais de uma pessoa que pensa como D. Lorscheiter, quem é? Já que S. Excia. é secretário-geral da CNBB pergunta-se se é a CNBB. Ele não o diz. A confusão fica no ar. É nociva à TFP.
Tal confusão é alimentada, ademais, por este outro tópico de D. Lorscheiter: "A questão da TFP foi tratada na última assembléia geral da CNBB, há dois anos. E foi dito mais uma vez que todas as posições radicais não podem ser mantidas dentro da qualificação de cristão".
Foi dito? Dito por quem? O leitor desprevenido pensa que pela CNBB. Ora, esta absolutamente não disse tal. "Foi dito", talvez por alguém em nome próprio, durante os debates. Porém, essa coisa dita não figura no comunicado divulgado pela CNBB através da imprensa.
Como se vê, o Sr. D. Lorscheiter foi confuso. E essa confusão foi toda ela nociva à TFP.
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Não é que eu esteja em desacordo com tudo quanto S. Excia afirmou na entrevista. Nela leio um princípio genérico de uma veracidade óbvia, mas que nem por isto deixa de ser de ouro: "O cristão não pode ser radical no sentido da intolerância, do unilateralismo, assim por diante". Que bom seria se o vibrante secretário-geral da CNBB quisesse fazer um exame de consciência a respeito de sua entrevista, a fim de verificar se ela não é radical, intolerante, unilateral; se ela não peca pela mesma "radicalidade" que imputa à TFP.
Estou certo de que sua consciência lhe dirá que sim. – Se ele quiser uma prova, bastará que examine sua entrevista, e as reflexões que aqui deixo consignadas.