"Folha de S. Paulo", 25 de agosto de 1974
Inteiramente
Peço a atenção do leitor para os seguintes textos:
"Se alguém disser que o vínculo do matrimônio pode ser dissolvido pelo cônjuge por motivo de heresia, de molesta coabitação ou de abandono do lar – seja excomungado" (Concílio de Treno, Denzinger-Schoenmetzer, "Enchiridion Symbolorum", 1805).
"Se alguém disser que a Igreja erra quando ensinou ensina, segundo a doutrina evangélica e apostólica (MC. 10; 1 Cor. 7), que o vínculo do matrimônio não pode ser dissolvido por causa de adultério de um dos cônjuges e que, nenhum dos dois, nem mesmo o inocente que não deu motivo ao adultério, pode contrair outro matrimônio em vida do outro cônjuge, e que comete adultério tanto aquele que, repudiada a adúltera, casa com outra, como aquele que, abandonado o marido, casa com outro – seja excomungado" (Concílio de Trento, ibid., 1807).
"O vínculo do Sacramento do matrimônio é indissolúvel, e embora por adultério, heresia ou outras causas possam os cônjuges proceder à separação dos corpos não lhes é lícito contrair outro matrimônio". (Bento XIV, ibid, 2536).
Estes documentos exprimem, de modo iniludível, a rejeição categórica do divórcio da parte do Magistério Supremo da Igreja. – Teriam querido impugnar explicitamente esse ensinamento os advogados – católicos em sua maioria – que na recente Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, pediram, numa proclamação, a implantação do divórcio entre nós?
Não o creio. – Como explicar, então a deliberação insólita da Conferência Nacional da OAB?
Não me parece difícil. Em nossa gloriosa e pobre Igreja, a fumaça de Satanás vai penetrando sempre mais. E muitas pessoas já não sabem, mesmo em pontos muito essenciais como o divórcio, qual o autêntico ensinamento da Igreja.
A introdução do divórcio na Itália impressionou o mundo inteiro. Houve clérigos e figuras destacadas do laicato que se manifestaram publicamente favoráveis ao divórcio. Os poucos que foram repreendidos, o foram em geral molemente. Em lugar de mobilizar na luta todas as suas forças e seu prestígio, dir-se-ia que a Hierarquia Sagrada se limitou ao mínimo imposto pela decência. Se tanto. E isto criou no público a impressão de que a Igreja vai operando uma distensão com o divorcismo. O que não pode espantar, pois ele presencia a progressiva distensão do Vaticano com o comunismo. Ora, o divórcio é apenas um dos pontos do programa comunista. E quem entra em distensão com o todo, bem pode entrar em distensão com a parte.
Esta trágica confusão, que explica a deplorável atitude da OAB, pode facilmente reproduzir-se em muitos outros setores da opinião nacional, também iludidos sobre a legitimidade de uma détente católica com o divorcismo.
Assim a fumaça de Satanás, a confusão doutrinária que lavra na Igreja, confere ao divorcismo possibilidades de vitória que, em circunstâncias normais, este nunca teria no Brasil.
* * *
E chegamos ao ponto final. A tradição antidivorcista ainda é tão viva em nosso povo, que bastará um sério empenho da Hierarquia católica nacional para dissipar, nesta matéria, a fumaça de Satanás, e impedir que o divórcio seja aprovado.
Os Emmos. Srs. Cardeais, os Exmos. Revmos. Srs. Arcebispos e Bispos tomem o ocorrido na OAB como um sinal de alarma. Ergam-se, ensinem, proclamem, se necessário fulminem. Caso o façam desde logo, o divórcio não passará. – Que alegria, que glória para a Igreja, que o façam o quanto antes!
O fracasso da ofensiva divorcista depende deles. Inteiramente.