Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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14 de julho de 1974 

1958-1974: que resultados? 

Chegaram-me às mãos, nesta semana, novas declarações de altas personalidades eclesiásticas sobre o tema – até há pouco raras vezes tratado no Brasil – das relações do Vaticano com os regimes comunistas. Os Emmos. Cardeais D. Agnelo Rossi e D. Eugenio Salles incluíram o assunto em entrevistas concedidas à imprensa sobre questões diversas. Consta-me que o Emmo. Cardeal D. Avelar Brandão também se pronunciou sobre a matéria. "O São Paulo", órgão da nossa Arquidiocese, transcreveu vistosamente a alocução do Sr. D. Vicente Scherer sobre o assunto. E da cidade de Quito me chegou às mãos um extenso arrazoado, também versando a mesma questão, dado a lume pelo Emmo. cardeal Pablo Muñoz Veja. Os novos pronunciamentos fariam jus a comentários meus, tanto mais quanto, ou pelo seu conteúdo ou por sua sincronia, parecem relacionar-se de perto com a Declaração de Resistência da TFP.

Contudo, não julgo necessário fazê-lo, pois sem nenhum favor, o trabalho do Emmo. Cardeal Scherer engloba e supera, de tal maneira, pelo valor do conteúdo, como pela amplitude da exposição, os de seus ilustres colegas, que estudado este, o estão, ipso facto, os demais.

Assim, restrinjo-me a encerrar hoje os comentários, que sobre a alocução do prelado gaúcho, apresentei no domingo passado.

* * *

E entro na matéria.

Segundo o Emmo. Cardeal Scherer, "parece curioso" que as críticas surgidas de cá e de lá à iniciativa do Papa, de negociar com os regimes comunistas, "tenham origem em grupos situados em geral dentro da própria Igreja e que a ela professam amor e fidelidade".

"Curioso" por que? – O ilustre Prelado se explica: "Em nosso tempo, praticamente todos os países, de modo especial as nações chamadas capitalistas celebram toda espécie de acordo (...) com a Rússia e os demais Estados marxistas". – Em certo sentido, seríamos assim mais realistas do que o rei. Ou mais capitalistas do que os governos capitalistas.

Já mostrei, no domingo passado, que não somos contra as negociações propriamente ditas, mas contra o preço exorbitante – e sem compensações – que o Vaticano paga para levar a termo sua Ostpolitik. A détente católica vai por todo o mundo abatendo barreiras que outrora se opunham a expansão do credo vermelho. – O que pagam em troca os governos comunistas? – Nada...

Precisamente análoga é a queixa que se levantou na Alemanha contra Willy Brandt, e agora se encapela nos EUA contra Nixon e Kissinger. No momento em que a détente alemã e americana é tão vitoriosamente contestada, seu exemplo não pode ser alegado como prova decisiva em favor da détente vaticana.

Quanto a sermos mais capitalistas do que o capitalismo, a acusação é singular, pelo menos se considerarmos o capitalismo em seu aspecto mais requintado e censurável. Isto é, no supercapitalismo. Este último costuma manejar na sombra. Mas o que de sua atuação vem aparecendo ao público, importa em apoio caloroso à détente. Haja vista a galáxia de astros do supercapitalismo que acompanhou Nixon em Moscou. E esta conduta está na lógica do supercapitalismo. – Como, então, divergindo dessa lógica, somos "mais realistas do que o rei"?

Seja dito de passagem que não compreendemos como pode o respeitável Arcebispo de Porto Alegre sentir-se à vontade ao escudar a détente vaticana na détente alemã e americana, quando ele mesmo reconhece que "o mundo livre e, destacadamente, a Europa ocidental" foi "quem amoleceu na resistência à propagação do perigo comunista"? Então a détente vaticana não é, ela também um "amolecimento".

Mais um argumento de S. Emcia. nos resta para analisar. Afirma o Prelado que o objetivo essencial da Ostpolitik vaticana é a suavização das condições de vida dos católicos detrás da cortina de ferro. Não vejo que tenha sido obtida até agora tal suavização. Em extensa alocução feita por ocasião de seu onomástico (cf. "Osservatore Romano" de 23.6.74), S.S. Paulo VI tem uma aliás rápida passagem sobre as condições dos católicos detrás da cortina de ferro. Que mundo de horrores nela transparece! Afirma literalmente o Pontífice que em seu ânimo "se abre uma ferida" sempre que pensa nos "sofrimentos, limitações e pressões" que ali sofre a Igreja. Refere-se depois às "opressões e silêncios" que pesam sobre ela e "às trevas que a circundam". Esta é a situação, como a vê Sua Santidade no ano de 1974. Faz pensar no que têm dito Soljenitsin e outros dissidentes. Ora, a détente começou com João XXIII em 1958...

No que então serviu tal détente aos católicos de além cortina de ferro, aquela meritória Igreja do Silêncio sobre a qual, segundo o melancólico gracejo de um jornalista italiano "baixou o silêncio da Igreja"?

É o que, com veneração, afeto e tristeza, me cabia ponderar...

Nota: Os negritos são deste site.