"Folha de S. Paulo", 7 de julho de 1974
Não conseguimos compreender
S. Emcia. o Cardeal D. Vicente Scherer proferiu ao programa "A Voz do Pastor" uma clara e substanciosa alocução, transcrita no "Diário de Notícias" de Porto Alegre no dia 25 de junho p.p. sob o título altamente atual de "O Vaticano e o comunismo".
A TFP é autora de recente Declaração sobre a matéria. Pela enorme divulgação que esse documento teve em toda a imprensa nacional e hispano-americana, parece-me impossível que o ilustre Prelado não o tenha tido em vista quando elaborou este seu recente pronunciamento. Tanto mais quanto S. Emcia. menciona explicitamente – e comenta – o desmentido que, através do Sr. Federico Alessandrini. S. Excia. Mons. Casaroli quis dar à nossa Declaração.
Assim, sinto-me na contingência de, mais uma vez, tratar da Resistência católica à Ostpolitik de S. Santidade o Papa Paulo VI.
Bem entendido, se o antístite gaúcho teve em vista nossa Declaração, visou igualmente outras atitudes análogas, pois ele se refere explicitamente ao livro de Raffalt ( citado em nossa Declaração) e a outras publicações alemãs sobre o assunto. Só comentarei as afirmações da alocução do Sr. D. Scherer apostas ao nosso pensamento.
* * *
Começo por dizer que concordo com alguns pontos com o Purpurado. Assim, parece-me estar ele com a razão quando sustenta que, em princípio, está na augusta missão do Vaticano entabular negociações diplomáticas com os regimes comunistas, no intuito de suavizar a situação dos católicos perseguidos. De minha parte, sempre sustentei a legitimidade dessa conduta.
Não posso, porém, acompanhar S. Emcia. quando sustenta que a chamada Ostpolitik do Vaticano consiste simplesmente nisto, e que não têm senão este efeito as viagens de Mons. Casaroli, o Kissinger vaticano.
É patente que a Ostpolitik vaticana inclui dois aspetos.
Um é o diplomático, de chancelaria a chancelaria, do qual S. Emcia. tratou. Mas há outro, do qual S. Emcia. se absteve de tratar. Ou seja, paralelamente com a détente diplomática do Vaticano com o Leste, houve, em larguíssimos meios católicos, uma sensível mudança de posição em relação aos partidos marxistas do Oeste. A atitude militantemente anticomunista, que caracterizava tais meios desde os primórdios do marxismo até a morte de Pio XII, se abrandou rapidamente com a eleição de João XXIII, e vem rareando a tal ponto no pontificado de S.S. Paulo VI, que se tornou quase uma exceção à regra.
Não entendo afirmar, com essas palavras, que cessaram inteiramente as censuras de autoridades eclesiásticas organizações católicas contra o comunismo. Mas elas baixaram muitíssimo em número, e mais ainda em tom. De sorte que, não raras vezes, têm muito mais o aspecto de uma queixa de amigo a amigo, do que de crítica a um adversário irreconciliável. É absolutamente notório que, não raras vezes, autoridades eclesiásticas e organizações católicas têm chegado, nesta linha, até a franca colaboração com correntes comunistas. O caso talvez mais característico dessa conduta é o apoio dado por S. Emcia. o Cardeal Silva Henriquez para a ascensão e manutenção de Allende no poder (cf. Comunicado da TFP chilena, "Folha de S. Paulo" de 2-3-73, e Declaração da TFP brasileira, "Folha de S. Paulo" de 10-4-74).
Esse afrouxamento católico simultâneo com a Ostpolitik vaticana se apresenta assim como um corolário lógico dela.
Ora, aqui está precisamente a causa da grande perplexidade de inúmeros católicos. Não conseguimos compreender por que forma a implantação e conservação do comunismo no Chile favorece a situação dos católicos detrás da cortina de ferro.
E, ainda que a favorecesse, não conseguimos ver como seja justo atear fogo ao Chile para que as chamas baixem alhures.
Estou certo de que milhões de católicos ficariam muito gratos a quem nos desse uma explicação para este ponto.
No próximo artigo permitir-me-ei analisar outro ponto de que trata S. Emcia.,, isto é, as relações de chancelaria a chancelaria entre o Vaticano e os países comunistas.