"Folha de S. Paulo", 10 de março de 1974

Para o socialismo e para Bernadette: não!

Segundo parece muitos leitores do jornal, lendo algum tanto superficialmente os resultados das eleições britânicas, chegaram à conclusão de que elas indicam uma marcha moderada da opinião pública no Reino Unido, rumo à esquerda. Tal impressão é de molde a reforçar o conhecido chavão de que o mundo caminha inexoravelmente para a esquerda. E por sua vez é próprio a esse chavão reforçar a tal marcha "inexorável". Assim, é indiscutivelmente oportuno esclarecer que o pronunciamento do eleitorado britânico teve – e muito acentuadamente – o significado de um virar de costas para a esquerda trabalhista.

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Mas como! – dirá algum leitor. Se o novo gabinete é de coloração marcadamente trabalhista, e sucede a um governo pronunciadamente conservador, como se pode afirmar, sem disparate, que a opinião pública do Reino Unido não caminhou para a esquerda! – É que, em certos casos, por peculiaridade da lei britânica, o número de cadeiras obtido pelos diversos partidos na Câmara dos Comuns pode não corresponder às porcentagens eleitorais dos vários partidos.

Nas eleições de 1970, os conservadores obtiveram 46,4% de votos, e nas de 1974 apenas 38,1%. Sofreram, pois, a considerável perda de 8,3%.

Contudo, também os trabalhistas sofreram perdas sensíveis. Em 1970 obtiveram 43%, e em 1974 37,2%, o que eqüivale a 5,8% de retrocesso. Quem fala de avanço socialista nas últimas eleições engana-se, pois, redondamente.

Esses dados bastam, para provar que o Reino Unido não caminha rumo aos trabalhistas nem aos conservadores, mas começou a voltar as costas a uns e outros – Em que direção? Rumo ao liberalismo. Ou melhor, ao neoliberalismo. Ao contrário dos conservadores e trabalhistas, os liberais alcançaram um progresso acentuadíssimo. Em 1970 obtiveram eles 2.109.218 votos, ou seja, 7,4% dos eleitores. Em 1974 alcançaram eles 6.056.713 eleitores, constituindo 19,3% do eleitorado. Assim, o eleitorado liberal quase triplicou. Se a lei inglesa atribuísse aos partidos um número de cadeiras exatamente proporcional à votação por eles obtida, os liberais teriam agora nada menos de 122 cadeiras.

Ora, o que são os liberais?

No que diz respeito aos grandes temas de índole social e econômica debatidos na campanha eleitoral, há menor distância entre o partido trabalhista e o conservador, do que entre o partido trabalhista e o liberal. Em outros termos, os liberais representavam uma oposição muito mais reacionária e "direitista" do que os conservadores. De onde se deduz que a grande novidade das eleições inglesas não foi uma marcha para a esquerda, mas uma marcha para a direita.

Ademais, a diminuição dos votos conservadores em favor dos liberais se deu notoriamente em virtude de uma cisão entre os conservadores ocasionada por um problema que nada tem a ver diretamente com a problemática direita-esquerda. O poderoso líder conservador Enoch Powell, qualificado pela imprensa como o grande artífice da vitória conservadora nas eleições de 1970, atuou desta fez em favor dos trabalhistas, pois estava em desacordo com a política exterior do governo conservador no que diz respeito ao MCE.

Lembro apenas muito de passagem que as pequenas legendas eleitorais – as quais, somadas, haviam alcançado só seis cadeiras no Parlamento anterior – passaram a ter 22 no novo Parlamento. Esse dado não tem para nós maior interesse, porque não é fácil para leitores brasileiros definir o sentido ideológico dessa mudança, já que ela diz respeito a pequenos agrupamentos políticos só conhecidos no Reino Unido.

De qualquer forma, continua de pé que o partido que mais progrediu está no polo oposto ao trabalhismo.

Não posso encerrar esse artigo sem dar especialíssimo realce à derrota infligida pelo eleitorado da Irlanda do Norte a trêfega e ardida parlamentar Bernadette Mcliskey (ex-Devlin), católica progressista que no exercício de seu mandato fez tudo quanto podia haver de chocante, para ser reeleita. Essa técnica tipicamente progressista malogrou. O povo lhe disse "não".