Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

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24 de fevereiro de 1974 

As cinco teses do anticomunismo restrito

Conforme prometi, enumero hoje alguns modos, tão restritos e simplistas, de ver o problema comunista, que acabam por criar entraves dos mais sérios à ação anticomunista. Esses modos de ver – dos quais obviamente não participo – são adotados não raras vezes por elementos que, sem hesitação o afirmo, fazem parte do escol cultural ou político do País. Assim, não é minha intenção dar a este artigo um caráter polêmico. Peço que, pelo contrário, se veja nele um convite a um diálogo cordial.

Para maior clareza e brevidade, apresento articuladamente as diversas teses do que eu chamaria de anticomunismo restrito. E para diferenciar umas teses das outras, numero-as:

1. Ação comunista é a que se desenvolve através do PC. Socialismo e esquerdismo são posições ideológicas ou políticas inteiramente aceitáveis, que não tendem para o comunismo, nem o favorecem.

2. No Brasil, o terrorismo é a única forma de ação comunista capaz de êxito. O proselitismo meramente doutrinário não oferece risco. Liquidar o terrorismo é, pois, liquidar ipso facto o perigo comunista.

3. O teatro, o cinema, o radio, a televisão e a imprensa só são instrumentos de propaganda comunista quando expressamente pregam idéias comunistas. O uso de fórmulas literárias ou artísticas em que o comunismo vem veladamente inculcado não é digno da atenção dos poderes públicos. Primeiramente, porque a literatura e as artes constituem, de si, terreno inteiramente autônomo das atividades políticas. Em segundo lugar porque, a se procurar tais expressões veladas, cair-se-ia no risco de ver expressões suspeitas de comunismo em muitas produções inocentes, e se coarctaria assim a liberdade da cultura e da arte. Ademais, a entrar em cogitações culturais e artísticas mais ou menos bizantinas, o Estado sairia de sua órbita própria e se afundaria em problemas inextricáveis. Por exemplo, a se admitir que o comunismo luta a favor do feio contra o belo, o Estado deveria logicamente lutar a favor do belo contra o feio. Daí o Estado deveria adotar uma estética oficial própria. E isto se opõe inteiramente à visão arejada e moderna do Estado.

4. Os comunistas são movidos por um sincero empenho em resolver os problemas econômicos, sociais e educacionais. De onde, resolver esses problemas importa em apaziguar a sanha comunista e neutralizar-lhe a investida. Fartura e organização bastam para derrotar o comunismo. Quando muito se lhes deve juntar a repressão policial. A ação anticomunista de índole ideológica não é útil para tal fim, e pode até exacerbar perigosamente os comunistas.

5. A Religião nada tem que ver com o Estado ou a política. O esquerdismo católico talvez deva ser combatido enquanto forma de ingerência do Clero numa esfera que não é a sua. Porém, enquanto ele se limita a ser um fenômeno de sacristia, não interessa ao Estado. Admitamos a hipótese extrema de que, circunscrito aos meros meios religiosos, o esquerdismo católico venha a corroer e destruir por dentro a Igreja: isto de nada importa ao Estado brasileiro, que é laico.

* * *

Como facilmente se pode ver, estas cinco teses têm como pressuposto uma concepção que eu chamaria de cândida, da onipotência do Estado. Este, atuando dentro da esfera que lhe é imediatamente própria, isto é, da lei, dos órgãos políticos, das forças armadas e da polícia, seria onipotente. Em face dele, a sociedade não constituiria senão massa inerte, que se deixa manipular à vontade. Simples matière à gouvernement. Bastaria que, quando muito, se lhe desse pão. Os imperadores romanos eram um pouco mais sutis. O lema que adotavam para sujeitar a sociedade ao aparelhamento estatal compreendia panem et circenses. Mas estes últimos não faltam em nossos dias. E assim disporia o Estado de todos os elementos para dirigir a seu talante a sociedade.

Porém, até que ponto a boa doutrina e a experiência comprovam esta forma tão circunscrita de ver as relações entre Estado e povo, bem como entre poder público e problemas ideológicos?

Sobre tudo isto, o valioso folheto da Divisão de Segurança e Informações do Ministério da Educação nos dá preciosos elementos de reflexão.

Analisá-los-ei na próxima semana, Deo volente.