"Folha de S. Paulo", 27 de janeiro de 1974

Tanques vazios, cabeças vazias

O último dia 23 teve uma importância não pequena na história da publicidade brasileira. Foi um "aniversário"- aniversário de um mês! – da divulgação de uma das notícias mais espantosas destes espantosos tempos. E ainda mais espantoso é o que a essa publicação se sucedeu. Ou seja, não lhe sucedeu nada.

Explico-me.

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Precisamente a 23 de dezembro informava a "Folha de São Paulo" que, para a importante revista britânica "The Economist", a crise do petróleo não passa de um imenso bluff. a falta do indispensável líquido, que se vem fazendo sentir em tantos países, e sujeita todo o Ocidente a uma pressão nervosa que raia pelo trágico, não teria origem no rei Faiçal e nos demais príncipes árabes. Estes fizeram uma ameaça ao Ocidente, com o desejo de auferir vantagens no campo político. Ao mesmo tempo, porém, empenhados em não desorganizar a economia mundial, teriam continuado a efetuar normalmente os costumeiros fornecimentos do petróleo.

Perguntará, então, o leitor como se explica a carência deste. "The Economist" menciona numerosos e impressionantes fatos que induzem a crer que as companhias comerciais responsáveis pela distribuição do produto no Ocidente resolveram estabelecer arbitrariamente o racionamento do petróleo, a fim de lhe aumentar o preço.

Cabe-lhes, então, - e não ao rei Faiçal, aos emires e sheiks – a responsabilidade pela grande tragédia.

A crise do petróleo existe, sim. Mas as companhias petrolíferas, verdadeiras responsáveis, blefam ao fazer constar que cabe aos soberanos árabes a autoria desse terrível golpe contra o Ocidente.

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Tal notícia, a ser inteiramente comprovada, é de uma importância maior – pelo menos sob certo ponto de vista – do que a própria crise do petróleo. Ela induz a crer que supercapitais levaram sua ganância e seu poderio a ponto de desencadear uma crise em todo o Ocidente, sem que o grosso da opinião pública fosse alertado a respeito. Assim; televisões, rádios, jornais, púlpitos, tribunas e cátedras deveriam estar reclamando, à uma, o cabal e minucioso esclarecimento do espantoso problema, para pressionar, em seguida, as companhias petrolíferas, que se escondem atrás dos príncipes do petróleo – ou os príncipes, que se escondem atrás das companhias. Seria o melhor modo de fazer cessar a chantagem petrolífera. Contudo, nada disso se passou. Gemem uns povos na perspectiva do que lhes vai acontecer, e outros na dura realidade do que já lhes sucede. Porém, poucas são as vozes que se erguem para esclarecer e resolver a dramática situação.

Ora, este silêncio quase inteiro não se explica pela falta de informação. "The Economist" tem uma considerável irradiação. Normalmente, as graves suspeitas levantadas pelo órgão não poderiam deixar de despertar, em larguíssima escala, nos círculos políticos e econômicos, suspeitas, paixões, investigações, críticas e réplicas. A partir disto, a grande imprensa não poderia omitir de dar larga divulgação ao problema. Faiçal, os emires, os sheiks e as companhias deveriam ter saído a público, esclarecendo a situação. E, ou a crise cessaria, ou, pelo menos, os genuínos responsáveis ficariam identificados. Mas nada disto ocorreu.

Por que esse alheamento da opinião pública mundial? Para responder, olhemos em torno de nós. A "Folha de São Paulo"- um dos jornais de maior tiragem do Brasil – consagrou ao assunto, no dia 23, uma notícia de considerável tamanho, em que vinham perfeitamente condensadas e fundamentadas as suspeitas do órgão britânico. Também cogitou do assunto um ou outro jornal. Isto deveria ter bastado para pôr fogo ao assunto, não só nas rodas relativamente circunscritas dos políticos e especialistas, mas nas que formam toda a massa da população. Ora, a tal não se chegou.

Temos assim, diante de nós, uma amostra do que se deu em escala mundial. Este mês de semi-silêncio sobre o fato indica uma crise mais alarmante que a do petróleo. Pois me assusta mais ver a atonia, a abulia, o vazio das cabeças desnorteadas pelo caos contemporâneo, do que o vazio dos reservatórios de gasolina. E neste sentido é que o dia 23 marcou um triste "aniversário".