Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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2 de dezembro de 1973

A equipe imprevidente – I

Sem dúvida, a civilização ocidental é a maior que, do ponto de vista material, apareceu na História. Entretanto, nestes dias, o Ocidente estremece inteiro, ao se dar conta, de repente, de que uma das condições indispensáveis à sua existência está nas mãos de elementos dos quais alguns ele despreza, e outros odeia.

Os reis e emires do Golfo Pérsico, o Ocidente quase totalmente laico e republicanizado os despreza como figuras folclóricas, meras sobrevivências de um regime político-religioso que ele tem por decrépito. E eis que, de um momento para outro, a opinião pública ocidental se dá conta de que todo o sistema de produção de transporte, em que punha tanto orgulho, tem seu funcionamento dependente, em boa medida, daqueles régulos da era do turbante e do camelo.

Quanto ao petróleo que não vem do Golfo Pérsico, está ele nas mãos de ditadores populistas, que sem turbante nem camelo, exercem um despotismo ainda mais fanático e férreo que o dos reis e emires. E também destes desprezados régulos populistas de Jeep e mangas de camisa que não têm sequer a poesia à "mil e uma noites" dos reis e emires – depende, em considerável parte, o orgulhoso mundo ocidental.

Por detrás de uns e outros – reis, emires, tiranos populistas – avulta a sombra odiada de Brejnev e de sua gang. E o Ocidente bem percebe que, se a torneira do petróleo está na mão de certos chefes de Estado árabes, a mão destes está, por sua vez, presa na mão imensamente maior, mais forte, mais terrível, do comunismo internacional. Assim, o mundo comunista está provando ao mundo capitalista que lhe pode, de um momento para outro, perturbar a fundo ou eventualmente deter o funcionamento.

Alguém objetará que essa afirmação só é verdadeira para a Europa e o Japão. Pois a economia norte-americana depende em apenas 10% do petróleo árabe. Na realidade, um eventual colapso da economia européia poderia produzir no comércio norte-americano conseqüências catastróficas.

* * *

A que conduz tudo isto, que entretanto não há quem não veja?

A uma conseqüência trágica e óbvia, que poucos querem ver.

Em outros termos, ou haverá, quiçá durante anos, da parte da opinião pública européia e norte-americana, uma deliberação heróica de suportar o frio e até a fome para não perder a independência, ou o mundo ocidental está virtualmente "finlandizado". O que, por sua vez, importará no domínio do comunismo em todo o mundo.

Eis a alternativa trágica a que nos conduziram os acontecimentos; em termos mais precisos, os homens que produzem os acontecimentos: esses homens que parecem tão capazes de organizar o dia de hoje, porém tão supina e desconcertantemente incapazes de prever o dia de amanhã.

Com efeito, é impossível escapar a esta pergunta: como não perceberam os dirigentes do mundo ocidental, que a economia baseada no petróleo árabe teria seu dinamismo largamente prejudicado no momento em que ele lhe faltasse? E, ainda mais, como não previram que, deixando as fontes do petróleo passar lentamente para a esfera de influência comunista, entregavam a Moscou um terrível meio de pressão... e de vitória?

* * *

A pergunta lança o observador objetivo num oceano de perplexidades, tanto mais quanto o risco que agora nos salta ao pescoço de há muito poderia ter sido previsto.

Em 25 de junho de 1972 – por exemplo – os leitores da "Folha" tiveram diante dos olhos um artigo que tratava do assunto, e do qual destaco apenas estas frases:

"Desde que corte o abastecimento do petróleo do Oriente Médio, a Rússia pode paralisar, de um momento para outro, quase todas as indústrias e transportes da Europa Ocidental.

"Tal medida vai sendo cada vez mais exeqüível (...) . Todo o petróleo do Oriente Médio poderá cair, em breve lapso de tempo, nas mãos dos soviéticos.

"Este é um dos "calcanhares de Aquiles" da Europa. O outro é a situação militar.

"Sem petróleo, o esforço de guerra da Europa Ocidental fica reduzido a quase nada".

Não os escreveu um homem público, servido pelos meios de informação privilegiados de que dispõem os organismos oficiais.

Escrevi-os com base no que sabe um leitor atento dos jornais.

Como, então, tantos outros, na esfera pública e privada, não viram o óbvio?

É que, por vezes, se faz necessária uma verdadeira ascese para ver o óbvio. Por exemplo, quando isto nos obriga a passar da esfera deslumbrante das grandiosas planificações de progresso, de um mundo próspero e em paz, para os problemas angustiantes inseparáveis da previsão e análise dos perigos que o futuro traz em seu bojo. Pois se passa, assim do estado da construção para o da luta. Ora, construir é agradável, e lutar, penoso.

E – grosso modo – os mentores do Ocidente se esquivaram a esse desagradável labor.