Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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7 de outubro de 1973

Elogio aos silenciosos do Ocidente

Não se pense que, do ponto de vista de um amigo da tradição, nada há digno de elogio em nosso século. Pelo contrário, atentamente analisada a realidade, encontram-se sérios motivos para aplaudir certos aspectos do mundo de hoje. Trata-se sobretudo dos aspectos em que hoje o mundo não é inteiramente o que se convencionou chamar "mundo de hoje".

Explico-me. Se por "mundo de hoje" se entende um conjunto de pessoas influenciadas em sua mentalidade, em suas relações recíprocas e em suas realizações pelo chamado "espírito moderno", realmente não vejo nele o que elogiar. Pois por "espírito moderno" entendo aqui certa mentalidade fundamentalmente oposta à sisudez e à compostura, e por isto mesmo afeita à extravagância, ao desalinho, à incoerência, ao relaxamento de todas as regras de comportamento, desde as mais miúdas convenções sociais até os mais augustos princípios da Moral. Uma mentalidade, em suma, toda feita de inconformidade e de revolta, de cupidez e de sensualidade, de brutalidade chocante e de sentimentalismo piegas. Nisto, com efeito, o que pode haver de elogiável?

Mas – dir-me-á alguém – onde encontro eu pessoas reunindo ao mesmo tempo todo esse conjunto de defeitos? Elas existem, por certo, embora sejam minoria. Não porém uma minoria qualquer. Formam elas um cerne, um núcleo colocado bem no centro de uma imensa periferia de participantes. Destes, cada qual tem apenas um ou alguns defeitos que se encontram reunidos no cerne. Mas, sem embargo, as propriedades do cerne se acham todas presentes, embora de modo fragmentário e difuso, na imensa periferia. Se a cada um dos componentes desta não se aplica a descrição que há pouco fiz do cerne, entretanto essa descrição se aplica inteiramente à periferia considerada como um todo.

Em outros termos, em alguns predomina a brutalidade, em outros a preguiça, em outros ainda a sensualidade ou a revolta. De sorte que no conjunto da periferia estão presentes todos os defeitos típicos do cerne.

O mundo moderno não consta só desse cerne e dessa periferia. Em torno desta última existe a zona ainda mais ampla dos complacentes, isto é, das pessoas que, participando embora de modo apenas tangencial, dos defeitos da periferia, entretanto presenciam o estadear-se desses defeitos com uma indulgência que chega não raras vezes até a conivência. Quanta velha avó se vê pelas ruas, dignamente vestida e de porte correto. Imagine-se que alguém lhe oferecesse, para usar, uma ardida mini-saia: ela se sentiria insultada em seu brio de mulher. Observe-se, entretanto, a neta que ela acompanha comprazida; usa precisamente a mini-saia que a avó teria rejeitado!

Não, neste mundo moderno nada tenho que elogiar. As poucas e tênues qualidades que nele existam, sobrevivem à maneira de vestígios de um legado tradicional que cada qual esconde, sufoca, extingue em si, o mais depressa possível.

Só o que se ostenta, no mundo moderno, é o por onde se é o oposto desse legado.

E isto – repito – eu não posso elogiar.

* * *

Porém, até que ponto o mundo como ele é hoje, isto é, o mundo hodierno, se identifica com o mundo moderno?

Parece-me que, assim como além da cortina de ferro existe uma Igreja do Silêncio vilipendiada, opressa e perseguida, também aquém da cortina de ferro há uma imensa família espiritual de silenciosos, que, postos de lado, ignorados, menosprezados, vivem na mediocridade e na penumbra. Em sua imensa maioria, esses elementos se calam, inibidos pela desenvoltura da modernidade e pelo medo dos sarcasmos. Contudo, do fundo de seu silencio, opõem eles uma resistência discreta aos impulsos da modernidade. Seguem, sim, as injunções desta, mas com passo de tartaruga.

Os líderes da modernidade fingem quase sempre não perceber esta amplíssima ação de corpo mole. Mas a sentem, a tal ponto que vão sendo forçados a não correr, pois sabem que perderiam suas bases na opinião pública, se aceleram por demais o passo.

Precisamente nesses silenciosos que decepcionam e afligem o "mundo moderno", encontro o que aplaudir.

* * *

Cito um fato típico sobre a importância desses "silenciosos" do Ocidente.

A conhecida revista espanhola, "Sábado Gráfico", de 2 de julho p.p., publicou uma revelação curiosa. "D. Helder Câmara, arcebispo de Recife, distribuiu a todos os movimentos proféticos ibero-americanos um documento intitulado "A América Latina e a opção da não-violência". Nele o prelado reconhece sem rebuços os seguintes fatos:

a) o movimento guerrilheiro fracassou. É muito inconveniente tentar hoje a liberação por via armada;

b) a maioria das massas populares é insensível à pregação das doutrinas revolucionárias.

Em última análise, a Revolução moderna está parada.

Parada por que? Quando todos os aspectos superficiais da existência nos fazem crer que ela está andando? Obviamente, é em larga medida pela ação de corpo mole de incontáveis silenciosos, a quem a modernidade impõe, de fora para dentro, características que eles recusam de dentro para fora.

Olhemos para o Chile. Segundo os jornais daquele país, pouco antes da queda do governo da Unidade Popular, destacados partidários desta consideravam como uma das razões do malogro que rondava em torno de Allende a falta de misticismo nas fileiras do operariado governista. Assim, a despeito de todo esforço ideológico desenvolvido pelos marxistas, nas próprias bases destes escasseava o entusiasmo.

Muito mais significativo era o que se passava na oposição. Quando os militares derrubaram Allende, afirmaram fazê-lo por pressão da vontade popular. E ninguém duvidou disto. A prova dessa vontade fora dada pelas imensas manifestações anti-Allende, nas quais os elementos mais arrojados não foram os ricos, mas os operários das minas de cobre de El Teniente, os trabalhadores rurais que se levantaram de armas na mão em favor de seus patrões, os "camioneros" de todo o país. O que era toda essa gente, antes de Allende os tirar do sério? Silenciosos...

Neste sentido, um destacado diretor da TFP chilena, Sr. Fernando Larrain, desapropriado das terras que possuía em Curacavi, mostrou-me uma carta que lhe foi enviada por um ex-colono, saudoso do regime patriarcal dos antigos patrões. É um documento que tem lampejos que figurariam bem na carta de um chouan ou de um cristero mexicano de nosso século.

Esses silenciosos são a grande força de sanidade mental e moral do mundo hodierno.

A esta, eu a aplaudo como um fator positivo. Como antítese preciosa do mundo moderno, que me recuso categoricamente a aplaudir.