Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

 

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30 de setembro de 1973

Por fim, autoperseguição

Já tratei, em ocasiões anteriores, dos aspectos políticos e morais da "distensão" (détente) que Kissinger e Brejnev promovem, entre os blocos ocidental e oriental. Mostrei a tal propósito, que os termos em que essa política se vem desenvolvendo importam em uma verdadeira autodemolição política do Ocidente.

Fatos impressionantes, ocorridos depois dos primeiros artigos que consagrei ao assunto, vieram confirmar minha asserção. Multiplicaram-se e se avolumaram, de modo desconcertante, os auxílios econômicos dos EUA à superpotência rival. E disto a mesma se vem servindo, não só para restabelecer sua economia avariada, como para ampliar sua influência mundial. Quando Bangladesh – para citar um exemplo – precisou de trigo americano, Nixon, que continua suprindo largamente os soviéticos, respondeu que comprassem o cereal na Rússia. Naturalmente, os russos hão de ter revendido o trigo com lucro, além de terem aproveitado a ocasião para firmar seu prestígio naquela disputada área do globo. Dou outro exemplo, ainda mais frisante. Os jornais revelaram que Moscou revendeu na Itália importantes partidas de trigo norte-americano, com um lucro de cerca de 200%.

Pari passu ao reforço econômico e à ampliação da influência mundial, vem ainda a expansão armamentista. As agências telegráficas informam freqüentemente sobre a instalação de novos aperfeiçoamentos nos equipamentos repressivos da cortina de ferro, e sucessivos progressos nos armamentos militares soviéticos.

Não é preciso refletir muito para concluir que o desdobramento lógico da "distensão" entre a Casa Branca e o Kremlin importa no ocaso da liderança norte-americana, e na ascensão do poderio soviético. Vista do lado americano, a distensão é caracteristicamente uma autodemolição.

Vista do lado russo, a distensão traz como efeito imediato o agravamento da perseguição ao povo russo. Ajudando os potentados do Kremlin a aliviar a crise econômica a que a aplicação das doutrinas comunistas conduziu a Rússia, Nixon prolonga a existência da tirania policialesca feroz, denunciada ultimamente com redobrado vigor por Sakharov e outros dissidentes comunistas. Importa isto em dizer que as torturas morais, os gemidos, a efusão do sangue e a morte só se vão generalizando nesse imenso cárcere que é o mundo de além cortina de ferro, porque o Kremlin se sente apoiado pela Casa Branca. Em outros termos, de medo que a sanha agressiva da camarilha do Kremlin se volte contra eles, os EUA proporcionam a esta os meios necessários para perseguir à vontade o povo russo. E não só este, como as nações satélites, entre as quais não haveria exagero em acrescentar Cuba, e até ontem o Chile.

* * *

Não termina aqui o balanço da distensão Nixon-Brejnev.

À autodemolição dos EUA e à perseguição do povo russo, a distensão soma um aspecto, do qual ainda não tratei, mas cuja importância não é menor que os anteriores.

Escrevendo recentemente sobre a perseguição que por vezes sofrem hoje, na Igreja, católicos dentre os melhores, Gustavo Corção empregou a expressão muito própria de "autoperseguição" (corolário do misterioso processo de "autodemolição" do qual falou Paulo VI).

Sirvo-me da expressão para designar o que começa a passar-se na economia ocidental, em virtude da política de Nixon.

O fenômeno foi descrito há dias, com concisão e clareza, pelo Sr. Gastão Eduardo de Bueno Vidigal, diretor-presidente do Banco Mercantil de São Paulo, e ex-secretário da Fazenda de nosso Estado: pessoa, pois, inteiramente capacitada para falar sobre a matéria. Em entrevista a um matutino, disse ele: "Há que temer pelas conseqüências da inflação que se generaliza pelo mundo. A crise do dólar e a entrada no mercado mundial de dois grandes compradores de alimentos e de matérias-primas – o bloco soviético e a China comunista, que, juntos, perfazem mais de um terço da população da Terra – geraram a corrida ao ouro e aos suprimentos tanto de produtos primários como acabados".

Em outras palavras – comento eu – o flagelo da inflação começa a estender-se por todo o Ocidente, simplesmente porque devemos nutrir, vestir e equipar uma terça parte da humanidade, que até há pouco estava excluída de nossa área econômica.

Ora – pergunto – por que motivo cessou essa exclusão?

Obviamente, por causa da distensão inaugurada por Nixon.

Em outros termos – concluo – a nação líder do Ocidente começa a desfechar contra si mesma, e contra as demais nações amigas, uma verdadeira perseguição econômica, com o intuito de... favorecer as nações inimigas! Ou, antes, para favorecer os governos que mantém sob o jugo da miséria e da violência essas nações.

Qual a compensação paga por esses governos por tanto auxílio? Na realidade ninguém conhece com precisão o preço que prometeram pagar, e dentro de que prazo o farão. Por que este mistério? Que garantias há de que o pagamento efetivamente será feito?

Mal acabo de escrever esta frase, que me parece ouvir a voz de algum demo-cristão a bramir, perguntando-me se eu não aceito o princípio de que os mais ricos devem ajudar os menos ricos.

É claro que aceito. Mas ele de nenhum modo se aplica ao presente caso.

Como bem vão demonstrando os dissidentes russos, o apoio norte-americano só está servindo para manter no poder os governantes cuja inépcia é uma das causas da miséria. E, analogamente, o mesmo se pode dizer da China.

"Uma das causas", acabo de afirmar. Pois a causa principal da pobreza nos países comunistas é o próprio regime coletivista, o qual, por ser antinatural, conduz à catástrofe em todas as latitudes em que se o estabeleça: na América do Sul como nas Antilhas, nas margens do Danúbio como nas do Rio Amarelo.

Autoperseguir o Ocidente para, com isto, fortalecer os déspotas que perseguem o Oriente: eis mais um aspecto da política de Nixon e Kissinger.

* * *

Se a política desses dois homens públicos norte-americanos chegar a todas as suas conseqüências, a História os julgará com as palavras de Churchill aplicadas ao avesso: nunca tantos foram tão completamente destruídos e liquidados por tão poucos.


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